Ana Bolena é uma das rainhas mais controversas da história inglesa. Parte do fascínio que ela ainda exerce nas mentes de muitas pessoas reside nas histórias que foram contadas a seu respeito durante sua vida e, principalmente, depois de sua morte.
Já foi dito, por exemplo, que ela tinha seis dedos em uma das mãos, uma verruga grotesca no pescoço, bócio e marcas pelo corpo que podiam ser interpretadas, dentro do imaginário coletivo do século XVI, como sinais de bruxaria. Não à toa, boatos de que lebres (um dos símbolos associados à imagem da feiticeira) corriam descontroladas pelos campos de Norfolk em cada aniversário de sua execução ajudaram a construir o mito da rainha-bruxa.
Embora nada relacionado a isso tenha sido levantado por seus juízes no processo movido contra ela em maio de 1536, sabe-se que o rei Henrique VIII teria afirmado que havia sido conduzido àquele casamento através de sortilégios. Com o passar dos séculos, a figura de Ana Bolena como bruxa foi apropriada pela cultura popular e plasmada em filmes como “Harry Potter e a Pedra Filosofal” (2001) ou no seriado “Sabrina” (2019), da Netflix.
Para além disso, há ainda quem acredite que o fantasma sem cabeça da mãe da rainha Elizabeth I flutue por aí, assombrando os locais por onde ela passara.
É preciso ressaltar, contudo, que muitas dessas lendas envolvendo o nome de Ana Bolena foram criadas depois de sua morte. O embaixador imperial, Eustace Chapuys, por exemplo, nunca reportou ao seu soberano, Carlos V, sobre qualquer deformidade no corpo de Ana Bolena que pudesse apontá-la como uma possível “bruxa”.
Nos seus despachos, ele chamava a segunda esposa do rei Henrique VIII de nomes misóginos como “rameira”, “meretriz” ou a “prostituta do rei”, assim como se referia à princesa Elizabeth como “bastarda”, mas nunca relatou acerca de nenhum sinal físico que pudesse ser lido ou interpretado como algo suspeito. Esses contos, por sua vez, ganharam popularidade durante o reinado da filha de Ana, especialmente por papistas como Nicholas Sanders, para quem Elizabeth I era uma rainha ilegítima.
Mais tarde, tais rumores foram endossados pelo primeiro biógrafo de Ana, George Wyatt (neto do famoso poeta da corte henriquina, Thomas Wyatt), que, no final do século XVI, escreveu um pequeno resumo sobre a vida da rainha, afirmando que seu avô certa vez estivera enamorado por ela e que em uma de suas mãos se podia notar a evidência de um sexto dedo. Porém, a exumação do possível cadáver de Ana Bolena no século XIX não corroborou nenhuma dessas falácias.
Com efeito, o conto do fantasma decapitado de Ana Bolena é mais interessante, uma vez que se tornou um atrativo para visitantes e turistas em vários locais associados a ela.
Dizem que Ana já fora vista vagando por lugares como a Torre de Londres, para onde ela fora enviada em 2 de maio de 1536 e executada 17 dias depois, ou então na residência em que ela possivelmente nascera: Blicking Hall, em Norfolk.
Essas lendas ajudaram a corroborar a ideia da Grã-Bretanha (com suas mansões em estilo elisabetano, jacobita, georgiano, vitoriano e eduardiano bastante conservadas) como um dos lugares mais assombrados do mundo. Histórias parecidas envolvendo o fantasma de Catarina Howard (quinta esposa do rei Henrique VIII e prima de Ana Bolena, que também foi decapitada), por exemplo, já foram contadas mais de uma vez pela equipe que trabalha no Palácio de Hampton Court.
Mas, no caso da mãe da rainha Elizabeth I, o local de seu nascimento (ocorrido provavelmente em junho de 1501, segundo cálculos da biógrafa Alison Weir), possui um enorme valor histórico. O prédio armazena uma das mais vastas coleções de documentos manuscritos da Inglaterra, encadernados em um total de 14.000 volumes!
Blicking Hall era o local onde Sir Thomas Bolena residia com sua esposa, Elizabeth Howard (filha do segundo duque de Norfolk), durante os primeiros anos de seu casamento. Ali possivelmente nasceram os três filhos do casal: Maria, George e Ana.
Embora essa ordem não seja exata, tudo indica que Maria era a filha mais velha, enquanto Ana era a mais nova, tendo vindo ao mundo em 1501. O aspecto físico da mansão atualmente, porém, difere em muito do tempo em que os Bolena lá viviam.
A estrutura passou por reformas intensas a partir do século XVII, o que modificou bastante sua fachada. Mesmo assim, algumas pessoas que já passaram pelo lugar afirmaram que o fantasma de Ana aparecia por lá, especialmente por ocasião do aniversário de sua morte, ou seja, a cada dia 19 de maio. Conforme informação do National Trust:
Ao cair da noite, o fantasma de Ana Bolena vai até a casa, em uma carruagem puxada por um cavaleiro sem cabeça, carregando a própria cabeça no colo. No momento em que a carruagem chega em frente da casa, ela desaparece dentro do ar rarefeito. A tradição também diz que, quando a notícia da morte de Ana chegou a Blickling Hall em 1536, quatro cavalos sem cabeça foram vistos arrastando o corpo de um homem sem cabeça por Norfolk. A cada ano, seu fantasma deve tentar atravessar 12 pontes antes do canto do galo. Sua rota frenética o leva de Blickling a Aylsham, Burgh, Buxton, Coltishall, Meyton, Oxnead e Wroxham.
A tradição folclórica em torno de Blicking Hall também diz que o próprio pai de Ana, Sir Thomas, era uma das figuras que assombravam a propriedade. Ele faleceu em 1539 e atualmente se encontra sepultado dentro da igreja na paróquia do castelo de Hever, em Kent, para onde a família Bolena se mudou por volta de 1507, após a morte do avô de Ana.
mbora o castelo de Hever mantenha sua estrutura razoavelmente bem preservada, oferendo para nós um vislumbre interessante de como era uma residência inglesa medieval, o mesmo não pode ser dito da outra propriedade da família, onde o fantasma da rainha supostamente vaga. Hoje em dia, Blicking possui um estilo arquitetônico mais jacobita.
Não obstante, algumas pessoas que passaram por Blicking Hall juraram de pés juntos que também já viram por lá aparições de ninguém menos que Sir John Falstofe, que teria servido de inspiração para a criação da personagem Falstaff, de William Shakespeare. Outro visitante ilustre da mansão seria o próprio rei Henrique VIII.
De acordo com a lenda, Thomas Bolena fora amaldiçoado, uma vez que nada fizera para impedir que o monarca mandasse decapitar seus dois filhos, Ana e George. Conforme informação do National Trust, alguns visitantes alegaram ter escutado “gemidos de morte”, que emanavam “do quarto da torre oeste no aniversário de seu falecimento”.
lenda se torna ainda mais persuasiva, se levarmos em consideração as falas de Sir George Throckmorton, que afirmou que Sir Thomas havia permitido ao rei manter intimidades não apenas com suas duas filhas, mas também com sua própria esposa, Elizabeth.
Desse boato surgiu a falácia de que Henrique VIII possivelmente se casara em segundas núpcias com uma filha bastarda. Séculos já se passaram desde então, mas o poder da difamação ainda permanece tão assombroso quanto antes. Esse é o verdadeiro fantasma que merece ser espantado, com análise correta das fontes e bom senso.
Fonte: Portal Rainhas trágicas