Antes da votação pelo Parlamento Europeu de uma lei que tenta barrar produtos vindos de áreas desmatadas, uma comitiva de parlamentares quis ouvir de lideranças na Amazônia como o que acontece na Europa afeta a vida na floresta.
Em oito dias de visita, o roteiro dos eurodeputados Anna Cavazzini, Michèle Rivasi e Claude Gruffat incluiu comunidades indígenas às margens do rio Tapajós que sofrem com o aumento das invasões e do garimpo ilegal.
“É muito difícil de ver”, comenta a alemã Cavazzini sobre os impactos gerados pela contaminação por mercúrio.
No Parlamento Europeu, Cavazzini preside a Comissão do Mercado Interno e da Proteção do Consumidor e é vice-presidente da delegação para relações com o Brasil. Rivasi, por sua vez, é responsável pelo tema direitos dos povos indígenas e comunidades locais, e Gruffat é membro da delegação para relações com o Mercosul.
Em setembro, os parlamentares devem votar um projeto de lei que veta a importação de produtos que estejam ligados a novos desmatamentos. “Também quero ter certeza de que a legislação seja implementada da melhor maneira possível para ter impacto no Brasil”, comenta Cavazzini em entrevista à DW Brasil.
Sobre um possível encontro com Jair Bolsonaro para discutir o tema, a eurodeputada opina: “Em nível político, seria um desperdício tentar um diálogo. Na nossa análise, não faz sentido falar com esse governo.”
DW Brasil: Quais foram as principais observações que vocês fizeram como comitiva de parlamentares europeus nessa viagem à Amazônia?
Anna Cavazzini: Foi uma viagem de oito dias pelo Brasil que incluiu uma visita à região de Santarém, no Pará. Lá nós nos encontramos com muitos líderes indígenas que vivem ao longo do rio Tapajós.
Uma primeira observação é que a sociedade civil no Brasil é muito organizada, muito forte e tem vivido um ambiente difícil e até perigoso, de muita pressão. Principalmente agora que Bolsonaro anunciou que pode não aceitar o resultado das eleições, o que está criando pânico.
Nossa segunda observação é que as comunidades indígenas estão realmente sob muita pressão. Eu digo isso bastante na Europa quando o assunto é Brasil ou quando estamos discutindo qualquer legislação que tenha algum impacto no Brasil. Mas quando você vai lá e vê com seus próprios olhos e conversa com as pessoas, é chocante.
Vimos como comunidades são afetadas pela contaminação com mercúrio porque existe muito garimpo ilegal. Nós sobrevoamos a região, avistamos muito garimpo e encontramos as pessoas sofrendo diretamente com esses impactos. A terra é invadida e usam mercúrio, destroem os rios, as pessoas. Tudo isso é muito difícil de ver.
É muito chocante, mas também muito inspirador encontrar essas pessoas que resistem e denunciam. Principalmente as mulheres, que estão em estado permanente de defesa dos seus territórios.
Qual é o principal objetivo dessa viagem dos parlamentares europeus?
O primeiro deles é apoiar as pessoas aqui no Brasil que trabalham contra o desmatamento, em defesa dos direitos humanos e indígenas. Mostrar que eles não estão sozinhos, que todo o Parlamento Europeu apoia essa discussão.
Há poucas semanas, assinamos uma resolução sobre o Brasil em que todo o Parlamento condenou o governo Bolsonaro por aumentar a pressão sobre a Amazônia e sobre os povos indígenas.
Também viemos trazer uma mensagem clara a todos os stakeholders aqui que, como União Europeia, nós realmente nos importamos com o que está acontecendo, que estamos cientes dos problemas que estão afetando os povos na Amazônia.
Também gostaríamos de ter mais informações para seguirmos com nossos processos legislativos na Europa. Estamos negociando muitos projetos de lei no Parlamento nesse momento que têm a ver com o Brasil, como o acordo com o Mercosul, e a sociedade civil e indígena nesse caso realmente importam.
O que o Parlamento Europeu poderia realmente fazer para influenciar o combate ao desmatamento no Brasil e o respeito aos direitos indígenas? Existem, por exemplo, ameaças de boicotes a produtos brasileiros vindos de áreas desmatadas ilegalmente, mas isso poderia de fato ocorrer, na sua visão?
Há bastante coisa acontecendo no nível político, como essa resolução que citei. Acho que isso é importante. Nós também escrevemos muitas cartas, declarações como parlamentares europeus sobre os fatos no Brasil. Não é legislação necessariamente, mas acreditamos que isso também tenha impacto aqui junto à opinião pública.
Estamos trabalhando em diferentes projetos de lei na Europa. Um deles é sobre a cadeia de fornecimento livre de desmatamento, que será votado no Parlamento em setembro. Ainda temos que negociar com os países-membros. Acho que isso terá um grande impacto no Brasil porque não será mais possível importar produtos vindos de áreas desmatadas.
Também quero ter certeza de que a legislação seja implementada da melhor maneira possível para ter impacto no Brasil, por isso estamos trabalhando em outro projeto de lei que é sobre diligência obrigatória, ou seja, todas as empresas europeias terão que checar se suas cadeias não têm qualquer ligação com violações dos direitos humanos.
Claro que há muitas questões a serem resolvidas, como financiamento. Isso ainda não está no topo das preocupações dos parlamentares, mas é isso que estamos fazendo aqui. Já tivemos uma conversa com eles (outros membros do Parlamento Europeu) durante nossa viagem e já compartilhamos algumas observações.
Acredito que a União Europeia já está apoiando bons projetos contra o desmatamento e a favor da rastreabilidade dos produtos. Mas muitas coisas ainda não são possíveis sob o governo Bolsonaro.
Vocês tiveram alguma conversa sobre esse assunto com o governo Bolsonaro durante a visita?
Não. Acreditamos que, em nível político, seria um desperdício tentar um diálogo. Na nossa análise, não faz sentido falar com esse governo.
Não tivemos tempo também nesta viagem. Mas acho que também uma conversa não traria resultado. Mas encontramos políticos brasileiros de oposição da Câmara e do Senado.
Como esses posicionamentos do presidente Bolsonaro, em que ele coloca em dúvida o sistema eleitoral democrático, por exemplo, têm sido recebidos no Parlamento Europeu?
Na nossa visão, Bolsonaro tem que aceitar o resultado das próximas eleições presidenciais. Houve muitos testes, estudos, confirmações de que o sistema eleitoral brasileiro funciona perfeitamente. Isso é reconhecido internacionalmente.
Esperamos que ele não tente jogar sujo ao se posicionar contra o resultado das eleições (em caso de derrota). A comunidade internacional, certamente, vai acompanhar muito de perto.
Fonte: DW