Os filtros utilizados nas redes sociais estão impactando negativamente a saúde mental das mulheres, de acordo com um estudo realizado por pesquisadores da City University of London. A pesquisa, que foi realizada com 175 mulheres e pessoas não binárias, aponta que 94% das mulheres presentes nas redes se sentem pressionadas a manter uma aparência específica na internet.
Para a socióloga e orientadora da pesquisa, Rosamund Gill, as respostas das entrevistadas refletem a intensa pressão que mulheres sofrem para alcançarem a perfeição estética: “As garotas nos disseram que esses padrões são ‘altos’ e ‘tóxicos’ e que eles estão as desgastando e fazendo eles se sentirem mal”, relata a docente no trabalho.
Por mais que o padrão de beleza e a pressão social sejam fatores inerentes da história da mulher ocidental, os filtros nas mídias sociais desempenham um extenso papel na perpetuação de problemas de autoestima para o gênero.
Filtros
Seja no Facebook, no Instagram ou no TikTok, os filtros de story são utilizados diariamente pelos bilhões de usuários das plataformas digitais. Essa tecnologia surgiu originalmente em 2015, na então popular rede de trocas de mensagens americana Snapchat. O lançamento dos filtros foi um sucesso imediato, e dois anos depois, o aplicativo chegou a arrecadar 246 milhões de dólares com esse recurso.
O início dessa tecnologia parecia inofensivo: atividades interativas, jogos e animais eram as principais propostas dos filtros na época. “No início do Snapchat, eles tinham o objetivo de criar personagens a partir da imagem da pessoa”, explica a especialista em mídias sociais e fundadora da Like Marketing, Rejane Toigo.
O verdadeiro sucesso dessa técnica de realidade aumentada veio apenas em 2018, com o lançamento da plataforma de stories no Instagram. Por meio do aplicativo AR Spark, criadores, influencers e desenvolvedores podem desenvolver filtros originais de seus próprios computadores.
Por mais que o compartilhamento de imagens e vídeos nas redes seja uma das formas de interação social mais populares dos últimos tempos, a grande busca pela perfeição e a utilização de filtros vêm prejudicando a saúde mental dos usuários.
“O Instagram veio com uma nova proposta para esses filtros. Apesar de ainda existirem filtros que fazem personagens, que fazem brincadeiras ou que criam interatividade, a problemática se dá em cima dos dos filtros que modificam a o rosto da pessoa. modificam estética, acrescentam volume nos lábios, diminuem os olhos e fazem uma distorção da imagem da pessoa”, explica a especialista.
Se antes, as revistas e modelos ditavam o padrão de beleza, agora são as redes que impõe o que se deve seguir. Os filtros das plataformas removem manchas da pele, afinam o nariz, emagrecem o corpo, adicionam a maquiagem e distorcem a realidade. Além de se compararem com modelos e celebridades, as jovens de hoje também se comparam com amigas, familiares e conhecidas pela internet.
“Pele Perfeita”, “Pele do verão”, “Skincare brilhando”, “Rosto de plástico” e “Sem defeitos” são apenas alguns exemplos dos efeitos mais usados no app que prometem retirar as imperfeições do rosto do usuário.
“Não consigo mais gostar de uma foto minha sem filtro”, confessa a estudante de Relações Internacionais, Mariana Ruiz (20). “Eu sempre tive problema de autoestima e acabo me prendendo em uma realidade que não é a minha, eu não tenho bochecha menor, eu não tenho um nariz menor e muito menos um rosto menor. Eu me acostumei tanto a usar em fotos, por mais bobo que fosse, só para postar nos melhores amigos, eu posto com filtro”
Os efeitos também promovem ideais racistas ao priorizarem padrões eurocêntricos e peles mais claras. “Isso é exaustivo”, afirma Júlia* (17), adolescente indígena da etnia pataxó que preferiu permanecer no anonimato. “Eu comecei a me comparar com minhas amigas, que não são pessoas indígenas, por isso, comecei a tentar usar filtros que me deixassem mais clara. Foi muito ruim mesmo, eu mal me reconhecia”.
“Minha mãe reparou e pediu para eu valorizar a minha etnia, me ensinou a importância de me amar acima de tudo. Mas não vou mentir, esses filtros realmente mexeram comigo”.
Para a psiquiatra Camila Magalhães, o uso de filtros é especialmente preocupante durante a adolescência, já que esse período é extremamente transformador para o cérebro. A profissional alerta que jovens são mais vulneráveis na hora de lidar com frustrações, e essa época da vida é importante na construção de uma autoestima saudável.
“Esta insegurança, com relação à aparência, pode se refletir em outras áreas da vida, como nos relacionamentos e até mesmo no âmbito profissional, devido ao sentimento de inferioridade ou falta de autoconfiança que vai se instalando no jovem”, explica.
De acordo com a especialista, a busca por um ideal de imagem com filtros para se sentir mais bonito, gerar curtidas ou conquistar novos seguidores pode contribuir para um problema não apenas de autoaceitação e distorção de imagem, como também levar ao desencadeamento de transtornos mentais e de ansiedade, transtorno dismórfico corporal, transtornos alimentares, depressão e fobia social.
“A esquiva social e tentativas de camuflagem com maquiagem, examinar o ‘defeito’ constantemente no espelho, comparar-se com outras pessoas, pedir reafirmações sobre o defeito, realizar cirurgias plásticas e tratamentos estéticos podem acarretar importantes prejuízos no funcionamento pessoal, familiar, social e profissional”, diz.
Para Camila, procurar ajuda profissional é uma opção para quem não se sente mais confortável com a própria aparência por conta dos filtros. “Os sinais de um desequilíbrio em relação à percepção da própria imagem poderá se manifestar de diversas formas, por isso, é importante buscar apoio profissional quando houver a sensação de que determinados comportamentos podem estar ultrapassando o limite do saudável”, detalha.
Outra alternativa é buscar por filtros que não distorcem a beleza e seguir criadores de conteúdo que promovem corpos reais. “Eu não sigo mais influencers que usam filtros e promovem essa beleza inalcançável”, explica Luísa Pereira (21), estudante de Direito. “Eu quero ver pessoas que refletem a naturalidade do ser humano, sem máscaras, como a Dora Figueiredo, a Lizzo e a Alicia Keys. Mulheres que são o que são”, finaliza a jovem.
Fonte: IG