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Bastidores: como Cássia Kis, que apoia Bolsonaro, virou uma atriz incômoda na tela da Globo

Foto: reprodução

Nem tudo foi arruaça em Aparecida do Norte, no interior paulista, no dia 12 de outubro de 2022, data dedicada à consagração da padroeira do Brasil.


Enquanto apoiadores de Bolsonaro, vestidos de verde e amarelo, promoviam uma balbúrdia que irritou os clérigos locais, um pequeno grupo, protegido por um cercado, rezava ajoelhado sobre um banco de igreja coberto pela bandeira brasileira pedindo um país sem aborto e drogas.


Entre eles estava uma mulher de cabelos curtos e platinados e óculos redondos que, a distância, poderia até ser confundida com o cantor Caetano Veloso. Mas não, era a atriz Cássia Kis. “Eu não tenho a mesma opinião [do músico]. Estou com meus sacramentos em dia”, a atriz declarou em entrevista à jornalista Leda Nagle.


Procurada pela reportagem, a atriz enviou a seguinte declaração “sou católica”. “Deste lugar não poderei ajudar você. Luto para me salvar. Fique com Deus.”


Aos 64 anos, Cássia Kis é uma das atrizes mais prestigiadas de sua geração. Com quase 40 anos de carreira, anunciou, neste ano, sua aposentadoria das telenovelas. Ela atualmente está no ar na novela “Travessia”, da autora Gloria Perez, que vem sendo apelidada por militantes identitários como a “JK Rowling brasileira” por uma posição política ambígua em relação ao bolsonarismo.


Na Globo, ela foi a responsável pelos tiros que mataram Odete Roitman, em “Vale Tudo”, no papel de Leila. Num curto período fora da emissora, fez a Maria Marruá da primeira versão de “Pantanal”, na extinta TV Manchete.


De volta, protagonizou o fenômeno “Barriga de Aluguel”, também de Gloria Perez, ao lado de Cláudia Abreu, em que fazia o papel de Ana, uma mulher estéril que contratava outra moça para gerar seu filho. Fez ainda papéis de destaque em novelas de sucesso como “Por Amor” e minisséries como “Um Só Coração” e “JK”. No cinema, atuou em filmes importantes da retomada, como “Bicho de Sete Cabeças”, de Laís Bodanzky.


No teatro, seu último papel a repercutir, foi, em 2009, a Amanda Wingfield, de “O Zoológico de Vidro”, a conservadora matriarca sulista que queria casar a problemática filha e exercia uma influência perversa sobre o filho que desconfiava ser gay. Era uma mulher inspirada na mãe do autor da peça, o dramaturgo americano Tennessee Williams -um homossexual. Foi como se a arte antecipasse a vida.


Cinco anos depois, Cássia Kis daria início à sua conversão ao catolicismo de matriz conservadora. A atriz também tem sido uma espécie de “espalha roda” nos bastidores das gravações. Os colegas a têm evitado em decorrência de suas posições conservadoras e de sua postura, como uma espécie de “professora de Deus”.


Segundo relatado, Cássia Kis gosta de opinar sobre assuntos que vão da alimentação a decisões estéticas das colegas. E de dar a última palavra. Sempre. Para evitar confusão, os colegas preferem manter distância, até por respeito à sua trajetória profissional.


Ela afirma ser amiga do ator Juliano Cazarré, outro que também disse ser discriminado por sua fé católica, e do ator Chay Suede. No entanto, após as eleições, surgiram relatos de brigas nos bastidores com três colegas em razão de seu posicionamento sobre a homossexualidade -e Lula.


A conversão da atriz, no entanto, não esteve restrita à sua esfera privada. A atriz tem atuado politicamente, junto do filho mais velho, Joaquim, por meio do Centro Dom Bosco, grupo católico de extrema direita, que apoia o presidente Jair Bolsonaro.


De acordo com uma fonte, é possível que a atriz e os membros da associação tenham se aproximado após uma entrevista que ela deu ao programa Encontro, ainda com Fátima Bernardes, na qual afirmou frequentar as missas tridentinas, realizadas em latim -muitos membros do Dom Bosco frequentam essas mesmas cerimônias. Até então não havia nenhum indício de proximidade entre Cássia Kis e o grupo.


O rosário em Aparecida, rezado contra o comunismo, era o segundo do tipo promovido pela atriz junto ao Dom Bosco, que é sediado no Rio de Janeiro e promove cursos, debates políticos, rezas e uma série de ações e pressões políticas. O primeiro rosário a vir a público foi em decorrência do Sete de Setembro, no bicentenário da Independência.


“O Brasil foi uma terra povoada por católicos portugueses. E fundado à sombra de uma santa missa tradicional. Os católicos foram os principais homens e mulheres que construíram esta nação. Como são José de Anchieta, padre Antonio Vieira, cardeal Leme, dom Vital e princesa Isabel. Graças aos nossos antepassados nos tornamos um país católico de dimensões continentais”, disse a atriz num vídeo.


“O Centro Dom Bosco tenta recuperar uma certa tradição de grupos leigos católicos no Brasil que estão engajados politicamente e que tinham e ainda têm por objetivo garantir certos privilégios à Igreja Católica, politicamente falando”, afirma o pesquisador Víctor Gama, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, especialista no tema da direita católica no país.


“Para essas pessoas, o caráter católico é o que define o Brasil. O Estado deve obedecer aos princípios católicos nas suas orientações. Por isso eles resgatam esses personagens [como os citados por Cássia Kis].”


A atuação política do Centro Dom Bosco começou a ganhar corpo em 2018. Naquele ano, segundo Gama, eles fizeram uma espécie de apoio “envergonhado” ao candidato Jair Bolsonaro.


“Eles o apresentavam como mal menor. Mas este ano se perdeu esse horizonte. Estão plenamente alinhados”, afirmou. Tanto que fizeram até um evento com o deputado federal Daniel Silveira, do PTB -em quem o presidente Jair Bolsonaro afirma ter votado.


Chegaram, na ocasião, a lançar dois candidatos, a deputado federal e estadual, que depois se desligaram do grupo. Neste ano, seus candidatos não conseguiram bom desempenho eleitoral. Bolsonaro já participou de uma live junto a membros da associação. Segundo Gama, o objetivo final do Centro Dom Bosco é montar uma bancada católica para fazer frente à bancada evangélica.


“O maior congresso de leigos católicos do Brasil é organizado por eles, a Liga Cristo Rei. Eles querem reconstituir a Liga Eleitoral Católica”, afirma. A liga foi um movimento liderado por dom Sebastião Leme, arcebispo do Rio de Janeiro, que existiu para influenciar os eleitores católicos a votar em candidatos ligados à doutrina católica para a Assembleia Nacional Constituinte de 1933 e as eleições legislativas de 1934.


Em 2019, moveram uma ação contra o grupo humorístico Porta dos Fundos e a Netflix pelo especial natalino “A Primeira Tentação de Cristo”. Acabaram derrotados na Justiça em abril do ano passado.


O grupo também se bate com a ONG Católicas pelo Direito de Decidir, em defesa da descriminalização do aborto, tendo impetrado uma ação que visava impedir que usassem a denominação “católicas” em seu nome, no que também acabaram derrotados na Justiça, em setembro deste ano. Segundo Gama, o grupo afirma viver de doações. O Centro Dom Bosco não respondeu o pedido de entrevista da reportagem.


O tema é especialmente sensível para a atriz. Cássia Kis fugiu de casa aos 15 anos e realizou um aborto aos 27. “Eu matei meu filho”, afirmou na mesma entrevista a Leda Nagle. Em declarações à revista Veja, em 1997, afirmou que “o aborto, em qualquer circunstância, é um crime”.


Agora, disse que, se tivesse ouvido o coração de seu filho, não teria feito o procedimento. Cássia Kis sofreu também um aborto espontâneo e hoje atua em ações que diz serem em defesa da vida, contrárias a qualquer tipo de interrupção da gravidez.


A atriz tem se empenhado ainda em outras pautas afins ao Centro Dom Bosco. Ela se tornou feroz opositora da chamada ideologia de gênero, com direito a todas as narrativas que englobam essa oposição. A de maior repercussão, apesar de sua declaração sobre os “beijódromos” para crianças em escolas, foi a que deu criticando casais homossexuais.


“Eu recebo imagens inacreditáveis de meninas se beijando. O que está por trás disso? Destruir a família. Mas destruir a família só? Não. Destruir a vida humana. Que eu saiba homem com homem não dá filho, mulher com mulher também não dá filho. Como a gente vai fazer?”


Declarações do tipo tampouco são novidade na vida da atriz. Em 1998, segundo conta a atriz Rogéria, Cássia Kis declarou no programa Domingão do Faustão que se perguntaria onde teria errado se tivesse um filho gay.


Diante da repercussão negativa de suas falas recentes, surgiram boatos de que a atriz teria sido demitida da TV Globo, o que não se confirmou. Cássia Kis deve permanecer em “Travessia” até o final da trama, mas suas participações em programas da emissora, segundo noticiado nesta semana, devem rarear.


Folha de São Paulo


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