“Eu cortava seringa, quebrava castanha, brocava, derrubava os pau mais fino, tocava fogo, plantava, colhia… Às vezes eu penso: como foi que eu aguentei?”, conta Dona Maria, uma das protagonistas do documentário “Seringueiras”.
A produção, ainda em fase de desenvolvimento, promoverá uma apresentação prévia do filme, nesta sexta-feira, 8, às 17 horas, no Cine Teatro Recreio, em Rio Branco, em evento para pessoas convidadas.
“Seringueiras” é um documentário que conta a trajetória de vida e de luta de Ivanilde Lopes da Silva, Maria Almeida Barroso e Maria Zenaide de Souza Carvalho. Três mulheres que nasceram e foram criadas em seringais no estado do Acre, e que atualmente vivem na capital Rio Branco. “É uma história de momentos difíceis. Os momentos de conflito foram os piores. Os filhos eram pequenos. Para conquistar um pedaço de terra, tinha que lutar”, relata Dona Ivanilde, no teaser do filme.
Suas histórias, saberes e memórias se entrelaçam e nos levam a refletir sobre a fundamental contribuição das mulheres na defesa dos seus territórios e modos de vida na floresta. O filme busca mostrar ainda como Dona Ivanilde, Dona Maria e Dona Zenaide seguem na resistência hoje, enfrentando novos desafios e dilemas na cidade. “Eu tenho sonho de ver as mulheres da Amazônia Legal todas cheias de poder, cheias de direito dos pés à cabeça”, revela Dona Zenaide, em “Seringueiras”.
O documentário foi idealizado pelo ativista acreano Abrahim Farhat, o Lhé, falecido em maio de 2020. Ao reencontrar sua antiga conhecida de luta, Dona Maria, nas Oficinas de Expressão Livre Artística do Centro de Convivência e Cultura Arte de Ser, Lhé falou ao psicólogo e fotógrafo Fabiano G. de Carvalho sobre a necessidade e urgência de registro sobre a história de luta nos seringais sob a perspectiva das mulheres.
Em 2017, iniciaram-se as primeiras articulações para a produção do documentário. Em 2018, a socióloga e artista Amanda Schoenmaker se juntou ao projeto para produzir os primeiros registros em áudio, vídeo e foto. Em 2019, aconteceu a captação de imagens de um primeiro encontro entre as protagonistas, com a parceria de amigos profissionais do cinema. Em 2020, a jornalista e documentarista Maria Emília Coelho foi convidada para contribuir na produção, roteiro e direção.
Em 2022, o projeto foi contemplado com recursos do Edital 001/2021 do Fundo Municipal de Cultura, área de Arte, da Fundação Municipal de Cultura, Esporte e Lazer Garibaldi Brasil, da Prefeitura de Rio Branco, para avançar nas etapas de captação de imagens, roteiro e edição. Com a divulgação do teaser nesta semana, a equipe pretende alavancar a captação de recursos para sua finalização.
Quem são as “Seringueiras”?
Maria Almeida Barroso nasceu no Seringal Porvir, em Xapuri, no dia 03 de abril de 1947. Desde criança gostava de acompanhar seu pai no trabalho no roçado, no corte da seringa e quebrando castanha. Em 1971, já casada e com filhos, migrou para o Seringal Catuaba, no município de Rio Branco. Pouco depois, seu marido se envolveu com a luta dos seringueiros em defesa de suas terras e da floresta, passando a frequentar os sindicatos. Dona Maria começou a acompanhá-lo, pois ele não sabia nem ler nem escrever, e aos poucos começou a fazer articulações com pessoas e órgãos públicos como o Incra, contribuindo diretamente com a luta por seu território. Anos depois, já morando na cidade de Rio Branco, chegou ao Centro de Convivência e Cultura Arte de Ser, em busca de cuidados para a saúde mental de um de seus netos. Lá, fortaleceu o seu gosto pela pintura, até então praticada em panos de cozinha, passando a registrar as histórias de sua vida em papéis, tecidos e telas de grande valor artístico e histórico.
Ivanilde Lopes da Silva nasceu em 04 de setembro de 1950. Tinha poucos meses de vida quando chegou com sua família no antigo Seringal Catuaba, onde morou por cerca de 40 anos. Sempre viveu à beira do rio. Sua infância foi de pobreza e, por isso, carrega memórias da discriminação que sofria. Casou-se, teve três filhos, e tornou-se professora do Seringal Catuaba. Quando o Seringal foi vendido, começaram os conflitos e as lutas para defender o pedaço de terra das famílias que lá viviam. Em 1975, entrou para as Comunidades Eclesiais de Base, onde batalhava por educação, saúde, terra e pela associação dos trabalhadores. Mais tarde, foi convidada a representar a zona rural no Sindicato de Educação. Em 1990, quando seus pais adoeceram, foi para Rio Branco, onde continuou seu trabalho no Sindicato da Educação, junto a professores da zona rural. Também contribuiu para a criação da Associação do TFD (Tratamento Fora de Domicílio) para cobrar do governo melhorias. Ajudou a fundar a Rede Acreana de Mulheres e Homens, atuou no Conselho Estadual da Mulher, e entrou para o Instituto Ecumênico de Fé e Política. Ivanilde teve papel fundamental na luta pelo território das famílias do Catuaba, e hoje tem orgulho de dizer que é filha de seringueiro.
Maria Zenaide de Souza Carvalho nasceu em 07 de maio de 1957, no Seringal Bela Vista, Comunidade Chapéu de Sol, município de Tarauacá. Ao longo da sua vida, morou em diferentes lugares do Acre: Rio Jordão, Rio Tejo e Foz do Machadinho. Em Marechal Thaumaturgo, participou da criação da RESEX Alto Juruá, a primeira do país. Aos 10 anos, realizou seu primeiro parto e, desde então, segue “partejando”, já tendo acolhido em suas mãos mais de 300 crianças. Além da arte de partejar, soma-se a arte de compor e cantar, que aprendeu nas festas nos seringais. Como professora, alfabetizou crianças e adultos, trocando suas galinhas por material didático, quando faltava para sua comunidade. Atuou como agente comunitária de saúde, auxiliar de enfermagem, parteira no IBAMA, e na Associação Maria Esperança de Parteiras de Marechal Thaumaturgo, criada em 2001, da qual foi presidenta. Seu mandato foi interrompido ao ser vítima de uma violência que tirou uma de suas visões, obrigando-a a migrar para Rio Branco em 2005. Na capital, tem recebido o devido reconhecimento como Mestra da cultura popular, dedicandose aos seus trabalhos artísticos como cantora, compositora e artesã, e recebendo convites de várias partes do país e do mundo.
“Eu acho que nós nascemos para, um dia, nos encontrar as três. Porque a gente tem vidas muito parecidas”, revela Dona Ivanilde, ao final do teaser do documentário, que compartilha as histórias de luta de três mulheres acreanas movidas pela luta em defesa da floresta e de seus povos.
Assessoria