As negociações da conferência das Nações Unidas sobre mudança do clima, previstas para terminar nesta sexta-feira no Egito, serão prorrogadas até sábado, anunciou hoje a presidência do evento. As conversas estão travadas, e o impasse está em um mecanismo de compensação às perdas sofridas pelos países mais vulneráveis aos impactos climáticos.
— Continuo comprometido a levar esta conferência ao final amanhã, de maneira ordenada — disse o chanceler egípcio e presidente da COP27, Sameh Shukri.
“Perdas e Danos”, como é chamado o tópico, é o grande tema da COP27 e um dos mais difíceis de solucionar. Pequenas ilhas e países mais vulneráveis pedem compensação pelos danos causados pelo avanço do nível do mar em seus territórios, chuvas torrenciais e secas, desde 1992, quando se criou a convenção do clima. Não emitem praticamente nada, mas sofrem muito com o problema.
Na quinta-feira à noite, a União Europeia (UE) lançou uma proposta de compromisso. Em plenária, Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia, disse que o bloco concorda em criar um fundo de Perdas e Danos desde que limitado apenas a “pequenos países vulneráveis”, e que outros países em desenvolvimento também têm de contribuir.
— O bloco quer mostrar que são construtivos, mesmo sabendo que a proposta será rejeitada. A intenção é dividir o G77 — diz um observador.
Esta semana, o grupo dos países em desenvolvimento conhecido pela sigla G77 (e que reúne 134 nações) formalizou a proposta que seja criado na COP27 um fundo ou um instrumento para que, em dois anos, o processo comece a funcionar. Pediram um “sinal político”, que um mecanismo de “Perdas e Danos” seja criado na COP do Egito para decolar em 2024. A ideia não foi bem recebida pelos países ricos.
John Kerry, enviado especial da Casa Branca para Clima, disse em bilaterais durante os últimos dias em Sharm el-Sheikh que os EUA bloqueariam qualquer decisão de um fundo para “Perdas e Danos”.
Os países desenvolvidos, mais ricos e que mais emitiram no passado, entendem que um fundo de compensação de danos pelos impactos climáticos – ou qualquer instituição ou novo mecanismo sobre o tema — cria um vínculo legal entre os culpados pelo aumento da temperatura e as vítimas.
Costumavam dizer que era melhor situar os recursos no fundo de adaptação, que já existe. Mas, além de ter pouco dinheiro e a demanda ser global, os países mais vulneráveis alegavam que já não podiam mais se adaptar e que a batalha já estava perdida.
O tema se arrasta desde 2015, a COP21, em Paris. Agora, no Egito, é um dos que ficaram para ser resolvidos.
— A ideia do G77 é que, uma vez criado aqui, os negociadores tenham dois anos para desenvolver as regras gerais, a governança, fontes potenciais de recursos para que, em 2024, o fundo comece a funcionar — explica Bruno Toledo Hisamoto, pesquisador do Instituto Climainfo e que acompanha o tema.
Timmermans havia dito na quinta-feira que a UE se movimentava em muitos temas, e que o bloco “mostrou abertura para um processo que poderia criar um fundo de perdas e danos no futuro”.
— Se essa COP fracassar, nós todos perdemos. E não temos tempo a perder — acrescentou.
O político holandês, contudo, tem condicionado a abertura de tal fundo. Timmermans repete que “o mundo não é o mesmo de 1992”. A mensagem é que o financiamento climático não pode mais se resumir às nações ricas de 30 anos atrás, mas “aumentar a base de doadores”.
Há uma divisão no bloco europeu neste assunto. França e Alemanha são mais abertas a um fundo, Suécia, Itália e Áustria se opõem. Emergentes como a China e o Brasil se alinham com o G77.
— Lembram, contudo, que são países em desenvolvimento, uma espécie de habeas corpus preventivo — diz Toledo Hisamoto. — Querem dizer com isso que não têm obrigação de contribuir com fundos de perdas e danos e têm direitos de acessar o fundo, se necessário.
Os EUA lançaram com o grupo dos países mais ricos, o G7, um “global shield”. Trata-se de um mosaico de soluções que engloba recursos do Banco Mundial e seguradoras, por exemplo. O bloco destinou 130 milhões de euros (R$ 730 milhões) à iniciativa.
É uma quantia insignificante. Somente as inundações que colocaram 1/3 do Paquistão debaixo d’água recentemente provocaram danos de US$ 30 bilhões (R$ 162 bilhões).
|O Globo