A vida do carioca Marco Aurélio Oliveira do Nascimento daria um livro daqueles com histórias emocionantes. Formado em medicina veterinária no Rio de Janeiro, ele é ex-militar do Exército Brasileiro, concurseiro, artesão, estudante de agronomia na Universidade Federal do Acre (Ufac) e morador de rua.
Há 8 anos Nascimento vive pelas ruas de Rio Branco, na capital acreana, dormindo pelas rodoviárias, terminais de ônibus, faculdades, hospitais e sobrevive da venda de canetas e chaveiros. Mas, recentemente, ganhou uma bolsa estudantil.
Aos 55 anos, ele conseguiu voltar para a sala de aula e começar o curso de agronomia na Ufac. Entrou em uma vaga residual e reaproveitou algumas matérias do curso de medicina veterinária. O campus universitário virou mais do que um lugar de aprendizado e conhecimento, virou também moradia no início do curso.
Ele passa o dia pela universidade conversando com os alunos, vendendo artesanato, se exercitando ou repassando as aulas e estudando na biblioteca. As refeições são feitas no Restaurante Popular (RU) por R$ 1.
“Uma professora me deu uma bolsa de assistência estudantil do Pibic [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica] para desenvolver um trabalho científico. Entrei na Ufac no início desse semestre. Procuro dormir de dia para ficar acordado à noite para estudar. Eu dormia no Terminal próximo à Ufac, mas agora estou na casa de uma irmã da igreja, é mais seguro“, contou.
Marco Aurélio Nascimento é natural do Rio de Janeiro. Sem dar muitos detalhes sobre a vida pessoal e sobre como acabou indo morar na rua, ele diz que veio para o Acre em 1993, ano em que se formou em veterinária e se alistou no Exército. Na época, o grupo dele foi destacado para servir em Manaus, no Amazonas, e de lá foi para Cruzeiro do Sul, interior do Acre.
Mudanças
Na cidade acreana, Nascimento casou com uma professora e o casal teve três filhos. Ele serviu o Exército por cinco anos, foi dispensado e, na mesma época, acabou se separando da mulher.
Após a separação, o veterinário diz que deixou a família no Acre e voltou para o Rio de Janeiro, onde conseguiu levantar um dinheiro e abrir uma clínica veterinária na capital carioca. Marco Aurélio não recorda com detalhes a data em que saiu do Rio de Janeiro novamente para se aventurar, mas lembra bem o motivo. Segundo ele, a casa onde morava foi invadida e tomada por criminosos na época.
O estudante diz que a residência era do pai que havia morrido e ele cuidava do imóvel. “Meu falecido pai deixou uma casa. Lá é comum as pessoas invadirem, o pessoal do tráfico. A casa estava sempre suja, alguém entrava e foi tomada. Voltei para o Acre para ficar perto dos meus filhos“, recordou.
O veterinário diz que chegou a morar por um tempo com a ex-mulher e os filhos em Cruzeiro do Sul e decidiu se mudar para a capital para estudar. Em 2020, ele fez o concurso do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) para o cargo de veterinário e foi aprovado. Contudo, aguarda ser chamado para assumir a vaga.
“Fui aprovado no concurso do Idaf e estou esperando ser chamado. Meus filhos moram em Cruzeiro do Sul e no próximo período quero ir para lá estudar. Estou fazendo contato com eles“, conta.
Após tanto tempo na rua, Marco Aurélio do Nascimento afirma que, agora, procura uma casa para morar, quer alugar algum imóvel para fixar residência e deixar as ruas. “O problema é achar no valor de R$ 400. É difícil. Nunca tive condições boas de vida, só tive quando estava no Exército. Fui parar nas ruas por falta de opções [de vida], fiquei sem dinheiro, não tinha onde morar e fui para as ruas“, concluiu.
Furto de bicicleta
Quem conhece ou apenas já viu o veterinário pelo campus da Ufac percebeu que ele carregava sempre uma bolsa com vários pertences e andava em uma bicicleta. No início do mês de junho, enquanto dormia no Terminal Rodoviário da universidade, o veterinário teve a bicicleta, a bolsa e todos os documentos pessoais furtados.
O veterinário, então, ficou sem transporte e a situação mobilizou uma rede de solidariedade na internet em busca de ajuda. Ele registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia Civil do Conjunto Tucumã.
“A bicicleta era meu único transporte. Já fui daqui a Cruzeiro do Sul e voltei nela. Foi antes da pandemia, antes de fechar tudo. Levaram minha bicicleta em frente ao ponto de ônibus, do outro lado da rua. Tinha uma mochila com roupas, uma barraca de camping“, lamentou.
Após a rede de solidariedade, o veterinário conseguiu outra uma bicicleta, a barraca de dormir e algumas roupas. Ele recebeu doações de internautas e até policiais onde registrou o boletim de ocorrência.
“Essa bicicleta foi doada por uma irmã da Igreja Adventista. O pessoal pediu o número da conta para doar dinheiro, mas eu gosto de vender as coisas e ganhar dinheiro. Passei uma conta, mas ainda não sei quanto depositaram“, falou.
G1AC