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Comer tarde da noite aumenta o risco de complicações de saúde

Quando vira um hábito, o assalto à geladeira no fim da noite pode causar mais do que indigestão. De obesidade a câncer, passando por depressão e ansiedade, estudos recentes destacam os prejuízos da alimentação noturna à saúde. Alterações hormonais e no metabolismo podem ser observadas, inclusive em curto prazo, segundo pesquisa norte-americana que simulou, em ambiente controlado, o atraso de quatro horas na última refeição do dia.
Os pesquisadores do Brigham and Women’s Hospital, em Boston, resolveram estudar os efeitos simultâneos da alimentação tardia na regulação da ingestão de calorias, na eficiência da queima calórica e nas alterações moleculares no tecido adiposo. Esses três fatores têm relação com a regulação do peso corporal e, portanto, estão associados ao risco de obesidade. O resultado, publicado na revista Cell Metabolism, descobriu que tudo isso é afetado quando se come muito além do horário normal.
“Descobrimos que comer quatro horas depois faz uma diferença significativa em nossos níveis de fome, na maneira como queimamos calorias após as refeições e na forma como armazenamos gordura”, conta Nina Vujovic, pesquisadora do Programa de Cronobiologia Médica da Divisão de Sono e Distúrbios Circadianos de Brigham. “Pesquisas anteriores mostraram que a alimentação tardia está associada ao aumento do risco de obesidade, da gordura corporal e prejuízo à perda de peso. Queríamos entender o porquê.”
educadora física
Segundo Vujovic, no estudo, os pesquisadores se perguntaram: “O tempo em que comemos importa quando todo o resto é mantido?”. A pesquisa, com 16 pacientes na faixa de sobrepeso ou obesidade, mostrou que, mesmo sem alterar em nada a alimentação – o que foi controlado, pois os participantes passaram o período de teste no laboratório –, a refeição tardia teve efeitos profundos na fome e nos hormônios reguladores do apetite – leptina e grelina –, que influenciam o desejo de comer.


RITMO LENTO Especificamente, os níveis do hormônio leptina, que sinaliza saciedade, diminuíram ao longo das 24 horas, em comparação a quando os participantes se alimentaram no horário habitual. Quando comeram mais tarde, os voluntários também queimaram calorias em um ritmo mais lento.
Além disso, exames mostraram que o tecido adiposo recebeu sinalização para aumentar a produção de gordura. “Notavelmente, as descobertas indicam os mecanismos fisiológicos e moleculares que associam a alimentação tardia e aumento do risco de obesidade”, afirma Vujovic.
“À noite, temos liberação de alguns hormônios, como a melatonina e o cortisol, e a alimentação influencia nesse processo. Na digestão, há liberação de enzimas, e tudo isso muda muito dependendo do horário”, explica o médico Hugo Gatto, pós-graduado em nutrologia e medicina do esporte.
“Quando fazemos uma alimentação diurna, permitimos que o corpo tenha um melhor resultado no emagrecimento e na liberação de insulina, por exemplo. Isso não quer dizer que não tem de comer à noite, mas não deixar para perto da hora de dormir e fazer refeições mais leves”, diz Gatto, também especialista em emagrecimento e reposição hormonal.
Você conhece a crononutrição? A nutricionista Marianne Fazzi, da clínica Trivita, em São Paulo, explica que a influência dos horários das refeições na saúde é tão grande que existe uma área de estudos chamada crononutrição. “Nela, pensamos nos efeitos da alimentação no nosso relógio biológico. Através dela, determinamos os melhores momentos para realizar refeições e consumir certos alimentos”, diz.
“Se seguirmos o ritmo do ciclo circadiano, vamos ter uma melhor digestão e absorção dos nutrientes e, como resultado disso, melhor saúde e energia para o corpo. Sabiamente, por meio dos estímulos de luz do dia, o corpo disponibiliza enzimas dos processos digestivos”, diz.
As alterações fisiológicas relacionadas à alimentação tardia também podem influenciar o risco de câncer, de acordo com estudo do Instituto de Saúde Global de Barcelona. Os pesquisadores descobriram que pessoas que se alimentam habitualmente depois das 21h e dormem até duas horas depois têm 25% mais probabilidade de desenvolver a doença, comparadas aos que fazem as refeições antes disso e aguardam mais tempo antes do repouso noturno.


Além disso, os especialistas avaliaram 621 casos de câncer de próstata e 1.205 de mama e, para comparação, também coletaram dados de 1.910 mulheres e 1.493 homens saudáveis. Nenhum dos participantes trabalhava no turno da noite. Os voluntários foram entrevistados sobre horários das refeições, sono e hora em que normalmente dormiam e responderam a um questionário de frequência alimentar.
Aqueles que dormiram duas ou mais horas após o jantar tiveram uma redução de 20% no risco de câncer de mama e de próstata. Já os que se alimentavam depois das 21h e se deitavam até duas horas após a refeição tiveram uma probabilidade 25% mais elevada de desenvolver uma das doenças.
“Estudos sobre nutrição e câncer se concentraram no tipo (por exemplo, frutas e vegetais) e na quantidade de ingestão de alimentos, e não no momento da alimentação”, diz o principal autor do estudo, Manolis Kogevinas. “No nosso estudo, mostramos que a adesão a padrões alimentares diurnos está associada a um menor risco de câncer, o que enfatiza a importância de se avaliarem, também, os horários em estudos sobre dieta e câncer”, defende.


Segundo os nutricionistas, planejamento e rotina são as medidas principais para conseguir manter uma alimentação equilibrada. São os métodos usados pela educadora física Márcia Janete Colognese, de 48 anos, para não perder o controle. Além de uma rotina bem definida, ela faz as principais refeições, caminha ou corre todos os dias e o jantar é sempre leve.
Impactos também no humor A hora das refeições também pode influenciar o humor, segundo estudo do Brigham and Women’s Hospital, em Boston. O mesmo grupo de pesquisadores que investigou os efeitos da alimentação tardia no risco de obesidade publicou um artigo na revista Proceedings of the National Academy of Sciences relatando aumento de sintomas de depressão e ansiedade em pessoas que tiveram os horários das refeições alterados.
No estudo, com 19 participantes, os pesquisadores submeteram parte do grupo a um protocolo chamado dessincronia forçada, com pouca emissão de luz durante o dia, invertendo a rotina dos voluntários em 12 horas. A ideia foi simular o trabalho noturno nessas pessoas, causando alterações no ciclo circadiano.
Os participantes foram divididos aleatoriamente em um dos dois grupos de horários de refeições. O primeiro simulou uma rotina em que as refeições eram feitas pela manhã e à noite, como ocorre, geralmente, com quem trabalha em horários noturnos. Já no segundo, os voluntários se alimentavam apenas durante o dia. A equipe, então, avaliou os níveis de humor a cada hora.
No quarto dia de estudo, os níveis de humor semelhantes à depressão e à ansiedade aumentaram significativamente naqueles que se alimentavam pela manhã e à noite, em relação ao início do estudo. No segundo grupo, porém, isso não foi observado. Segundo o artigo, os participantes que tiveram maior interrupção no ciclo circadiano foram os mais afetados.
“O horário das refeições está começando a ser considerado um aspecto importante da nutrição, que pode influenciar a saúde física”, disse, em nota, a pesquisadora Sarah L. Chellapp. “Mas o papel do momento da ingestão de alimentos na saúde mental ainda precisa ser testado”, destaca.


“Ainda é necessário que sejam feitos estudos específicos que avaliem como determinados horários para realizar refeições podem impactar na saúde mental dos indivíduos”, concorda a psicóloga clínica Bruna Capozzi, do Instituto Meraki.
“No entanto, esse estudo mostra que é possível, sim, prevenir transtornos mentais, como ansiedade e depressão, com ajuste no horário das refeições. A alimentação apenas diurna ajuda o ciclo circadiano a se manter alinhado, o que previne a intolerância à glicose. E esse aspecto (a intolerância à glicose) tem sido associado ao risco maior de alteração no humor”, explica.
três perguntas para…
Marianne Fazzi, nutricionista da clínica Trivita, em São Paulo
 
1 – De que forma o horário das refeições impacta a saúde em geral?


Hoje, já sabemos que não é apenas o controle das calorias que leva ao emagrecimento, mas também o ajuste da alimentação ao ciclo circadiano. A manhã, com o hormônio cortisol elevado, é o horário mais recomendado para fazer refeições mais ricas em carboidrato e praticar exercício físico. O recomendado é comer após uma hora do despertar. Já à noite, por volta das 18h-19h, existe mais produção de melatonina, o corpo está relaxando e se preparando para dormir, por isso não é bom fazer grandes refeições, comer carne vermelha ou alimentos gordurosos e consumir bebidas estimulantes, como o café. Inclusive, esse é o melhor horário para fazer a última refeição do dia. E dormir no máximo entre as 22h30-23h.
2 – Além de obesidade, há outros problemas associados à alimentação tardia?
Uma má alimentação vai interferir na produção do cortisol e, por consequência, diminuir a liberação da melatonina — hormônio responsável por induzir o sono, aumentando o risco de insônia. A insônia pode levar ao aumento do consumo de alimentos no período noturno, prejudicando ainda mais o sono e elevando a possibilidade de ingerir mais calorias que o necessário. A elevação do cortisol, causada, entre outros fatores, por uma alimentação inadequada, está relacionada ao aumento do estresse. Pessoas estressadas consomem mais alimentos calóricos, ricos em açúcar e gordura. O hábito pode levar ao excesso de peso e ao desenvolvimento de doenças, como o colesterol alto.
3 – Pessoas que trabalham no turno da noite estão mais suscetíveis a esses problemas? No caso delas, o que é possível fazer para reduzir riscos?
Ainda que essas regras sejam para a maioria das pessoas, algumas têm uma modificação em um gene chamado clock e são mais noturnas. Mesmo sem necessidade de trabalhar à noite, elas preferem esse turno para estudar ou trabalhar. O ciclo circadiano delas funciona um pouco diferente do padrão. Mas as pessoas que trocam o dia pela noite têm maior risco de distúrbios do sono, além de ter a produção de alguns hormônios prejudicada. É durante o sono que o corpo faz nosso “detox natural”, no qual reorganiza nossas funções. Pessoas que dormem de dia têm mais inchaço, irritação, constipação intestinal e dificuldade em emagrecer.
palavra de especialista
Rogério Marques,  médico em nutrologia da clínica Tivolly
“Além da qualidade da alimentação, o horário das refeições influencia o metabolismo – e, consequentemente, a saúde geral do corpo. Assim, não importa somente o que você come, mas quando você come. Estabelecer horários regulares para fazer as refeições ajuda a manter o peso, a dormir melhor e manter as atividades diárias com bom desempenho por causa do fenômeno do ritmo circadiano (o “relógio biológico” de cada um). Alimentar-se adequadamente em horários regulares faz com que o corpo mude de tarefa e se recupere de maneira mais apropriada. Resumidamente, o horário das refeições influencia nos relógios biológicos do fígado e do sistema digestório como um todo. Por isso, é tão importante ter um horário certo para comer. Uma rotina alimentar irregular não impacta somente no peso. Um dos maiores riscos é o desenvolvimento da síndrome metabólica. Essa condição predispõe o indivíduo a ter maior risco de diabetes do tipo 2, perturbações relacionadas à síndrome do ovário policístico, e maior risco de doenças cardiovasculares, como a aterosclerose e infarto.”
Estado de Minas

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