Inconformada e abalada com o resultado do júri do policial federal Victor Campelo, que matou com um tiro o estudante Rafael Frota em 2016 e foi absolvido nessa quinta-feira (26), a mãe da vítima, Neide Frota, criticou a atuação do delegado responsável pelas investigações na época e lamentou o que chamou de “corporativismo”.
“Eu já não esperava muita coisa, o sistema que comanda tudo e o corporativismo impera, infelizmente. Delegado mentindo, incompetente, que fez tudo a favor do Victor, nada era voltado para o meu filho ser a vítima da história, a vítima da história sempre foi voltado para ser o Victor. Contra o corporativismo não tem como você lutar e eu senti na pele o que é isso. Na hora é lógico que dá aquele choque na gente, esperava alguma coisa acontecer, mas não aconteceu nada. O cara saiu e, como o promotor disse, não vai acontecer nada com ele, vai sair, vai casar, vai ter filhos e vai viver feliz para sempre. Quem não vai viver feliz sou eu que perdi meu filho”, disse a mãe.
Neide contou que esperava que, ao menos, o policial recebesse alguma penalidade pelo que fez. “Ele foi completamente inocentado de tudo. O que entendi em relação a isso é que uma pessoa pode beber, andar armada, atirar e matar. Porque ele foi inocentado, não teve pena nenhuma pra ele. O que entendi foi isso, que pode acontecer isso.”
O júri popular do policial federal ocorreu na 2ª Vara do Tribunal do Júri e Auditoria Militar, em Rio Branco. Após três dias de julgamento, os jurados decidiram, por 4 a 3, pela absolvição de Campelo. No primeiro dia, testemunhas foram ouvidas, no segundo dia o policial foi interrogado e, nessa quinta (26), houve os debates orais entre defesa e promotoria e, por fim, a leitura da decisão dos jurados.
Antes de ler a sentença, o juiz Alesson Braz, destacou que o uso da arma por agentes de segurança em boates e somado com bebida alcoólica precisa ser melhor debatido. Depois disso, leu a decisão do conselho de sentença, que absolveu o policial federal do homicídio de Rafael e tentativa de homicídio contra Nelciony Patrício, também envolvido na confusão.
MP recorre de decisão
Logo após o resultado do júri, o promotor de Justiça Teotônio Soares entrou com recurso contra a decisão do conselho de sentença.
O promotor apontou que, segundo testemunhas, o réu teria ingerido bebida alcoólica no local, e defendeu a tese de que os disparos teriam sido motivados por uma atitude de vingança e não por legítima defesa, uma vez que não foi comprovado que Victor foi espancado ou corria risco de vida ao sacar a arma.
O representante do Ministério Público do Acre (MP-AC) ressaltou ainda a condição privilegiada do réu por ser policial armado no local, reforçando que ele não deveria incitar violência e sim tentar conter a situação.
“Iremos recorrer dessa sentença, com base no artigo 593 inciso II, porque no entendimento do Ministério Público a decisão foi manifestamente contrária às provas dos autos, entendemos que o caso não foi legítima defesa”, disse.
O advogado de defesa do policial, Wellington Silva, disse que já esperava a absolvição e comemorou a decisão do júri.
“Representa tudo aquilo que a gente acredita desde o começo. Tudo aquilo que a gente apresentou diante das vastas provas que existiam nesse processo, então a verdade foi uma só do início ao fim e, graças a Deus, os jurados souberam concluir pela absolvição do Victor”, disse sobre a decisão dos jurados.
Falas fortes
Um dos depoimentos mais esperados era da mãe da vítima, Neide Frota. Durante seu depoimento, ela relembrou como sua vida virou de cabeça para baixo após a morte do filho. Atualmente, ela e o marido não moram mais em Rio Branco.
“Eu dormi e acordei sem um filho. Isso acabou com a minha vida, com a vida do pai dele. Tive que contar pra minha mãe que o neto dela foi assassinado. Ela quase morreu, porque já é idosa. Hoje eu me acho mais forte, vou até o fim pelo meu filho.”
Antes mesmo de iniciar o julgamento, a professora disse que não acreditava na condenação de Victor Campelo. Ao ouvir a sentença, Neide saiu do tribunal sem falar com a imprensa.
Já na quarta-feira (25), ao ser ouvido, o policial federal pediu desculpas à mãe de Rafael. Em seu interrogatório, ele disse que, se pudesse voltar atrás não teria saído de casa no dia do ocorrido. Depois se emocionou ao falar sobre os familiares de Rafael, então, o juiz Alesson Braz o lembrou que Neide estava sentada atrás dele, ouvindo o interrogatório. Foi o momento em que Victor, muito emocionado e com a voz embargada, se dirige à mãe de Rafael.
“Me desculpe de verdade, eu nunca quis fazer mal pra senhora”, disse entre lágrimas. A defesa não autorizou fazer imagens de Victor durante o julgamento.
O terceiro dia do júri começou às 9h10 e terminou às 15h. Tanto defesa, quanto Ministério Público dispensaram a réplica e a tréplica prevista nos debates orais.
Morte na boate
O crime ocorreu na madrugada de 2 de julho de 2016. A Polícia Federal (PF-AC) informou na época que os disparos foram feitos em legítima defesa, já que Victor Campelo foi agredido por várias pessoas e caiu no chão. Um dos tiros acertou Rafael Frota, que chegou a ser socorrido, mas não resistiu. Outro homem e o próprio policial também ficaram feridos. Atualmente, o processo dentro da PF foi arquivado.
Um dia depois do ocorrido, o policial federal foi encaminhado à audiência de custódia, onde a Justiça do Acre decidiu pela manutenção da prisão. O TJ-AC afirmou que o suspeito alegou legítima defesa, mas o argumento não convenceu o juiz. Campelo ficou custodiado na sede da PF.
Familiares de Frota chegaram a fazer um ato no Centro da capital acreana para pedir justiça. O pai do jovem, Gutemberg Frota, disse que era uma tentativa de sensibilizar a sociedade para que crimes dessa natureza não ficassem impunes.
Na noite de 26 de julho de 2016, a Polícia Civil reconstituiu a morte do estudante Rafael Frota. Campelo e a ex-namorada dele, Lavínia Melo, e os jovens apontados como responsáveis pela confusão que teria motivado os tiros, retornaram à casa noturna, no bairro Aviário, para participar da reconstituição.
Em maio de 2017, o policial teve duas medidas cautelares revogadas pela Justiça do Acre. Entre as medidas, estavam a revogação da proibição de frequentar bares, boates e casas noturnas, bem como o recolhimento domiciliar a partir das 19h nos finais de semana, feriados e dias de folga. Atualmente, ele não mora mais no Acre e exerce a profissão em outro estado.
Fonte: G1ACRE