Doutoranda tikuna auxilia indígenas a ingressar no ensino superior

O Vestibular Indígena e a adoção de cotas por programas de pós-graduação propiciaram a vinda de estudantes de mais de 40 etnias à Unicamp.


May Costa, tikuna, é uma das alunas indígenas da Universidade. Doutoranda em Antropologia Social no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), ela veio de Tabatinga, no Amazonas. Na Unicamp, ela se dedica não só aos estudos, como também a auxiliar os indígenas que sonham em ingressar no ensino superior.


May é da nação galinha, da aldeia São Paulo de Olivença, onde recebeu o nome de Metchi’ena. Lá, ela permaneceu por pouco tempo. Com apenas 2 dias de idade, foi adotada por uma mãe branca, que faleceu quando ela tinha 10 anos. Depois disso, foi criada pela avó.


May Costa em frente a UNICAMP. “Para nós, que somos da região, ser aprovado em uma das melhores universidades da América Latina é um privilégio”, diz. Foto: Reprodução.

“Não tive uma presença masculina na minha criação, mas sou grata à família que me recebeu com muito amor”. 


A valorização da educação, ela conta diz, “deve muito à avó, que a cobrava em relação aos estudos”.


“Quando terminei o ensino médio, ela me mandou para Manaus para fazer um curso técnico em Enfermagem. Eu fui, mas descobri que não gostava da área. Então pesquisei sobre os cursos da UFAM [Universidade Federal do Amazonas] e me identifiquei com a Antropologia, pela questão indígena e por ser indígena. Pensei que poderia me aprofundar nisso e até me conhecer melhor”.


audiodescrição: montagem com duas fotografias coloridas da estudante may costa em aldeia junto aos indígenas matis

May Costa durante trabalho de campo junto a indígenas da etnia Matis (fotos: acervo pessoal).

Ao terminar a graduação, May foi aprovada para o mestrado em Antropologia Social, também na UFAM. Sua dissertação analisou o maior ritual de iniciação feminina dos Tikuna, a Festa da Moça Nova, realizada após a primeira menstruação das jovens.


Finalizado o mestrado, May decidiu participar da seleção para o doutorado na Unicamp e foi aprovada. Em sua tese, que deve defender neste ano, voltou-se a outra etnia: os matis do Vale do Javari. Junto a eles, estuda a utilização do veneno do sapo kampok como forma de tratamento medicinal tradicional.


Auxiliando a realizar sonhos


O Amazonas é o estado com a maior população indígena do Brasil. A cidade de May, Tabatinga, é a terceira em número de indígenas e registrou o segundo maior número de inscritos no Vestibular Indígena da Unicamp.


“Participei como fiscal de todos os vestibulares que ocorreram em Tabatinga. No primeiro, houve 837 inscritos, um número expressivo, como o próprio coordenador da Comvest apontou”, observa May.


A doutoranda lembra que, no primeiro ano do Vestibular Indígena, não foram aplicadas provas na cidade. Os municípios amazonenses de São Gabriel da Cachoeira e Manaus recebiam os vestibulandos do estado.


“A prova em Tabatinga ocorreu devido a pedidos dos parentes, que tinham dificuldade de chegar em Manaus, já que a passagem é muito cara”.


audiodescrição: fotografia colorida de cenário na aldeia umariaçu II, em tabatinga, no amazonas. nela, crianças estão caminhando de costas em rua de terra

Tabatinga é uma das cidades onde o Vestibular Indígena da Unicamp é aplicado (foto: Antonio Scarpinetti).

Desde então, ela atua como fiscal nas provas e auxilia indígenas de Tabatinga e das cidades vizinhas, Benjamin Constant e Atalaia do Norte, nas inscrições.


“Como faço trabalho de campo em Atalaia, que envolve o percurso entre Benjamin Constant e Tabatinga, percebi que poderia ajudar o povo indígena nas minhas idas e vindas, porque passo por esses três municípios onde há inscritos”. 


O auxílio conta ainda com o apoio de lideranças indígenas e de escolas, que oferecem um suporte para que os estudantes enviem os documentos necessários. Como a cobertura de internet é precária nas cidades, a parceria é fundamental.


Da região, lembra May, já ingressaram quatro estudantes indígenas por meio do vestibular. O processo de matrícula também é auxiliado pela doutoranda. “Eles têm dúvidas sobre a cidade, sobre onde morar, e eu dou meu próprio exemplo. Falo da comissão que recepciona os alunos no aeroporto, explico sobre o restaurante, a moradia”.


Para ela, o número de aprovados ainda é baixo e reflete a fragilidade do ensino na região. Durante a pandemia, por exemplo, os estudantes foram prejudicados por não terem condições adequadas para o ensino remoto.


“Espero continuar ajudando, e que mais parentes consigam passar no vestibular. Para nós, que somos da região, ser aprovado em uma das melhores universidades da América Latina é um privilégio. Concluir o ensino superior, trazer o diploma e exercer a profissão é um sonho”.


Fonte/ Portal unicamp.br


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