Nunca se falou tanto em teto de gastos. A norma limita o crescimento das despesas públicas. Mais de cinco anos após a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 95 pelo Congresso Nacional, parlamentares deram aval para que o governo Bolsonaro executasse R$ 213 bilhões fora do orçamento.
O montante foi analisado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado Federal. Desde 2019, o presidente Jair Bolsonaro (PL) articulou ao menos cinco emendas constitucionais para gastar além do que a norma do teto prevê
O teto de gastos foi criado no governo de Michel Temer (MDB), quando o país passava por recessão marcada pela crise fiscal. Gastava mais do que arrecadava e acumulava sucessão de déficits primários.
Na época, o argumento usado era o de que a regra orçamentária iria controlar os gastos públicos. Quando aprovada, a emenda estabeleceu que as despesas da União só poderiam crescer o equivalente ao gasto do ano anterior, sendo este corrigido pela inflação.
Na última semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu que o governo desrespeitou o teto, mas argumentou que a medida foi adotada para socorrer os “mais frágeis” por meio do pagamento de auxílios durante a pandemia de coronavírus e a guerra entre Rússia e Ucrânia, por exemplo. Segundo ele, a violação ocorreu com “responsabilidade fiscal”.
A aprovação da PEC dos Auxílios, no mês passado, foi a medida mais recente a abrir caminho para o desembolso de R$ 41,2 bilhões em benefícios sociais em pleno ano eleitoral. Esses recursos têm impacto direto nas contas públicas e estão fora do teto.
A proposta turbinou o Auxílio Brasil, e o programa social foi de R$ 400 para R$ 600. Além disso, a PEC criou um voucher de R$ 1 mil para caminhoneiros autônomos, um auxílio para taxistas, e ampliou o valor do vale-gás. Essas e outras medidas valerão até dezembro deste ano.
Qual a finalidade do teto de gastos?
Criado no último governo, o teto de gastos busca assegurar que as despesas obrigatórias não cresçam em proporção superior à variação da inflação.
“Contudo, as despesas, compostas em sua maioria por salários e benefícios previdenciários, tendem a comprimir os valores disponíveis para a execução dos demais gastos de custeio da máquina pública e de investimentos em infraestrutura”, explica o professor de gestão corporativa e contabilidade Max Bianchi Godoy, do UniCeub.
“Uma vez que as despesas obrigatórias costumam representar mais de 90% dos gastos públicos e têm destinação definida pela Legislação – tais como: previdência, salários de servidores, assistência social e educação –, a utilização do teto pode reduzir o volume das despesas discricionárias [despesas escolhidas pelo governo]”, continua Godoy.
Essas despesas discricionárias são, sobretudo, direcionadas aos investimentos públicos, como obras de infraestrutura. “Elas poderiam trazer mais empregos e uma consequente melhoria para a economia, que ainda vivencia os efeitos da pandemia”, completa.
Governo, Congresso e oposição
Para a economista Carla Beni, da Fundação Getulio Vargas (FGV), o teto de gastos públicos “perdeu credibilidade” ao longo dos anos.
“Há um discurso liberal que não se confirma na prática. É um discurso de fachada em defesa do teto, e o Congresso e a oposição são coniventes com isso”, pontua a especialista.
Carla Beni também critica a defesa pelo fim da métrica fiscal. Recentemente, o ex-presidente e candidato ao Palácio do Planalto pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu que, uma vez eleito, acabaria com a medida.
“Não que você não possa ter outra métrica ou outra âncora fiscal. Agora, a economia vive de expectativa, e o mercado todo quer saber de projeção para médio e longo prazos. Quando há candidatos dizendo que mudarão a regra de teto de gastos e não colocam qual seria a nova métrica, temos um grande problema”, frisa.
De acordo com a economista, não é questão de ser contra ou a favor do teto. “É para além disso. Se você não o quer, qual a outra âncora cambial que vai ser colocada? Não colocar nada abre possibilidade para, novamente, se ampliar os déficits públicos. Não existe ficar em aberto ‘quanto eu irei gastar’”, aponta.
“Se gasto de uma forma descontrolada, ou desvalorizo a minha moeda, ou tenho que aumentar carga tributária, aumentar dívida pública, é sempre um efeito colateral muito grande”, destaca a especialista.
Abaixo, confira as medidas patrocinadas pelo governo e aprovadas pelo Congresso para driblar o teto de gastos:
PEC da cessão onerosa
As alterações feitas na regra do teto de gastos desde 2019 foram viabilizadas por meio de PECs aprovadas e promulgadas pelo Congresso. O Palácio do Planalto articulou todas as propostas a fim de receber o aval dos parlamentares.
A primeira mudança na norma que limita o crescimento das despesas públicas ocorreu ainda no primeiro ano do governo Bolsonaro, em setembro de 2019. Na oportunidade, deputados e senadores aprovaram a PEC que tratava da chamada cessão onerosa – que dá direito de contrato na captação de recursos por meio da exploração de seus recursos minerais e naturais.
O texto, que estabeleceu a divisão dos recursos provenientes de leilões do petróleo com estados e municípios, liberou a execução de mais de R$ 46,1 bilhões fora do orçamento.
O que mudou?
Antes da PEC, a prática da cessão onerosa era considerada um gasto do governo e, por isso, estava prevista no orçamento da União, ou seja, dentro do teto de gastos.
PEC Emergencial
Quando a pandemia de coronavírus completou um ano desde a sua decretação, em março do ano passado, o Parlamento aprovou a PEC Emergencial, cujo principal objetivo era disponibilizar mais uma rodada do Auxílio Emergencial – criado para socorrer trabalhadores informais que foram atingidos pela crise sanitária.
A PEC Emergencial permitiu que o governo gastasse mais de R$ 40 bilhões fora do teto de gastos.
O que mudou?
Na época em que a PEC ainda estava sendo discutida pelos parlamentares, o governo argumentou que o texto criaria mecanismos em caso de descumprimento do teto de gastos, entre eles:
- a suspensão da progressão e promoção funcional de servidores públicos;
- a suspensão da criação de despesas obrigatórias e de benefícios tributários; e
- a vedação de correção dos valores das verbas indenizatórias, como auxílio-moradia e diárias, por exemplo.
Ao defender a medida, o Ministério da Economia alegava que a aplicação desses gatilhos geraria recursos para investimentos federais, promovendo a manutenção da máquina pública.
PEC dos Precatórios
Em dezembro do ano passado, por meio da PEC dos Precatórios, o Congresso Nacional permitiu que fossem feitas duas alterações na regra do teto de gastos (veja em detalhes mais abaixo). A proposta, que gerou impacto de mais de R$ 80 bilhões, foi a principal aposta do governo para viabilizar o Auxílio Brasil, programa social que substituiu o Bolsa Família.
O que mudou?
O texto adiou o pagamento de precatórios (dívidas judiciais do governo com condenações definitivas) e fez com que os recursos pagos pela União fossem limitados ao ano e ocorressem fora do teto.
A segunda mudança refere-se ao prazo de correção do teto. Antes, o cálculo era feito com base na inflação registrada nos últimos 12 meses até junho do ano anterior. A PEC alterou a norma para que o período de correção do teto fosse de janeiro a dezembro.
Fonte: Metrópoles