Varíola do macaco pode se tornar endêmica no Brasil por falta de plano e dimensão territorial

O Brasil tem avançado rapidamente no ranking mundial de casos de varíola do macaco e já chega a quase 7.000 casos de infectados, sendo, ao lado de Estados Unidos e Espanha, os únicos países do mundo a superar as 6.000 pessoas doentes.


Dois meses e meio depois da primeira infecção pelo monkeypox registrada no país, as autoridades federais não apresentaram um plano efetivo para combater a disseminação do vírus monkeypox , e o Ministério da Saúde também não declarou estado de emergência, o que dificulta um atuação independente por parte dos estados e municípios.


A demora para agir, segundo especialistas ouvidas pelo R7, aumenta as chances de que a doença se torne endêmica no país, o que significa a não erradicação do vírus — diferentemente do que ocorreu com a varíola humana há 51 anos — e surtos frequentes, assim como ocorre com a dengue, por exemplo.


Para a epidemiologista e professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) Ethel Maciel, o governo não agiu a tempo de evitar que o monkeypox se tornasse um problema para o Brasil, não só por não fazer o controle sanitário nas fronteiras do país, como também por não propor uma comunicação informativa com a população.


“O Brasil falhou, da mesma forma que falhamos com a Covid. Parece que aprendemos pouco. Há uma dificuldade de diagnóstico, os testes estão se acumulando, as pessoas têm uma demora para receber o resultado”, afirma Ethel. “É uma situação crítica, nós estamos, infelizmente, deixando a doença se espalhar”, argumenta.


A OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou, em 23 de julho, emergência de saúde pública global.


No entanto, apenas no dia 5 de agosto o Ministério da Saúde divulgou o Plano de Contingência Nacional para Monkeypox, um documento de 31 páginas com definições relativas à doença, como sintomas e tratamento, além de tópicos com medidas que a pasta pretende implementar para controlar a situação da varíola do macaco no país.


Entre os tópicos estão: levantar a disponibilidade nos hospitais de referência de leitos de internação com isolamento e leitos de unidade de terapia intensiva — UTI com isolamento para casos graves; e promover capacitações para atualização dos profissionais de saúde para a gestão clínica e laboratorial dos casos.


Para a virologista Camila Malta, pesquisadora do Laboratório de Investigação Médica do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e do Instituto de Medicina Tropical, o documento não pode ser considerado um plano de ação.


“Um plano de contingência não é dizer o que é necessário fazer, mas de que forma eles vão fazer isso, quando vai começar, como vai acontecer os treinamentos. Tem que ser bem direcionado […] não adianta estar em um papel há uma semana e não acontecer. A minha posição é de que nada de concreto foi feito até agora”, afirma.


Em nota enviada ao R7, o Ministério da Saúde afirmou que algumas ações propostas pelo plano já estão em prática, como a ampliação da capacidade de diagnóstico da doença.


Veja a nota na íntegra:


Ministério da Saúde mobiliza o Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública para Monkeypox (COE-Monkeypox), que compõe a definição de todas as ações estratégicas das áreas técnicas do MS, Anvisa, CONASS, CONASEMS, OPAS e Fiocruz para a doença. 
Criação de uma página especial no portal do Ministério da Saúde, atualizada diariamente, inclusive com as dúvidas mais frequentes (Faq) sobre varíola dos macacos, que também são recorrentemente atualizadas

Publicação de nota técnica com orientações para profissionais de saúde, gestantes, puérperas e lactantes;

Ampliação da capacidade diagnóstico da doença, passando de quatro para oito laboratórios de referência com capacidade de cobertura para todas as UF.

Lançamento do Plano de Contingência Nacional para Monkeypox com informações estratégicas para contenção e controle da doença no país e orientações assistenciais para a gestão dos casos;

Realização de webinário com orientações para profissionais de saúde na identificação clínica, no manejo, na instituição de medidas de prevenção adequadas e controle da varíola dos macacos;

Veiculação de materiais com informações específicas para orientar o atendimento de pacientes;

Solicitação de excepcionalidade para uso dos kits da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz);

Tratativas com a empresa para aquisição do antiviral Tecovirimat;

Publicação de uma resolução, pela Anvisa, para dispensa excepcional de importação de medicamentos e vacinas para varíola dos macacos;

Lançamento da Campanha Nacional e do oitavo Boletim Epidemiológico em coletiva de imprensa;
 
O Ministério da Saúde também segue em tratativas junto a entidades internacionais e a OPAS/OMS para aquisição de vacinas. Desde a mobilização do COE, ações de comunicação para orientações voltadas para a população geral e ações especificas para públicos específicos têm sido realizadas. Reuniões com representantes da sociedade civil estão sendo realizadas para orientações de populações-chave. A produção de materiais informativos está sendo realizada e disponibilizada por meio do site do MS, bem como sendo ampliada nas mídias sociais do MS.


As dificuldades para frear o avanço do monkeypox

Mesmo que o Ministério da Saúde desempenhe um papel decisivo neste cenário, um país da dimensão do Brasil pode apresentar uma série de obstáculos para conter o avanço de uma doença infecciosa, segundo a virologista Camila Malta.


O primeiro deles é a falta de imunidade da população contra os patógenos da família orthopoxvirus, da qual pertence o monkeypox.


“Quem nasceu antes de 1977, provavelmente tomou a vacina [contra a varíola], quem nasceu depois, não. No caso da gripe, que a pessoa pega em um ano e talvez esteja protegida no próximo, mesmo sendo uma linhagem um pouco diferente [do vírus], existe uma certa proteção e, ainda, a vacina. No caso da varíola do macaco, não tem nem a vacina nem um vírus parecido que possa ter gerado alguma imunidade parcial, então estamos completamente vulneráveis”, afirma a especialista.


A falta de imunidade natural soma-se, ainda, à dificuldade que o país enfrenta para fazer o diagnóstico da doença. Até o momento, conforme descreve o Plano de Contingência Nacional para Monkeypox, apenas oito laboratórios estão aptos para realizar os testes de detecção do vírus.


O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que até o fim de agosto todos os laboratórios públicos do país terão testes para diagnóstico da doença.


“Estamos diagnosticando de forma lenta, isolando de forma lenta, com certeza, com muita subnotificação [de casos], porque as pessoas não sabem onde procurar o serviço, o que que tem que fazer, quais exatamente os sinais e sintomas. A própria apresentação da doença tem muita diversidade, nem sempre ela se apresenta dessa forma [com lesões numerosas na pele]”, destaca a epidemiologista Ethel Maciel.


Vale ressaltar que, no caso da varíola do macaco, as pessoas infectadas precisam ficar isoladas até o desaparecimento total das lesões na pele, o que pode se prolongar por mais de três semanas. Até que isso aconteça, a transmissão do vírus tende a ocorrer de forma mais eficaz.


Apesar de não haver uma recomendação da OMS para vacinação em massa, a falta de vacinas para evitar a infecção pelo monkeypox também pode se tornar um entrave caso o vírus se espalhe em grandes proporções.


Em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, a transmissão já é considerada comunitária, ou seja, qualquer pessoa está sujeita a pegar a doença, independentemente de viagem ou contato com alguém que viajou para um país com surto registrado.


O Ministério da Saúde comprou 50 mil doses do imunizante do laboratório dinamarquês Bavarian Nordic, que devem chegar ao país em dois lotes, sendo o primeiro em setembro e o segundo em novembro.


Essas vacinas serão destinadas a profissionais de saúde que tenham contato com amostras de lesões de pacientes, além de pessoas que tenham contato próximo com alguém infectado. Cada pessoa recebe duas doses em um intervalo de quatro semanas.


“O Brasil é tido pela OMS como o país com o maior crescimento de número de casos de varíola do macaco no mundo. Então, a importação de 50 mil doses de vacina não dá para nada, [mesmo que ainda não tenha] uma produção massiva dessa vacina no mundo, ela está racionada para todos os países. Assim como fazer testagem não quer dizer contenção, se não tiver uma medida sendo tomada em fronteiras ou em aeroportos”, afirma a virologista.


Além das questões técnicas e biológicas que envolvem a contenção do vírus, há ainda o fator comportamental.


Em um contexto geral, não só os brasileiros, como toda a população mundial, vive um cenário de relaxamento das medidas de proteção contra o coronavírus, então, pode ser difícil a missão de incentivar a volta de alguns hábitos, como o uso constante de máscara, para os que estão infectados ou com suspeita, e distanciamento físico.

“Com a vacinação, as pessoas estão com uma sensação de liberdade muito maior, então a verdade é que ninguém mais quer ouvir falar sobre máscara, em contenção e em distanciamento. Então isso é um risco que eu acho que já de imediato as pessoas estão se colocando por não estarem abertas a novas diretrizes e medidas de segurança”, destaca Camila.

Apesar do cenário, a epidemiologista Ethel Maciel explica que erradicar uma doença não é tarefa simples.


“Até hoje só conseguimos erradicar a varíola humana. Erradicação é a última etapa: primeiro controla, depois elimina […] Certamente a varíola do macaco, em algum momento, se tornará uma doença endêmica, quando teremos um número de casos e de óbitos estabilizado”, afirma.


R7



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