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Funai ignora alertas de técnicos sobre indígenas isolados na Amazônia

Imagem ilustrativa

A Funai (Fundação Nacional do Índio) mantém em risco a segurança do mais recente grupo indígena isolado localizado no Brasil, no sul do Amazonas. A autarquia, há quase um ano, recebe alertas a respeito em relatórios técnicos internos e em recomendação do MPF-AM (Ministério Público Federal no Amazonas).


Os comunicados ao presidente da Funai, Marcelo Xavier, apontam que é necessário, “em caráter emergencial”, decretar restrição de uso do território, implantar duas bases de proteção em pontos estratégicos e uma barreira sanitária em razão da pandemia.


São pedidas ainda novas expedições para monitorar o grupo de indígenas, chamado de Mamoriá-Grande, respeitando a decisão deles pelo não contato. Desde então, porém, a Funai nem sequer informou à sociedade sobre a confirmação da existência de um novo grupo isolado.


Os documentos entregues a Xavier, a que a Folha de S.Paulo teve acesso, estão sob sigilo na Funai. O material explica que a presença dos isolados foi confirmada pelo encontro de vastos vestígios da comunidade e pelo contato auditivo com os indígenas, que fugiram ao perceber a presença da expedição da fundação, em agosto do ano passado.


O mesmo documento aponta que a região é considerada de tensão pela presença de caçadores ilegais, ribeirinhos e extrativistas na região.


Questionada há cerca de duas semanas sobre os alertas, a Funai não retornou até a publicação desta reportagem. O MPF-AM disse que o tema tramita em sigilo, por isso não pode prestar informações.


Segundo um membro da CGiirc (Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato), em Brasília, que pediu para não ser identificado por temer represálias, servidores que atuam na região sofrem ameaças por relatarem os riscos aos indígenas isolados.


O local onde o grupo foi localizado fica numa área devoluta da União (terra sem destinação pelo poder público) entre os rios Purus e Juruá, na fronteira com a Resex (Reserva Extrativista) Médio Purus.


Segundo relatório da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), em 2021 o desmatamento nessa Resex aumentou 39%, o que equivale a mais de 27 mil árvores derrubadas.


Depois da localização do grupo isolado, em agosto do ano passado, uma nova expedição foi feita. O trabalho resultou em novo relatório, em setembro, também mantido em sigilo. Nele, mais uma vez, a direção da fundação é informada sobre a necessidade urgente de medidas de proteção.


A Funai, na ocasião, recebeu detalhes sobre o modo de vida do grupo. No documento, ao qual a Folha de S.Paulo também teve acesso, há fotos de utensílios para caça, pesca, alimentação, abrigos e trânsito dos indígenas pelos rios da região, deixados para trás quando ouviram a expedição.


No dia 4 de março de 2022, a Procuradoria entrou no caso e emitiu recomendação, com prazo de dez dias para resposta, ao presidente da Funai.


Na mensagem, o MPF-AM recomenda que o presidente do órgão publique “de forma imediata” uma portaria de restrição de uso do território e que sejam realizadas tratativas entre Funai e ICMBio (Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade) para instalação de base de proteção.


Vencido o prazo, nem a Funai nem o Ministério Público tomaram medidas.


Em fevereiro, o presidente da Focimp (Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus), o cacique Zé Bagaja Apurinã, denunciou a ausência do Estado e os riscos dos isolados do Mamoriá-Grande, em nota publicada pela Coiab.


E, no final de junho, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) entrou com nova arguição de descumprimento para proteção de grupos isolados, pedindo intervenção da Justiça.


Na argumentação, a associação indica que a Constituição Federal de 1988, a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), de 1989, da qual o Brasil é signatário, e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007, garantem aos grupos isolados o direito ao não contato com não indígenas e impõem como dever do Estado a sua proteção.


Em entrevista à Folha de S.Paulo no dia 22 de abril, publicada em versão mais longa em 18 de junho, após sua morte, Bruno Pereira, indigenista assassinado no Vale do Javari, comentou o caso dos Mamoriá-Grande. Ele o considerou “a mais grave” omissão da Funai em relação a indígenas isolados.


Para Bruno Pereira, o próprio departamento que cuida de isolados na Funai “escondeu” os indígenas, algo que, na sua visão, nunca ocorrera nos últimos 30 anos de política indigenista no país.


E a Funai esconde isso? Desde setembro sabia, [mas] não abriu, não movimentou um processo para proteger esse grupo de indígenas”, completou. “Converse com os velhos sertanistas da Funai, qualquer um deles, e fale em que época da política pública, nesses 34 anos dela, se escondeu índio isolado.”


De acordo com o indigenista e antropólogo Miguel Aparício, do OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato), a suspeita sobre a existência deste grupo de isolados é registrada há décadas por ribeirinhos e outros povos contatados.


Ele afirma que, “em tempos normais”, a confirmação seria comunicada à sociedade como um grande feito da Funai. “Historicamente, a lógica seria fazer uma comemoração”, diz.


Fonte: Folha de São Paulo


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