Câmara reembolsou R$ 21,6 milhões de despesas médicas a deputados desde 2019

Visão geral do prédio da Câmara dos Deputados, em Brasília Veronique DURRUTY/Gamma-Rapho via Getty Images

Câmara dos Deputados reembolsou R$ 21,6 milhões em despesas médicas a deputados federais que optaram por serviços de saúde particulares, entre 2019 e julho de 2022, apesar de terem à disposição departamento próprio para atendimento e plano de saúde. Os dados foram obtidos pela organização sem fins lucrativos Ranking dos Políticos junto à Casa Legislativa.


Os deputados e os respectivos dependentes legais têm direito a atendimento no Departamento Médico da Câmara e acesso ao programa de assistência à saúde da Casa (Pró-Saúde), o mesmo oferecido aos servidores. Para aderirem, os deputados devem pagar mensalidade de R$ 630 e quota-participação de 25% sobre o valor da despesa médica realizada, seguindo a tabela adotada pelo convênio, de acordo com o portal da Câmara.


Mas, se preferirem usar a rede privada, podem solicitar o reembolso de despesas médicas, hospitalares e odontológicas. O reembolso não é concedido a dependentes.


Os pedidos de reembolso são avaliados por integrantes da Mesa Diretora da Câmara e condicionados à disponibilidade orçamentária.


A Câmara classifica como despesas reembolsáveis: atendimento ambulatorial ou hospitalar, incluindo quimioterapia e radioterapia; exames complementares de diagnóstico; assistência domiciliar; assistência prestada por médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais; remoção para outro centro clínico, quando caracterizada a emergência ou a urgência e a inexistência de condições técnicas locais; órteses e próteses; e assistência odontológica.


Não podem ser reembolsadas despesas com acompanhantes, passagens, telefones, serviços extras de caráter pessoal e outras não relacionadas ao atendimento à saúde, como tratamento e cirurgias experimentais; medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); tratamentos estéticos de qualquer natureza; aparelhos de apoio à locomoção, óculos, lentes de contato; e atendimento por profissionais não inscritos nos órgãos fiscalizadores da respectiva profissão.


De acordo com o levantamento, pouco mais de 330 deputados federais foram reembolsados com alguma quantia por despesas médicas pela Câmara desde 2019. Os valores variam desde R$ 120, como no caso do deputado Frei Anastacio Ribeiro (PT-PB), até R$ 2.028.789,78 –montante reembolsado à deputada Tereza Nelma (PSD-AL).


Os mais de R$ 2 milhões à Tereza Nelma foram o maior valor reembolsado pela Câmara a um parlamentar no período. Em segundo lugar aparece Damião Feliciano (União Brasil-PB) com R$ 1.450.907,12. Em terceiro, Célio Moura (PT-TO) com R$ 875.888,66.


Logo em seguida, completando os cinco primeiros, estão Nilson Pinto (PSDB-PA), com R$ 735.412,68, e Haroldo Cathedral (PSD-RR), com R$ 660.070,72.


O que dizem os citados

CNN procurou os gabinetes de todos os cinco deputados que mais receberam reembolsos desde 2019.


Tereza Nelma informou ter sido internada para uma histerectomia –cirurgia para remoção do útero–, em combate ao quinto câncer que enfrenta. “Porém, dois erros médicos seguidos me deixaram internada por cinco meses, sendo submetida a quatro cirurgias. Se não tivesse essa solidariedade, dificilmente eu estaria aqui esclarecendo essa questão.”


Nilson Pinto informou ser cardiopata e relatou à reportagem os problemas de saúde enfrentados nos últimos anos. Ele também enviou os comprovantes das despesas pagas por ele emitidas pelas instituições de saúde utilizadas.


Embora tenha dois planos de saúde, disse, teve despesas com exames, internações e remoção com Unidade de Terapia Intensiva (UTI) aérea por risco de morte iminente que não eram cobertos. Por isso, pagou as despesas médico-hospitalares e depois pediu o ressarcimento à Câmara, informou.


Permaneci, no total, cerca de 70 dias internado em hospital no ano de 2020, um ano excepcionalmente ruim para minha saúde”, disse, em nota.


A assessoria de Haroldo Cathedral afirmou que o deputado passou por vários problemas de saúde graves e repentinos ao longo de 2020. “Nesse período, ele precisou realizar cirurgias urgentes em diversas capitais, inclusive, em uma dessas ocasiões teve que ser transferido em UTI móvel para São Paulo, em estado gravíssimo, com risco de morte. Na ocasião, ele permaneceu internado em UTI e semi-UTI por quase um mês.”


Segundo a assessoria, ele permaneceu com problemas urológicos graves, que ocasionaram outras ocorrências, algumas urgentes e outras programadas, também fora de Roraima, estado do parlamentar.


Em grande parte dessas situações mencionadas, por se tratar de medidas de urgência, o parlamentar precisou custear os atendimentos de saúde com dinheiro próprio, sem tempo para a autorização pelo plano de saúde. Também houve ocasiões em que o plano de saúde não dava cobertura. Ressaltamos ainda que o reembolso da Câmara dos Deputados demora quase um ano para ser liberado e passa por todos os órgãos de controle da Casa”, completou, em nota.


Damião Feliciano e Célio Moura não retornaram até a publicação deste texto.


Especialista diz que não há irregularidade, mas faz ponderações

O diretor-geral do Ranking dos Políticos, Gláucio Dias, reforça que não há irregularidade por parte dos deputados em solicitar os reembolsos. No entanto, acredita que o valor total reembolsado seja “um pouco exorbitante” pelo fato de os deputados já contarem com atendimento médico da Câmara e pela possibilidade de aderirem ao plano de saúde da Casa.


Em sua avaliação, a forma de reembolso –com análise feita por integrantes da Mesa Diretora– também pode ensejar trocas de favores. Ele ainda considera que deveria haver mais transparência no detalhamento dos dados.


O fato de ser legal, de estar consignado no ordenamento jurídico, de não haver nenhuma implicação legal, não quer dizer que o ato seja moral. E, considerando que já tem o plano de saúde, até para os familiares, a gente entende que seria adequado que não existisse esse reembolso”, declarou.


Gláucio Dias lembrou que os deputados têm salário bruto mensal de R$ 33.763, cota parlamentar que varia de R$ 30.788,66 a R$ 45.612,53, a depender do estado de origem, adicional em caso de cargo, direito a apartamento funcional ou auxílio-moradia de R$ 4.253, ajuda de custo no início e no fim do mandato para compensar despesas com mudança, e verba de gabinete de R$ 111.675,59.


O que diz a Câmara dos Deputados

À CNN, a assessoria da Câmara dos Deputados informou que, para solicitar o reembolso, o deputado deve apresentar requerimento, documento fiscal com comprovação do pagamento da despesa e relatório circunstanciado com informações detalhadas sobre os procedimentos realizados, como data, discriminação de exames, equipe de atendimento, em que constem valores individualizados dos procedimentos.


As despesas são submetidas à análise técnica da adequação aos requisitos internos estabelecidos para autorização do reembolso pela Mesa Diretora, se for o caso, acrescentou.


A assessoria da Câmara não informou quanto foi gasto de 2019 até julho de 2022 com o programa de assistência à saúde da Casa (Pró-Saúde).


Fonte: CNN Brasil


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