Alerta: Perder peso depressa pode aumentar a gordura nos ossos e isso é muito ruim

Ao bater os olhos na programação, o nome da aula despertou minha curiosidade: “É pior para o osso, o excesso ou a restrição alimentar?”


Por isso, ontem de manhã, dia 5, ao chegar ao 35.º Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia, em São Paulo, fui direto ouvir o que o médico Francisco José Albuquerque de Paula tinha para ensinar.


Professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) e presidente da Abrasso (Associação Brasileira de Avaliação Óssea e Osteometabolismo), no fundo esperava que ele distribuísse lições sobre laticínios cheios de cálcio e opções ricas em vitamina D, nutrientes que de fato podem fazer uma falta danada ao esqueleto.


Mas caí do cavalo — ainda bem que, no sentido metafórico, não corri o risco de quebrar um osso. A história ali era outra, muito diferente: gordura no tecido ósseo.


O tombo foi ainda mais feio porque, ao contrário do que qualquer um poderia deduzir apressadamente, essa gordura é mais presente em quem é muito magro ou que corta alimentos e calorias de tal jeito para perder peso depressa.


“A restrição alimentar, em geral, é negativa para o tecido ósseo”, afirmou o endocrinologista, membro da regional São Paulo da SBEM. Com ela, a medula óssea se torna um gel cada vez mais gorduroso.


De uns anos para cá, ninguém tem dúvida de que isso contribui para a osteoporose, doença que acomete uma em cada três mulheres e um em cada cinco homens acima dos 50 anos em todo o planeta.


Muito falada, mas também negligenciada


Apesar de todo mundo saber de cor o nome do problema, ele parece ser evocado da boca para fora. Ninguém se amedronta com a ameaça da osteoporose em uma sociedade cada vez mais longeva, mas sob a ameaça de viver aos trancos e barrancos por causa de ossos quebrados.


O certo seria as mulheres fazerem o exame de densitometria óssea a partir dos 65 anos e os homens, depois dos 70. Ou até antes, conforme orientação médica, quando há outros fatores de risco, como consumo elevado de álcool, tabagismo, uso de corticoides e, sim, um peso muito baixo.


São milhões de fraturas osteoporóticas todo ano. Os especialistas se apegam ao adjetivo, porque ele indica que não foi um jeito qualquer de quebrar o osso.


“A gente tende a encarar toda fratura como um acidente, mas na maioria das vezes ela é doença”, avisa o professor Albuquerque de Paula. “Pode até ser um acidente quando acontece em jovens entre 10 e 20 anos idade que despencam de uma árvore ou de uma bicicleta em velocidade”, exemplifica.


A fratura osteoporótica, porém, acontece quando o trauma não seria o suficiente para partir um osso saudável — feito um tropeção besta, quando você cai de maduro da própria altura. “Se um osso se quebra assim, isso é o suficiente para a gente deduzir um diagnóstico de osteoporose”, diz o médico.


A doença faz o tecido ósseo, que já é ligeiramente poroso por natureza (como você vê na imagem desta coluna), se tornar esburacado e frágil pra valer.


As fraturas osteoporóticas, no caso, são mesmo graves. E sua recuperação, bem mais difícil, implicando no risco de grandes cirurgias, infecções e complicações debilitantes capazes de atravancar a autonomia.


“A falta de tratamento é assustadora”, observa o professor Albuquerque de Paula. “Até mesmo em países desenvolvidos da Europa, de 70% a 80% das pessoas internadas por causa de uma fratura dessas recebem alta sem qualquer atenção para evitar que tudo se repita.” E, no entanto, o risco de os ossos se esfacelarem novamente é alto, altíssimo.


A gordura na medula óssea, acumulada desde a juventude por quem cismou de emagrecer com dietas extremamente restritivas, pode ter a ver com isso. E o exagero nos treinos para secar a barriga sem qualquer recompensa de energia no prato também.


Gordura no osso?! 


Ao perceber minha estranheza, o professor devolveu: “Já comeu ossobuco? Pois então já comeu medula óssea”. Realmente, é um prato mais gorduroso.


“Antes, na Medicina, essa gordura era considerada algo sem muito significado”, conta. “A ideia seria de que, com o tempo, o organismo não precisaria de tanta hematopoese”, explica, referindo-se à geração de células do sangue que acontece ali mesmo, na medula.


Por causa disso, supunha-se, a gordura apareceria para preencher o espaço da linha de produção sanguínea. Mais recentemente, porém, os cientistas descobriram que sua origem seria a mesma célula-tronco capaz de virar um osteoblasto. E a coisa mudou de figura.


Nosso esqueleto está sempre se renovando. Ele tem células chamadas osteoclastos que, modo de dizer, devoram o tecido que se encontra prestes a ser trocado. Já os osteoblastos entram em ação sintetizando tecido ósseo novo em folha para colocar no lugar. Ou seja, tudo vai às mil maravilhas enquanto uns tiram e outros botam em igual proporção.


“Mas, dependendo da situação, a célula-tronco se diferencia em adipócito em detrimento de formar um osteoblasto, a célula construtora de osso”, diz Albuquerque de Paula. Seria a raiz do desequilíbrio típico da osteoporose.


Repare: a gordura na medula sempre aumenta quando envelhecemos e nas mulheres, particularmente, na menopausa. “Mas não aparece do nada quando temos 40, 50 anos de idade”, lembra o endocrinologista. “Na verdade, nascemos sem ela, que vai surgindo ao longo da vida.”


Estudos em animais apontam que esse surgimento é acelerado quando os bichinhos são submetidos à restrição alimentar.


Quando você perde muito peso


Em seres humanos, isso fica evidente na anorexia nervosa, quando o teor gorduroso da medula chega a triplicar. “Nas pacientes anoréxicas, os ossos tendem a reservar 30% de toda a gordura no corpo, quando o normal seria não passar de 10%”, estima o professor. Isso se reverte se a menina volta a ganhar peso.


Uma das hipóteses para o fenômeno seria a do organismo tentar economizar energia. Isso é visto em crianças desnutridas, que em geral têm problemas de crescimento. Ora, imagine se quem já estava com dificuldade para conseguir nutrientes continuasse espichando e, consequentemente, aumentando a demanda do corpo. Nesse contexto, a gordura nos ossos seria um freio da natureza.


Outra especulação: “A gordura se acumularia na medula como uma reserva final para a pessoa sobreviver em condições de absoluta miséria alimentar”, diz o endocrinologista.


Nos casos de obesidade 


E o oposto? No passado, também se acreditou que, se havia um único aspecto positivo para a saúde na obesidade, seria ela proteger os ossos. Afinal, os tais osteoblastos se sentem motivados a repor tecido ósseo quando você suporta cargas — seja fazendo aula de musculação, seja carregando um corpo com excesso de peso para cima e para baixo.


De 2010 para cá, porém, a ciência viu que o raciocínio não poderia ser tão simples. Pessoas com obesidade até têm mais massa óssea, mas quantidade não é qualidade em matéria de esqueleto. Isto é, o tecido de seus ossos não são um primor e elas também sofrem bastante fraturas, se bem que mais superficiais.


“Em relação à gordura na medula óssea, porém, ela não parece aumentar quando o indivíduo tem obesidade, diabetes , nem famosa resistência ao hormônio insulina”, reforça Albuquerque de Paula.


Na realidade, a gordura nos ossos aumenta quando a pessoa com obesidade perde peso acentuadamente após a bariátrica, por exemplo. “Certa vez, avaliamos pacientes bariátricos que tinham sido operados nove meses antes e os acompanhamos por um ano”, conta o endocrinologista. Só nesse período, eles perderam 10% de massa óssea, em média”, lastima. E, sim, a gordura cresceu na medula.


O médico reconhece que a obesidade leva a diversos outros males, como doenças cardiovasculares. “Para esse indivíduo, os benefícios para a saúde como um todo são inquestionáveis quando emagrece. Apenas, os ossos ficam com o ônus, que deve ser mitigado com dieta rica em cálcio e vitamina D, além de exercício físico.”


Por falar em exercício


Quem acha que suar na academia deixará o corpo inteiro forte, ao lado dieta restritiva como parte de um “projeto verão”, confunde músculos com ossos — e olhe lá.


A gordura na medula óssea também aumenta quando alguém treina e, na contrapartida, não tem um consumo energético suficiente. “Ainda mais quando capricha só nos exercícios aeróbicos, que são os que mais emagrecem, mas sem fazer treinos de força e resistência junto”, adverte Albuquerque. A orientação de profissionais de educação física e nutrição é mais do que nunca necessária.


Isso, de alguma maneira, já é observado de longa data em atletas maratonistas que, em geral, apresentam enorme tendência à osteoporose. Elas são magras — sua gordura está completamente escondida e agora você já sabe onde.


UOL


Compartilhar

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn

Últimas Notícias