SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O combate ao garimpo ilegal que atingiu o povo yanomami precisa unir forças como Banco Central, Receita, CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e Itamaraty, na avaliação do ex-ministro da Defesa Raul Jungmann.
Hoje presidente do Ibram, que reúne grandes mineradoras, como AngloGoldAshanti e Kinross, Jungmann diz que o setor tem alertado sobre a ilegalidade e se posicionou contra a mineração em terra indígena na gestão Bolsonaro.
Além de repressão policial, defende o combate do mercado ilegal até a exportação. “A questão do ouro ilegal envolve repressão, comando e controle. Mas tirar o mercado deles é tão importante quanto.”
Folha – Como as grandes mineradoras estão acompanhando a crise yanomami?
Raul Jungmann – Estamos acompanhando pelo lado da preocupação com o garimpo e o ouro ilegal. É uma tragédia horrorosa o que está acontecendo com os yanomami.
Desde 2022, a gente combate o garimpo ilegal. Começamos a fazer isso a partir de um relatório do Instituto Escolhas, que produziu um trabalho sobre a cadeia de exploração, produção e comercialização do ouro ilegal. Esse ouro, que vem do garimpo ilegal, destrói a natureza, usa mercúrio, é terrível para peixes e populações ribeirinhas.
Eles corrompem e matam as populações originárias no entorno e se associam a facções criminosas. Fui ministro da Segurança Pública e tinha informação de que o PCC se infiltrava nessa atividade.
Folha – Há preocupação com a imagem do Brasil e do setor?
Raul Jungmann – Existe uma percepção de que o garimpo ilegal faz parte da mineração. Mas a mineração legal paga impostos, gera renda e emprego. Nós temos uma postura. Quando o governo quis aprovar urgência do projeto de lei 191 de mineração em terras indígenas [na gestão Bolsonaro, em 2022], as pessoas ficaram surpresas porque nós fomos contra.
Ali se abria brechas para o que se chamava de garimpo artesanal, mas na verdade era uma espécie de legitimação para o garimpo ilegal. A mineração sustentável não tem lugar no futuro se ela não tiver o que nós chamamos de licença socioambiental, o que implica em responsabilização.
O relatório de que eu falei mostra que a lavagem do ouro ilegal é feita, em grande medida, nas DTVMs, distribuidoras de títulos e valores mobiliários. E ele mostra como cinco das DTVMs são responsáveis por quase 90% do ouro ilegal. O Brasil produz pouco mais de 100 toneladas de ouro, e 50 toneladas são ilegais. Isso dá US$ 2,5 bilhões, para termos uma ideia do tamanho que tem esse mercado ilegal e os seus interesses.
Folha – Por que o ouro no Brasil chama a atenção?
Raul Jungmann – Porque ele é mercadoria mas também é ativo financeiro, ele tem essa dupla identidade. E, por ser ativo financeiro, o Banco Central regula isso. Então, a nossa conversa, no ano passado, foi com o presidente do BC, Roberto Campos Neto. Nós, o Escolhas, o ISA (Instituto Socioambiental) e o Ethos fomos apresentar o problema. Tivemos uma excelente conversa.
Existe um limite que é o princípio da boa-fé: o sujeito pega um papel de embrulho, transforma em uma nota fiscal e entrega o ouro. A partir dali vem a lavagem. Se você for fazer uma investigação, eles vão chegar com uma pilha de notas fiscais, uma boa parte frias, e você, pelo princípio da boa-fé, tem de aceitar.
O Flávio Dino [ministro da Justiça] já entrou com o pedido junto ao Supremo para suspender esse problema. É necessário implantar a nota fiscal eletrônica, que possibilita rastrear e cruzar os dados. Ela é central nessa estratégia. E quem faz isso é a Receita. Pedimos audiência com o secretário da Receita, ainda no governo Bolsonaro. E fomos lá, nós, o Escolhas, um representante do BC, um da CVM, e um do Ministério de Minas e Energia.
Retomamos agora para uma nova reunião com o novo secretário da Receita. Ele chamou a equipe e, de novo, apresentamos o estudo. Ele disse que seria prioridade acelerar a implantação na nota fiscal eletrônica e disse que levaria esse assunto ao ministro da Fazenda, Haddad.
Também entramos com pedido de investigação na CVM. O caso yanomami tem tudo a ver com isso. As pessoas falam que a questão do ouro ilegal envolve repressão, comando e controle. Isso é preciso fazer. Mas tirar o mercado deles é tão importante quanto. Se você retira o mercado deles, eles perdem a atratividade. Esse é um eixo de trabalho.
Folha – Há outros eixos?
Raul Jungmann – O segundo eixo é a rastreabilidade. Esse é um tema que pretendo falar com Flávio Dino. Temos uma parceria com a Polícia Federal, que é uma tecnologia baseada em radioisótopos. Todo ouro que é extraído tem uma digital, ou seja, ele vem com resíduos, que permitem saber de onde ele veio, se veio de uma terra indígena, de uma terra legal, se foi de uma reserva. Isso está em desenvolvimento.
No terceiro eixo, nós reunimos as principais joalharias do Brasil com as mineradoras legais, que são auditadas, controladas. Propusemos aproximar os setores com certificado de ouro legal.
O quarto eixo é o exterior. A Suíça é um grande importador de ouro do Brasil. Vai ouro legal e ilegal. Conversamos com o governo suíço, empresariado e ONGs para que eles criassem a exigência do ouro legal. Ou seja, há uma responsabilização interna, mas também externa. Tem que ter responsabilidade de quem compra do lado de lá. Se não existir isso, não fecha o circuito. Também falamos com o chanceler Mauro Vieira pedindo apoio do Itamaraty.Raio-XNo governo Fernando Henrique Cardoso, foi ministro do Desenvolvimento Agrário, ministro extraordinário da Política Fundiária, presidiu o Ibama e o Incra. Na gestão de Michel Temer, em 2016, se tornou ministro da Defesa e, a partir de 2018, ministro da Segurança Pública. Também foi vereador do Recife e deputado federal, entre outros cargos.
JOANA CUNHA