Marina Silva diz que ‘Lula mudou’ e dará ‘mais alta prioridade’ a combate ao desmatamento

Marina Silva disse à BBC News Brasil que 'Lula mudou' e que no próximo governo meio ambiente terá 'mais alta prioridade'. -

Cotada para assumir o Ministério do Meio Ambiente no próximo governo, a deputada federal eleita Marina Silva disse em entrevista à BBC News Brasil, durante a COP27, que a tarefa de combater o desmatamento “não será fácil”. Segundo ela, o quadro atual é “incomparavelmente mais grave” que o existente quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência pela primeira vez, em 2003.


“A sociedade sabe que agora a prioridade é combater sem trégua o desmatamento criminoso para que se alcance o desmatamento zero”, disse.


“Não é algo que seja fácil, porque hoje nós temos uma situação incomparavelmente mais grave do que tínhamos em 2003, mas temos uma vantagem. Nós já temos uma experiência que deu certo.”


Marina Silvia foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula de 2003 a 2008, quando implementou um programa de proteção ambiental que reduziu em 67% o desmatamento nos dois mandatos do petista.


Ela deixou o ministério em 2008 após desentendimentos com ministros de outras pastas, que a acusavam de travar projetos de desenvolvimento, como o Programa de Aceleração do Crescimento, na época gerido por Dilma Rousseff. Sem receber apoio de Lula diante de pressões para flexibilizar regras ambientais, pediu demissão.


Agora, com a vitória do ex-presidente nas urnas, Marina Silva volta a ser cotada para comandar o ministério. Perguntada pela BBC News Brasil por que considera que dessa vez seria diferente, Marina Silva disse que “Lula mudou”. Segundo ela, no próximo governo, proteção ambiental será um compromisso de todos os ministérios, não apenas do Ministério do Meio Ambiente.


“O presidente Lula mudou. Naquela época, o combate às atividades ilegais e a política ambiental eram diretrizes só do ministério (do Meio Ambiente). Agora, o próprio presidente assumiu como sendo de todo o governo”, afirmou.


“Foi ele que disse que a política ambiental vai ser transversal. Foi ele que disse que o clima está no mais alto nível de prioridade e que queremos chegar ao desmatamento zero.”


Na Cúpula do Clima das Nações Unidos, sediada em Sharm El-Sheikh, no Egito, Marina Silva tem se reunido com lideranças internacionais, como a vice-presidente da Colômbia, o Ministro do Meio Ambiente do Reino Unido e o enviado especial dos Estados Unidos, John Kerry.


Ela não quis confirmar se já recebeu convite para ser ministra. “Temos que esperar o presidente Lula se manifestar com tranquilidade”. Mas é abordada pelos corredores e procurada por lideranças estrangeiras como se já tivesse sido oficializada.


Durante essas conversas, pediu que países ricos, como Estados Unidos e Reino Unido, enviem recursos ao Fundo Amazônia, que financia atividades de proteção ambiental na floresta. Atualmente, Noruega e Alemanha contribuem com esse fundo, que ficou paralisado durante o governo de Jair Bolsonaro.


“Todas as lideranças com quem conversei sinalizaram que têm interesse em aumentar a cooperação com o Brasil. Nós somos o maior país da América Latina. Temos um papel importante no terreno da geopolítica e o mundo tem consciência disso. Sabe que a gente vive uma crise econômica, social e política e está muito solidário em ajudar o Brasil nesses quatro anos”, disse Marina Silva.


Veja os principais trechos da entrevista:


BBC News Brasil – O Brasil chega à COP27 com uma taxa de desmatamento recorde nos últimos anos e um aumento nas emissões de gases do efeito estufa. A senhora acredita que é possível reverter essa tendência ainda em 2023, no primeiro ano do governo Lula?


Marina Silva – Nós temos uma diferença na abordagem do que vinha sendo feito no governo Bolsonaro, que foi o desmonte das políticas públicas de modo geral, mas particularmente na área ambiental. Tivemos corte de orçamento, intimidação das equipes [de fiscalização], substituição de técnicos por policiais e a expectativa de mudar a lei para favorecer criminosos.


Tudo isso muda agora, com uma expectativa de que a sociedade saiba que a prioridade é combater sem trégua o desmatamento criminoso, para que se alcance o desmatamento zero. O Brasil vai recuperar as políticas que já deram certo e atualizá-las, para que a gente consiga o resultado necessário para reverter esse quadro atual. Não é algo fácil, porque hoje nós temos uma situação incomparavelmente mais grave do que tínhamos em 2003. Mas temos uma vantagem: a experiência do que deu certo. Sabemos o que fazer e como fazer.


REUTERS/Bruno Kelly
Em situações extremas, as pessoas que têm compromisso com aquilo que existe de mais importante para a vida, para os direitos humanos e para a proteção do meio ambiente são capazes de produzir mudanças’

Agora é uma questão de articular essas políticas para conseguir uma resposta efetiva. Com certeza fica difícil você dizer o número percentual [de queda do desmatamento]. Eu mesma, quando fui ministra do Meio Ambiente e fizemos o planejamento, estabeleci metas inferiores àquilo que nós realmente alcançamos. Então eu prefiro seguir pelo caminho sabendo que não há mais tempo a perder e que a resposta precisa ter a urgência que a gravidade do problema exige. O Brasil tem o compromisso do desmatamento zero até 2030 e é esse o objetivo que vamos perseguir.


BBC News Brasil – A senhora falou em resgatar e atualizar políticas na área ambiental. Mas o que foi feito a partir de 2003, no primeiro governo Lula, que pode ser copiado agora e o que precisa ser modificado para alcançar essa meta de desmatamento zero?


Silva – Quando eu e o presidente Lula fizemos nosso reencontro para a composição política e programática — do ponto de vista pessoal, nós nunca rompemos — divulgamos um documento no qual ele se compromete com a sociedade brasileira. Nesse documento, está estabelecido o que será feito para resgatar a agenda ambiental perdida. O Plano de Prevenção de Controle do Desmatamento é algo a ser resgatado, mas agregando novos instrumentos e novas medidas, como, por exemplo, na área de ordenamento territorial e destinação de áreas florestadas.


Precisamos pensar como destino as terras indígenas e as unidades de conservação e uso sustentável. Isso é uma medida que já estava estabelecida lá atrás, mas que agora virou uma prioridade de alto nível. Também precisamos atualizar uma ação mais integrada com os Estados. O plano surge como ação do Governo Federal, mas, para ser realmente integrado, precisa da ação dos outros entes federativos.


Mas o Governo Federal não vai esperar pelos Estados e precisa começar a fazer o trabalho. Ou seja, a concepção do plano que tínhamos continua atual, com o ordenamento territorial e fundiário, o combate às práticas ilegais e o desenvolvimento sustentável. Mas isso agora está combinado com a economia e a infraestrutura. Também precisamos transitar para uma agricultura de baixo carbono. Todos esses fatores são instrumentos novos que farão a diferença. Até porque não basta tirar e proibir o que não pode. É preciso colocar alguma coisa no lugar, para melhorar a vida das pessoas, gerar emprego e renda, possibilitar investimentos.


O que é muito interessante de ver é que todos os parceiros do Brasil estão ávidos para voltar a cooperar. Nas conversas que tive com Alemanha, Reino Unido, Canadá, Noruega, enfim, todos os parceiros têm sinalizado e entendido que o Brasil é o país que pode mudar o paradigma, porque reúne as melhores condições para fazer isso. E as pessoas querem ver o Brasil liderando pelo exemplo.


BBC News Brasil – Quando a senhora foi ministra do Meio Ambiente, colocou em ação o projeto que foi capaz de reduzir o desmatamento em mais de 60% até o fim do governo Lula. Mas a senhora deixou o ministério, segundo o que se falava na época, por pressões de outras pastas, que reclamavam que o ministério do Meio Ambiente retardava projetos de desenvolvimento. O que faz a senhora acreditar que o próximo governo Lula será diferente?


Silva – O mundo mudou. Aqueles que não são negacionistas mudaram também. Se nós pararmos para pensar em termos políticos, você imaginaria uma frente ampla com o PSDB apoiando o Lula? Ninguém imaginaria isso. Em situações extremas, as pessoas que têm compromisso com aquilo que existe de mais importante para a vida, para os direitos humanos e para a proteção do meio ambiente são capazes de produzir mudanças.


Raphael Alves/EPA-EFE/REX/Shutterstock

E o presidente Lula mudou. Naquela época, as diretrizes de controle e participação social, o combate às atividades ilegais, a política ambiental, eram diretrizes só do Ministério do Meio Ambiente. Agora, o próprio presidente assumiu que essas instâncias serão de todo o governo. Lula disse que a política ambiental vai ser transversal. Ele afirmou que o clima está no mais alto nível de prioridade e queremos chegar ao desmatamento zero.


O que queremos fazer é uma reindustrialização já em acordo com os objetivos estabelecidos no Acordo de Paris. Queremos também transitar para a agricultura de baixo carbono.


E Lula disse isso tudo no discurso de vitória. Naquele momento, ele poderia escolher qualquer coisa para falar, mas escolheu exatamente aquilo que é mais importante para o Brasil nesse momento. Ele falou de democracia, de combate à desigualdade, de enfrentamento da mudança climática e de alcançar o desmatamento zero, respeitando as populações tradicionais e criando um novo ciclo de prosperidade.


BBC News Brasil – Além da redução da taxa de desmatamento, outras marcas do governo Lula foram as grandes obras de hidrelétricas e a exploração de petróleo no Pré-Sal. O que a senhora acredita que deva mudar a respeito dessas áreas a partir de 2023?


Silva – Eu acredito que o próprio presidente Lula já sinalizou o que vai mudar e eu não posso falar isso por ele. Mas posso dizer aquilo que ele já declarou. Em Manaus, ele disse que agora nós temos alternativas para produção de energia, como as usinas eólicas, a biomassa e a energia solar.


Elas já têm um custo mais barato do que a própria energia que vem das hidrelétricas. Esses grandes empreendimentos podem ser substituídos pela geração de energia limpa, renovável, segura e com boa distribuição. Elas, inclusive, ganham em eficiência, pois o custo [da energia obtida pelas hidrelétricas] é caro e há uma perda de 25% ao longo do processo de transmissão por longa distância.


Quando você trabalha com parques eólicos, de energia solar ou de biomassa, você tira o potencial máximo daquela localidade. Então essas alternativas vêm em socorro do objetivo de uma Amazônia preservada. E também ajudam a fazer com que o Brasil não apenas lidere o processo de preservação das florestas na América Latina, mas no mundo todo, especialmente na Ásia e na África.


Nós vemos o presidente Lula muito imbuído de um esforço para ajudar a República Democrática do Congo, a Indonésia e outros países com megaflorestas. Essa ação vai ser importante, pela liderança do Brasil.


Queremos cooperação técnico-científica, investimentos para a bioeconomia e para a infraestrutura. O Brasil pode ser o grande produtor de hidrogênio verde. Mas obviamente que não faremos isso com a mesma chantagem do que é feito agora, com a ideia de que só vamos proteger a floresta se nos pagarem.


O Brasil reduziu em 83% o desmatamento com recursos próprios e, por isso, recebeu um bônus da Noruega e da Alemanha. E agora nós queremos ampliar o Fundo Amazônia. Eu conversei ontem com o Reino Unido, com a Alemanha, com o Canadá, com a Noruega, e vários agentes querem cooperar com o Brasil. Essas lideranças já se comprometeram a fazer mais investimentos na Amazônia e sinalizaram interesse em aumentar a cooperação do Brasil. Elas têm a clareza da importância estratégica do nosso país, tanto na criação de um novo modelo de desenvolvimento com a preservação das florestas, quanto no fortalecimento da democracia.


Somos o maior país da América Latina e temos um papel importante no terreno da geopolítica. O mundo tem consciência disso e sabe que nós vivemos uma crise econômica, social e política e está muito solidário em ajudar nesses quatro anos. Nós vemos as respostas do ponto de vista social, econômico, ambiental e político, para estabilizar a nossa democracia.


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