A conduta do anestesista Giovanni Quintella Bezerra, preso em flagrante pelo estupro de uma mulher que estava dopada enquanto passava por uma cesárea, não seguia os protocolos médicos usados no país.
Segundo depoimento de técnicos e enfermeiros à polícia, o médico aplicava sedação excessiva nas vítimas, pedia que os maridos se retirassem da sala antes que a cirurgia fosse finalizada e levantava uma espécie de cortina para dificultar que outros profissionais presentes no local vissem a cabeça da paciente.
Médicos ouvidos pela reportagem dizem que as estratégias usadas por Bezerra para cometer o crime ferem direitos legais das mães e colocava em risco a saúde das pacientes.
O anestesista está sendo investigado sob suspeita de ter estuprado seis mulheres grávidas, sendo três no domingo (10), no Hospital da Mulher Heloneida Studart, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense.
A sedação excessiva durante o parto é uma prática excepcional e pouco recomendada pelos médicos. Segundo anestesistas, o fato de a paciente não ter tido reflexos quando Bezerra colocou o pênis em sua boca, demonstra que a dosagem estava fora do padrão.
“O grau de estímulo externo que ele provocou sem que a paciente tivesse algum reflexo demonstra que a sedação era tão profunda que oferecia risco à saúde da mulher. Ela estava tão suscetível e sem controle do corpo que havia o risco de vomitar e broncoaspirar“, diz o anestesista Daniel Queiroz, que foi presidente do comitê de anestesia obstétrica da SBA (Sociedade Brasileira de Anestesiologia).
Os médicos também afirmam que a conduta do anestesista, de pedir para que os acompanhantes deixassem a sala antes do fim do parto, fere a lei federal de 2005 que prevê o direito das mães de serem acompanhadas durante todo o atendimento.
A lei diz que a mulher tem direito a acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
“Não existe nenhuma exceção a essa regra, o direito vale durante todo o trabalho de parto. Nem mesmo em um parto de risco esse direito deixa de valer“, diz o ginecologista e obstetra Carlos Moraes.
“A presença do acompanhante na sala de parto não só traz segurança para a paciente, mas também para o médico para que haja quem possa testemunhar seu bom e correto atendimento“, diz a obstetra Carla Muniz, da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia de São Paulo).
Outras condutas de Bezerra que levantaram suspeitas pela equipe de enfermeiros era a forma como ele se posicionava durante os partos. Segundo os depoimentos, ele utilizava dois campos cirúrgicos para cobrir a visão das pacientes, o que não é usual.
Ele também ficava de costas para a equipe, em pé, perto da cabeça da mulher. Essa estratégia pode ser observada na filmagem feita pelos enfermeiros.
Os médicos explicam que os campos cirúrgicos são práticas exigidas em qualquer tipo de cirurgia para separar as áreas estéreis do corpo do paciente das demais.
“É usual que haja o campo cirúrgico na altura do abdômen da paciente, em uma altura que permita tanto ao anestesista como ao restante da equipe ter visão sobre os dois lados“, diz Luis Antonio Diego, diretor da SBA.
Para os especialistas, o posicionamento observado em Bezerra é pouco usual em cirurgias, já que a função do anestesista é acompanhar a cirurgia e medir os sinais vitais da paciente.
“O anestesista fica próximo à paciente para acompanhar como ela está reagindo, medir a pressão, frequência cardíaca. Em partos, é normal que o anestesista também converse com a mãe para acalmá-la e identificar como está reagindo. Não é normal que fique colado à paciente e de costas para a cirurgia”, diz Queiroz.
Nesta terça, o Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro) anunciou a suspensão provisória do registro médico de Bezerra. Segundo a entidade, a medida “é um recurso para proteger a população e garantir a boa prática médica”.
O presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), José Hiran Gallo, nomeou nesta quarta-feira um observador para acompanhar junto ao Cremerj as apurações envolvendo o caso do médico acusado de estupro numa sala de cirurgia.
Bezerra ficou em silêncio em depoimento à Delegacia de Atendimento à Mulher. O jornal Folha de S.Paulo apurou que ele estava acompanhado de um advogado na audiência de custódia, na terça, mas sua defesa ainda não se apresentou publicamente.
No processo eletrônico do Tribunal de Justiça do RJ, Pedro Yunes Marones de Gusmão aparece como seu advogado. A reportagem tentou contato em seu escritório, mas não obteve retorno.
Folha de São Paulo