Quando o sol se pôs, ontem (29), a Copa do Mundo para o Catar passou a ser uma lembrança. Foi o último dia para a população catariana pintar as cores do país no rosto e trazer a família para os estádios. Os anfitriões entraram para a história como o time de pior campanha em um mundial. A terceira derrota consecutiva para a Holanda deixou o evento mais laranjado na chamada “Copa dos Protestos”, a mais politizada dos últimos anos.
De um lado lembranças de uma bola murcha que gerou debates sobre direitos humanos, direitos trabalhistas e a guerra da Rússia. Diferente do que a FIFA pediu, manifestações e protestos ganharam as quatro linhas dos gramados e as arquibancadas. O foco não é apenas o futebol, mas, principalmente, as tradições islâmicas que no Catar se diferenciam do comportamento mais liberal do Ocidente.
Para Tatiana Martins, presidente da Comissão Mulher Advogada, OAB/AC, convidada do quadro Papo de Cafezinho da Rádio Aldeia FM em Rio Branco, “é necessário respeitar a religião, mas, o problema está quando essas regras entram em confronto com os direitos humanos”, comentou. Ela criticou duramente a ausência da liberdade de expressão quando o assunto é a violência contra a mulher e foi além do debate sobre o sistema de tutela masculina vivido no Catar.
“São correntes que essas mulheres usam, arrastam, tudo em nome da religiosidade. O véu da religião é utilizado como subterfúgio para minimizar os ataques. O direito do homossexual, da mulher, é valioso tanto na esquerda como na direita, dentro ou fora da religião. O nome da cultura, o nome da religião não pode ser utilizado como forma de mutilar pessoas, aniquilar direitos, vilipendiar a pessoa enquanto ser existente”, acrescentou Tatiana.
Nem tudo está perdido.
A população do Catar chorou a terceira derrota consecutiva em jogos pela Copa, mas, se orgulha da organização do evento que conseguiu unir, por 90 minutos, países sem nenhuma relação diplomática. Isso aconteceu quando Estados Unidos e Irã entraram em campo nesta terça-feira, 29.
No mundo do futebol – ainda bem que existe – os jogadores são apenas seres humanos que têm pela frente nem amigos e muito menos inimigos, mas, um time de uniforme diferente que compete com igualdade e dignidade. Diferente de outros protestos, envolvendo artistas, autoridades políticas, segmentos sociais, o jogador e o torcedor iraniano não se manifestaram contra o país anfitrião ou a própria FIFA.
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Uma torcedora do Irã é fotografada dentro do estádio antes da partida enquanto protestava — Foto: Dylan Martinez/REUTERS
Quando vaiou o próprio hino no primeiro jogo o torcedor do Irã levou bandeiras e cartazes defendendo “a vida”, “a liberdade” e “as mulheres”. A morte da jovem curdo-iraniana Mahsa Amini foi o estopim para a crise que ganha as ruas de Teerã e outras cidades próximas em busca de liberdade e o fim da violência contra a mulher.
E não é em vão toda essa batalha iraniana.
O movimento My Stealthy Freedom (“minha liberdade vigiada”, na tradução para o português), mostrou como o esporte é uma paixão nacional. Detalhe: recentemente a mulher iraniana conquistou o direito de entrar nos estádios.
Nossa esperança é que a seleção brasileira seja finalista e hexa campeã. Longe do toque de bola da canarinho, as manifestações contra o jogador Neymar e o cantor Gilberto Gil, mostraram que estamos ainda divididos politicamente, muitos ativistas, artistas, autoridades políticas não desceram do palanque.
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Policiais confiscam uma bandeira iraniana de torcedores dentro do estádio antes da partida — Foto: Dylan Martinez/REUTERS
Mas, independentemente do resultado final do dia 18 de dezembro, em Lusail, fora do gramado, a seleção do Irã e sua torcida foram campeões dessa Copa do Mundo na luta por liberdade e direitos humanos.
*Jairo Carioca é jornalista e assessor de imprensa. Coordena a Rede Aldeia de Rádios FM do Sistema Público de Comunicação.