Câmara aprova, em 1º turno, texto-base de ‘PEC Kamikaze’ que permite benefícios em ano eleitoral

Plenário da Câmara dos Deputados

 


O plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (12), em 1º turno, o texto-base da “PEC Kamikaze” que concede uma série de benefícios sociais às vésperas das eleições e somente para este ano.


Entre outros pontos, a PEC, discutida a menos de três meses das eleições, aumenta o valor do Auxílio Brasil, amplia o Vale-Gás e cria um “voucher” para os caminhoneiros. Os benefícios acabam em dezembro deste ano.


O placar do texto-base foi de 393 votos favoráveis e 14 contrários, em primeiro turno.


No início da sessão, a internet e o sistema de votação da Câmara apresentaram inconsistências e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), pediu que os deputados fossem ao plenário (veja mais abaixo). Após a votação do primeiro turno, Lira suspendeu a sessão e disse que a Polícia Federal iria a Câmara para apurar o que aconteceu.


Os deputados ainda devem analisar os destaques – sugestões de alteração no texto. A previsão é que a sessão seja retomada nesta quarta-feira (13).


Finalizada esta etapa, a proposta ainda será votada em segundo turno. Para ser aprovado, o texto precisa do apoio de, no mínimo, 308 parlamentares, nos dois turnos.


Entenda o que é a PEC Kamikaze


No início da sessão, deputados independentes e de oposição apresentaram questões de ordem ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), argumentando que as manobras para adiantar a votação da proposta não foram regimentais.


Para acelerar a análise do texto, Lira apensou a PEC a uma outra proposta, que trata de biocombustíveis, e que já estava em estágio avançado de tramitação. Por isso, a “PEC Kamikaze” nunca chegou a ser analisada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), requisito para qualquer matéria que altere a Constituição.


“Com o apensamento realizado, a PEC 1 de 2022 [PEC Kamikaze] está burlando a previsão regimental de ter analisada a sua admissibilidade pela CCJ, que precisa minimamente se manifestar sobre a fundamentação constitucional do tema que afeta [temas] graves e sensíveis, como gastos públicos na eleição”, argumentou o deputado Thiago Mitraud (NOVO-MG).


Lira negou essa e as outras questões de ordem e argumentou que a apensação de uma proposta a outra é uma “faculdade, não obrigação” e que, por isso, daria “margem discricionária” para o presidente da Casa decidir sobre o tema.


Problemas no sistema de votação


No início da discussão da PEC, o sistema de votações remoto da Câmara apresentou inconsistência e dois servidores de internet da Casa pararam de funcionar. Os deputados — obrigados a registrar presença no plenário, mas autorizados a votar remotamente por meio de um aplicativo — não conseguiram acessar o sistema. Lira pediu então que os parlamentares fossem ao plenário registrar seus votos.


O presidente da Câmara insinuou que as dificuldades com a rede da Casa não eram apenas técnicas e disse que vai pedir uma investigação à Polícia Federal e ao Ministério da Justiça.


“Os dois links, os dois servidores de internet da Casa caíram ou foram cortados automaticamente no mesmo período, de duas empresas diferentes”, afirmou Lira.


“Vou fazer uma queixa formal à Polícia Federal, ao Ministério da Justiça. Isso é interferir no trabalho livre e na autonomia do Poder Legislativo”, disse o presidente da Câmara.


Lira ressaltou ainda que “não é compreensível” que os dois sistemas sejam desligados ao mesmo tempo.


“Não é usual, não é normal, não é compreensível que dois sistemas de internet sejam desligados simultaneamente na Câmara dos Deputados. Para isso, nós vamos investigar”.


Após a votação do primeiro turno, Lira disse que a Polícia Federal iria à Câmara verificar o que aconteceu.


Comissão especial


Mais cedo nesta quinta, a proposta foi aprovada em uma comissão especial da Casa, o que abriu caminho para votação em plenário. Apesar de criticar a manobras regimentais para acelerar a aprovação da PEC, partidos de oposição votaram a favor do texto.


O projeto é patrocinado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. A proposta vem sendo chamada de “PEC Kamikaze” porque custará R$ 41,2 bilhões aos cofres públicos em um momento de crise econômica mundial e de fragilidade das contas do governo.


O colunista do g1 Valdo Cruz informou que o governo aposta na aprovação da PEC para tentar aumentar as intenções de voto em Bolsonaro, que aparece em segundo lugar nas pesquisas eleitorais, atrás do pré-candidato do PT, o ex-presidente Lula.


O que prevê a PEC?


A PEC estabelece estado de emergência em 2022, em razão da “elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes”.


Com isso, abre caminho para uma série de benefícios. Veja abaixo:


•  Auxílio Brasil: ampliação de R$ 400 para R$ 600 mensais e previsão e cadastro de 1,6 milhão de novas famílias no programa (custo estimado: R$ 26 bilhões);


•  Caminhoneiros autônomos: criação de um “voucher” de R$ 1 mil (custo estimado: R$ 5,4 bilhões);


•  Auxílio-Gás: ampliação de R$ 53 para o valor de um botijão a cada dois meses — o preço médio atual do botijão de 13 quilos, segundo a ANP, é de R$ 112,60 (custo estimado: R$ 1,05 bilhão);


•  Transporte gratuito de idosos: compensação aos estados para atender a gratuidade, já prevista em lei, do transporte público de idosos (custo estimado: R$ 2,5 bilhões);


•  Taxistas: benefícios para taxistas devidamente registrados até 31 de maio de 2022 (custo estimado: R$ 2 bilhões);


•  Alimenta Brasil: repasse de R$ 500 milhões ao programa Alimenta Brasil, que prevê a compra de alimentos produzidos por agricultores familiares e distribuição a famílias em insegurança alimentar, entre outras destinações;


•  Etanol: Repasse de até R$ 3,8 bilhões, por meio de créditos tributários, para a manutenção da competitividade do etanol sobre a gasolina.


Tramitação acelerada


Aliado do presidente Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), articulou com aliados medidas para acelerar a tramitação da PEC, entre as quais:


•  anexar a PEC a uma outra proposta de emenda à Constituição, que trata de incentivo a biocombustíveis e que já havia passado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Com isso, o texto pulou uma etapa e já foi para análise em comissão especial;


•  convocar uma sessão extraordinária na manhã desta quinta com o objetivo de ajudar na contagem dos prazos regimentais da PEC;


•  manter o texto aprovado no Senado – para evitar que mudanças tivessem que voltar à análise dos senadores, atrasando a promulgação.


Incentivo aos biocombustíveis


A PEC foi incorporada a outra, conhecida como PEC dos Biocombustíveis, também já aprovada no Senado e que tramitava há mais tempo na Câmara.


Com isso, o relatório do deputado Danilo Forte (União-CE) também incorpora na Constituição um dispositivo que garante uma diferença tributária entre combustíveis fósseis, como a gasolina, e os biocombustíveis, como o etanol.


A incorporação foi uma manobra de Lira para acelerar o pagamento dos benefícios, fazendo com que a PEC dos benefícios não precisasse passar, por exemplo, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara.


O objetivo da PEC dos biocombustíveis é manter uma vantagem fiscal e uma tributação menor aos biocombustíveis por um período de pelo menos 20 anos.


A medida é vista como uma forma de garantir a competitividade do etanol e outros combustíveis “limpos” em relação a combustíveis fósseis. O texto insere na Constituição a determinação de um “regime fiscal favorecido” a esses combustíveis.


As alíquotas que garantirão a diferenciação serão determinadas por meio de uma lei complementar que será votada em outro momento.


Com a alteração na Constituição, fica assegurada a manutenção da diferença, em termos percentuais, entre as alíquotas aplicáveis aos combustíveis fósseis e aos biocombustíveis. Ou seja, uma eventual alteração das alíquotas será acompanhada da mudança tributária aplicada também ao etanol, de modo a garantir a vantagem ao biocombustível.


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