Os ataques de terroristas aos Três Poderes da República ocorreram não por “vacilo” das forças de segurança do Distrito Federal, mas por negligência e omissão dolosa, destaca ao Correio o sociólogo professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário de Segurança do DF Arthur Trindade. Para ele, a simples remoção de acampamentos bolsonaristas da frente dos quartéis do Exército não vai reduzir o clima de tensão amplificado desde a derrota nas urnas de Jair Bolsonaro. “Os serviços de inteligência serão muito importantes no combate a esses grupos terroristas. Resta saber se eles estão preparados para essa tarefa”, ressaltou o ex-secretário durante o governo de Rodrigo Rollemberg (PSB).
Qual a avaliação do senhor sobre os atos terroristas praticados por bolsonaristas no último dia 8? Há indícios de sabotagem, de uma ação premeditada da cúpula das forças de segurança recém-empossada? Ou foi apenas um “vacilo” de planejamento?
É difícil acreditar que tenha sido um “vacilo” de planejamento. O policiamento de protestos na Esplanada dos Ministérios é rotina da Secretaria de Segurança Pública, que faz isso há décadas. Normalmente o policiamento é bem feito. Foi o que aconteceu nas manifestações do 7 de setembro de 2022, quando as forças de segurança pública atuaram muito bem, impedindo a entrada de caminhoneiros na Esplanada dos Ministérios. O mesmo pode ser dito quanto à cerimônia de posse. A mudança no planejamento adotado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) foi muito estranha. Pois, tanto a secretaria quanto as polícias haviam sido informadas pelas agências de inteligência sobre a disposição dos manifestantes de invadir o Congresso, o Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF). Houve negligência e omissão dolosa na minha opinião. Todas as autoridades responsáveis deveriam ter alertado sobre os riscos envolvidos.
A Polícia Militar do DF é exemplo no país, além de ser bem remunerada com o aporte do Fundo Constitucional. Como o senhor avalia a situação da corporação nos próximos meses?
No plano nacional, o episódio manchou a imagem da PMDF. O dano está feito e levará tempo para ser revertido. É uma pena, pois a Polícia Militar vivia um dos seus melhores momentos. Graças aos trabalhos da PMDF e da Polícia Civil, as taxas de criminalidade vêm diminuindo desde 2014. Ao mesmo tempo, as pesquisas mostravam que as taxas de confiança e satisfação dos cidadãos vinham crescendo. É uma situação inusitada: descrédito no âmbito nacional e confiança no nível local. Acho que o comandante e demais liderança policiais deveriam se concentrar agora na manutenção da confiança dos brasilienses. Para isso, eles deveriam evitar novos desgastes como insubordinações, operações tartarugas e greves. Em um segundo momento, poderiam tomar iniciativas para mostrar ao restante do país, especialmente às demais polícias, a competência e correção do trabalho dos policiais militares do Distrito Federal.
O envolvimento de militares da ativa na política não seria um erro?
A carreira dos militares, tanto das Forças Armadas (FFAA) quanto das polícias militares, carrega ônus e bônus. A legislação proíbe os militares da ativa de se manifestarem politicamente. É um ônus, afinal de contas, os outros cidadãos são livres para fazer isso. Em contrapartida, dada sua natureza especial, os militares têm regime previdenciário diferenciado. É um privilégio que a maior parte da população não possui. Os policiais militares deveriam ter clareza sobre essa situação.
Há possibilidade de atos terroristas num futuro próximo na Esplanada? O que pode ser feito para evitar esse tipo de ataque à democracia? Qual o peso dos serviços de inteligência nessa programação?
Creio que a remoção dos acampamentos nas portas dos quartéis não irá resolver o problema. Sem dúvida, era um passo necessário. Mas isso não impedirá possíveis atentados com bombas, sabotagens de serviços essenciais e atentados contra a vida de autoridades públicas. Tivemos uma mostra disso em 24 dezembro, quanto foi colocada uma bomba num caminhão-tanque na área do aeroporto de Brasília. Os serviços de inteligência serão muito importantes no combate a esses grupos terroristas. Resta saber se eles estão preparados para essa tarefa.
O sentimento de impunidade no país amplifica ações não civilizadas, como vandalismo, racismo, feminicídio, etc. Como conter essa onda fascista no país?
Em parte, o discurso desses grupos radicais se apoia no medo da população de ser vítima de roubos, agressões, estupros e outras violências. Eu diria que o medo do crime é o combustível da política do ódio. Normalmente os líderes autocratas são muito hábeis em manipular o discurso do medo. Ao mesmo tempo que amplificam o medo, eles apontam soluções simples, bem como elegem os culpados como os imigrantes, negros, indígenas, ativistas políticos, movimentos sociais, etc. Tem acontecido assim em vários países. Não é fácil acabar com o medo. A melhoria dos serviços públicos, especialmente de transporte, a diminuição das taxas criminais, o aumento da confiança nas polícias e o fortalecimento da legitimidade dos tribunais ajudam muito a diminuir o medo.
O que o senhor acha de se criar uma gestão federal de segurança na Esplanada dos Ministérios? Ou seja, efetivos policiais, serviços de inteligência, proteção ao patrimônio tudo nas mãos de um gestor ou grupo de gestores ligados diretamente aos Três Poderes da República…
Não sei se isso seria melhor do que a forma como o policiamento de protestos é feito hoje. Ninguém garante que essa força federal não seja cooptada e instrumentalizada pelo presidente ou outras lideranças do Congresso. Não há atalhos nem fórmula mágica. É preciso despolitizar as polícias, tornando-as mais profissionais, criando normas de conduta claras e reforçando a atuação dos órgãos de controle como as corregedorias, ouvidorias e Ministério Público.
Polícia impede tragédia
O empresário bolsonarista George Washington De Oliveira Sousa tentou explodir uma bomba na área do Aeroporto de Brasília, na véspera do Natal. Ele ele veio do Pará logo após a derrota de Jair Bolsonaro Pará para participar dos atos em frente ao Quartel General do Exército. Para o atentado, ele usaria explosivos oriundos de garimpos e pedreiras no Pará. Em depoimento na 01º Delegacia de Polícia (Asa Sul), ele admitiu a motivação política do crime. No apartamento alugado no Sudoeste onde vivia, a Polícia Civil apreendeu um fuzil, duas espingardas, revólveres, mais de mil munições e artefatos explosivos.
Correio Braziliense