A 3ª Vara Criminal de Rio Branco negou um pedido de absolvição sumária feito pela defesa do mecânico Jefson Castro da Silva, de 39 anos, que é acusado de gravar vídeo enquanto decepava o dedo do morador de rua Renan Almeida de Souza, o Nego Bau.
Ao se manifestar após o recebimento da denúncia feita pelo Ministério Público do Acre (MP-AC), a defesa dele pediu, além da absolvição sumária, a desclassificação do crime de tortura para lesão corporal e a revogação da prisão preventiva. O g1 não conseguiu contato com a defesa do mecânico até última atualização desta reportagem.
Ao analisar o pedido, o juiz Cloves Augusto entendeu que há indícios de autoria e materialidade do crime suficientes para o andamento da ação, por isso, negou a absolvição sumária. Uma audiência de instrução e julgamento está marcada para o próximo dia 28 de junho.
O magistrado também pontuou que o processo tramita de forma regular e sem atrasos e, portanto, não aceitou o pedido de revogação da prisão preventiva, alegando ainda a garantia da ordem pública.
Conforme a denúncia do MP-AC, no final do mês de dezembro do ano passado, por volta das 3 horas, em uma casa na Rodovia AC 40, Km 10, Silva constrangeu a vítima, com o emprego de violência e grave ameaça, causando sofrimento físico e mental, com o fim de obter confissão. Ainda segundo o MP-AC, esse fato resultou em lesão corporal de natureza grave. Quem recebeu a denúncia contra o mecânico foi o juiz Raimundo Nonato Maia.
Silva foi preso pela Polícia Civil do Acre no dia 11 de abril em um estabelecimento comercial na Avenida Antônio da Rocha Viana, em Rio Branco. Segundo o delegado Lucas Pereira, da 4ª regional de Rio Branco, responsável pelas investigações, o homem confessou ter decepado o dedo de Nego Bau, mas disse que não teve intenção de matá-lo. A motivação seria porque o morador de rua, que sofria de transtorno mental, invadiu a casa do mecânico.
O vídeo com a tortura começou a circular na internet no mês de fevereiro e causou revolta. Nego Bau morreu no dia 15 de janeiro deste ano, após passar duas semanas internado no Pronto-socorro da capital acreana. Após a divulgação das imagens, o Ministério Público do Acre chegou a pedir investigação por lesão corporal gravíssima e tortura.
O delegado afirmou que antes mesmo de as imagens vazarem nas redes sociais, a Polícia Civil já tinha conhecimento e já estava com a identificação de Silva. No entanto, por conta da repercussão do caso e comoção social, o suspeito fugiu para Rondônia e voltou um tempo depois para a capital acreana.
O mecânico contou na delegacia, segundo o delegado, que estava dormindo em casa quando, por volta das 3h, o cachorro começou a latir e ele percebeu que tinha uma pessoa dentro do imóvel. “Ele contou que Nego Bau estava em atitude suspeita, e entendeu que ele estava furtando a casa. Mas, o Nego Bau sofria de uma patologia mental e não sabia direito as condutas que praticava por conta dessa patologia.”
Ainda conforme Pereira, o suspeito já tinha passagem pela polícia pelo crime de roubo ocorrido em 2014, já é reincidente. “Agora, aguarda o desfecho da investigação em prisão preventiva. Obedecemos todos os critérios legais, creio que ele permanecerá preso.”
As imagens são muito fortes e, por isso, o g1 não divulgou o vídeo da tortura. O vídeo foi gravado à noite e o lugar está com pouca iluminação. Após alguns segundos, é possível ouvir o som do terçado batendo no chão e Nego Bau reclamando de dor.
O suspeito manda a vítima pegar o pedaço do dedo e Nego Bau fica desorientado com mão direita junto ao peito. Ele, então, junta algo do chão e o homem ordena: “Agora mostra aí”. O suspeito fez questão de mostrar as mãos de Nego Bau sangrando e outra segurando parte do dedo cortado.
Ele ainda pergunta: “O que é isso aí?”. Nego Bau responde em seguida: “Dedo!”. O homem pergunta também de quem é o dedo, e o morador responde que “é de Renan”.
As imagens seguem mostrando as agressões ao morador de rua. O suspeito questiona Bau o porquê o dedo saiu da mão dele e ele diz que fez maldade e promete não fazer mais. “Entrei na sua residência, não vou mais”.
O diálogo segue com Bau pedindo desculpas, que poderia estar em casa. Ao final, o homem manda: “Agora faz o seguinte, vai embora, bicho!”. Nego Bau se levanta do chão com a camisa suja de sangue e sai caminhando pedindo perdão.
Bau deu entrada no PS no dia 30 de dezembro do ano passado com um dedo amputado. Ele então, passou a usar um dreno no pulmão devido à uma perfuração no órgão, também estava com o quadro de tuberculose e tinha fraturas nas costelas. Antes de ser internado, ele foi achado ferido em via pública.
Ele chegou a fugir duas vezes da unidade de saúde, foi intubado e aguardava uma vaga em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas morreu no momento em que era transferido para a unidade de cuidados avançados ao sofrer uma parada cardíaca.
Nego Bau era um dos personagens mais conhecidos da capital acreana. Ele tinha transtornos psiquiátricos e também era viciado em drogas. Ele ficou conhecido porque vivia perambulando pelas ruas da capital. Ultimamente, muitos relatos de moradores diziam que ele tinha surtos de agressividade.