“Golpes do Tinder”: criminosos usam aplicativo para seduzir, sequestrar e roubar vítimas

9 em cada 10 sequestros de SP são 'golpes do Tinder' Foto: Reprodução

Um homem conhece uma mulher em um aplicativo de relacionamento, troca mensagens e, tempos depois, eles marcam um encontro. Mas, ao chegar ao local, o homem é sequestrado por uma dupla ou grupo armado. E o que seria um momento especial se torna um pesadelo que chega a durar dias. A vítima sofre tortura psicológica e algumas vezes até física enquanto têm suas contas esvaziadas.


A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP) informou que “mais de 90% dos sequestros registrados em São Paulo são feitos a partir de relacionamentos formados a partir de perfis falsos criados em aplicativos como o Tinder”. As informações são da BBC Brasil.


Apenas em 2022, a SSP informou que a Divisão Antissequestro do Dope, unidade especializada em sequestro da Polícia Civil paulista, esclareceu 94 ocorrências desse tipo, prendeu 251 suspeitos e apreendeu 9 adolescentes infratores.


Segundo a pasta, os criminosos estudam suas vítimas. “Observam usuários que ostentam poder econômico nas redes sociais e marcam um encontro na casa da ‘isca’, abordando as vítimas geralmente em ruas desertas”, informou por meio de nota.


Policiais dizem que maior parte das vítimas da ‘Quadrilha do Tinder’ está à procura de encontros rápidos e casuais Foto: Reprodução

No mês de novembro, um médico do Hospital das Clínicas foi sequestrado e mantido em cárcere por cerca de 14 horas após marcar um encontro por meio de um aplicativo de relacionamento em Pirituba, na Zona Norte de São Paulo.


A vítima só foi liberada após os criminosos fazerem transações bancárias por meio de empréstimos, compras e transferências no valor total de R$ 75 mil.


Segundo policiais, os golpes envolvendo aplicativos de namoro têm sido mais comuns nas grandes metrópoles.


Como evitar e identificar possíveis criminosos que atuam nos aplicativos?


Especialistas orientam


Um tenente da Polícia Militar que atua na Zona Norte de São Paulo e pediu para não ser identificado afirma que as vítimas são geralmente homens mais velhos e financeiramente bem-sucedidos.


“São pessoas acima de 40 anos, solteiras, que geralmente são comerciantes ou possuem pequenas empresas. São pessoas com alguma posse. A maior parte atrai a vítima pelo Tinder, com mensagens sedutoras e um pedido de encontro o mais rápido possível”,diz ele.


O policial disse que a maneira de agir de cada quadrilha varia de acordo com o perfil de cada vítima. Ele diz que a vítima geralmente não está atrás de um romance, mas apenas de um encontro rápido, sem compromisso.


“Pelo que a gente conversou com as vítimas, o encontro presencial acontece após um ou dois dias após o primeiro contato no aplicativo. O cara acredita que a mulher vai para o ‘vamos ver’ com ele sem muita frescura.”


Uma das estratégias usadas pelos criminosos é a de marcar um encontro com as vítimas em locais privados em áreas isoladas da cidade, geralmente próximas a matas Foto: Divulgação/ Governo de SP

As vítimas, segundo o policial, são escolhidas pelo aplicativo de acordo com as informações que ela passa, como fotos e profissão. Os principais alvos são aqueles que publicam fotos em viagens internacionais e ao lado de carros de luxo.


“Os encontros são geralmente marcados em bairros mais afastados entre o fim da tarde e início da noite. Um dos casos que atendi, um homem tinha tentado marcar o encontro com uma mulher em um shopping, mas ela disse que estava doente e lamentava não poder sair de casa para encontrá-lo. Ele acabou se iludindo com a situação e foi até o local encontrar o par romântico, mas foi sequestrado”,conta.


Crime subnotificado


O policial disse acreditar que existe subnotificação desses crimes por diversos motivos. O primeiro deles é a vergonha que muitas vezes a vítima tem de fazer um boletim de ocorrência para registrar o caso. Algumas vezes isso é causado por ela estar em um relacionamento ou por sentir que foi ingênua em cair num golpe como esse.


“O que acontece são os casos que a gente retira a vítima do cativeiro. Não sei se os números da SSP englobam todos os outros casos que não são resolvidos pela divisão, mas, sim, pelo policiamento local”,afirma o policial.


Ele diz também que vítimas comprometidas preferem não dizer que caíram no “golpe do Tinder” para que o parceiro não descubra. O mais comum é que essas vítimas digam que foram roubadas na rua e, na sequência, sequestradas.


Sinais de alerta


Especialista em segurança digital da Safernet, Guilherme Alves afirma que os aplicativos de namoro são usados por criminosos para cometer principalmente crimes de estelionato fora da plataforma.


“Um ponto importante é entender o que é responsabilidade da plataforma. O que acontece fora dela foge da esfera da empresa, mas é possível solicitar na Justiça dados sobre o perfil golpista, caso haja algum crime, como localização”,afirmou.


Segundo Guilherme Alves, o Marco Civil prevê que as empresas armazenem as informações de acesso à plataforma por ao menos 6 meses.


Ele explica que, em alguns casos, os golpistas não usam fotos e perfis falsos, mas sim pessoas reais para atrair as vítimas. Mandam áudios e mandam fotos reais da pessoa com quem a vítima conversa.


Mas o especialista alerta para alguns sinais comuns entre os golpistas.


“Se for um golpe de catfishing (em que uma identidade falsa é criada na internet), o perfil é sim falso e há situações em que o criminoso tenta levar a pessoa para outra plataforma, como WhatsApp, saindo do aplicativo de paquera. Em alguns casos, o golpista alega que excluiu o perfil da plataforma com a justificativa de que quer algo sério”,disse.


Guilherme Alves identificou diversos comportamentos que são um sinal de alerta para quem está conhecendo uma pessoa na plataforma e pretende marcar um encontro presencial.


“Excluir o perfil da plataforma após o primeiro encontro pode sinalizar que a pessoa queira esconder informações. Outro ponto são pessoas que querem marcar encontros muito rápido e saírem da plataforma para conversar no WhatsApp. Encontros em locais privados também devem ser evitados”,declarou o especialista em segurança cibernética.


Ele recomenda que o ideal é sempre guardar registros das conversas, do perfil e marcar encontros sempre em locais públicos de grande movimentação de pessoas, como um shopping. Ele ressalta ainda que o golpe pode ocorrer mesmo após os primeiros encontros.


“Em outro caso, a vítima teve dois encontros com o criminoso, mas só no terceiro que ele roubou a moça e sumiu”, conta.


Tinder


Tinder é o principal aplicativo de namoro citado por policiais e vítimas de sequestro Foto: Reproduç ão

O Tinder, principal aplicativo de namoro citado por policiais e vítimas de sequestro, foi questionado sobre quais ferramentas e métodos de segurança existem na plataforma para evitar esses golpes. Em nota, o aplicativo informou que usa tecnologia e orienta seus usuários para evitar esses crimes.


“Levamos a sério a segurança de nossos membros, utilizamos tecnologia e lembramos regularmente os membros do app sobre dicas de segurança para ajudar a garantir que todos possam paquerar livremente e com segurança em nosso aplicativo. Ao longo dos últimos anos, lançamos diversos recursos de segurança, incluindo verificação por foto e vídeo chat para ajudar os membros a confirmar que seu match é a mesma pessoa das fotos do perfil antes de se encontrarem na vida real.”


A plataforma disse ainda que fornece todas as informações necessárias para ajudar nas investigações.


“Se um membro do app relatar para nós qualquer comportamento preocupante, não hesitaremos em remover a conta da nossa plataforma enquanto investigamos. Forneceremos todas as informações às autoridades para ajudar na investigação.”


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