O governo publicou, em edição extraordinária do Diário Oficial na quinta-feira, a Medida Provisória 1.139 que amplia de quatro para seis anos o prazo de pagamento dos empréstimos contratados por meio do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). O texto do projeto, que já está em vigor, também acaba com o teto de juros desta modalidade. Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, isso pode encarecer o financiamento de micro e pequenas empresas.
— Tal alteração não deixa claro quais os novos limites de juros máximos aplicáveis ao programa ou mesmo como serão definidos, o que é bastante preocupante — afirma Abdul Nasser, advogado especialista em direito cooperativo e tributário e sócio do Schuch Advogados
O programa começou no primeiro ano da pandemia, com a permissão de cobrança da taxa Selic (atualmente em 13,75% ao ano) acrescida de 1,25% anuais. Em 2021, o governo elevou o teto, que passou a ser Selic mais juros de 6% ao ano.
Agora, a MP revogou artigo que fixava a taxa do programa. E a Selic subiu muito desde a criação do programa. Passou do piso histórico de 2% ao ano para os 13,75% atuais, com objetivo de conter a inflação. Isso já havia encarecido o Pronampe, que a partir de agora não terá limite de cobrança de juros.
As linhas de crédito do Pronampe são voltadas para microempreendedores (MEI), micro, pequenas e médias empresas. Procurado pelo GLOBO, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) disse que ainda está avaliando a MP e não se pronunciaria sobre as mudanças.
O economista Antonio Everton Chaves Júnior, da Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e dos microempreendedores individuais (Conampe), diz que é preciso cautela ao contratar os financiamentos agora, enquanto não está fixado o teto de juros, o que ele acredita que acontecerá em breve:
— Da forma como está, não é recomendável pegar uma linha de crédito no Pronampe, a não ser que se faça uma comparação com as demais linhas do mercado. É preciso aguardar a complementação, porque essa lacuna de informação (sobre os juros), que é a principal, exige cautela.
Ministério da Economia diz que vai definir juros
Dados do Banco Central apontam que a inadimplência das micro, pequenas e médias empresas era de 2,84% em setembro deste ano, em um movimento crescente. Este é o mesmo patamar de inadimplência de maio de 2021, quando o país estava saindo de uma fase aguda da pandemia. Economistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que o governo precisa de atenção na hora de fixar o teto dos juros para não asfixiar esses pequenos negócios.
Para Carla Beni, economista e professora de MBAs da FGV, o atual patamar do Pronampe, que também inclui microempreendedores além das MPEs, já é muito elevado por conta da taxa básica de juros, que não tem previsão de redução dos dois dígitos até 2023. Projeções do mercado, compiladas no boletim Focus, do Banco Central, mostram que a expectativa é de que a Selic fique em 13,75% neste ano e encerre 2023 em 11,25%.
— Essa é uma operação cara, não é barata. Como tem custo financeiro elevado e prorroga para 72 meses, sabendo que tem porcentual de inadimplência, sem informar sobre juros? O anúncio do governo teria de ter sido a prorrogação para 72 meses, sem alteração da taxa de juros. Como anuncia algo positivo, que vai dar um fôlego para o empresário, sem dar o custo da operação? — questiona.
Piter Carvalho, economista chefe da Valor Investimentos, compartilha dessa visão:
— Considerando Selic mais 6% ao ano, a taxa fica muito alta mesmo para o pequeno empreendedor, que precisa de um apoio, ainda mais levando em conta que já sofreu muito na pandemia e que esse empréstimo vai ter repercussão nos próximos anos.
Questionado sobre a mudança, o Ministério da Economia, informou que nenhum contrato já firmado no Pronampe poderá elevar a taxa de juros. Segundo a pasta, a intenção, para novos contratos, é manter o teto dos juros em Selic mais 6% ao ano.
“Isso estará regulado por meio de portaria da Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade (Sepec), que deve ser publicada em breve”, disse o Ministério, em nota, sem informar previsão de data para a publicação da portaria.
— Houve uma desregulamentação do limite de juros no âmbito da legislação federal, ficando a cargo do Ministério da Economia a estipulação de eventuais limite — avalia o advogado Eduardo Bruzzi, sócio do BBL Advogados.
Bruzzi, da BBL Avogados, lembra que a ampliação para 72 meses no prazo de pagamento vale para novos contratos e também para o que estão em vigor, que serão repactuados para contemplar o prazo extra.
Disputa pelo voto
O advogado Wesley Bento, sócio do escritório Bento Muniz, diz que a ampliação do prazo de pagamento só será efetuada se o banco concordar com a medida:
— Os bancos não estão obrigados a proceder à renegociação, mas a medida provisória passou a autorizá-los a realizá-la. Para novas contratações, a empresa deve autorizar o compartilhamento de dados no e-Cac e buscar a operação de crédito em uma das instituições financeiras cadastradas no programa.
Nos últimos dias antes das eleições, o apoio a micro e pequenas empresas virou um campo de batalha entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). O petista prometeu criar o Simples trabalhista, enquanto que candidato á reeleição acusou, sem provas, Lula de tentar extinguir o Simples, embora não exista nenhuma declaração de Lula ou de sua campanha de propostas ou estudos neste sentido — ao contrário.
Juros altos pressionam pequenos
Na avaliação do economista Denis Medina, professor da FAC-SP, a ampliação do prazo de pagamento é positiva, porque é uma forma de estimular a economia. Ele avalia que o cenário do Pronampe no momento da sua criação, com Selic baixa e acréscimo de 1,25% ao ano, não tem como se repetir.
— Os recursos do Pronampe são subsidiados pelo BNDES, então o estabelecimento do teto de juros é importante para dar segurança o empresário e limitar os ganhos dos bancos. Mas o que houve no início do programa era uma situação extrema de pandemia. Os bancos não queriam emprestar e as empresas estavam sufocadas sem. Foi uma medida emergencial, não é uma realidade para a economia brasileira.