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Cleo: “Os obstáculos que já passei me estimularam a ocupar o lugar que eu quero”

Foto: reprodução

Cleo, 39 anos de idade, se define como uma artista multi. Atriz, cantora, compositora e produtora, ela lançou seu primeiro livro de contos, intitulado Todo mundo que amei já me fez chorar, em parceria com a escritora Tatiana Maciel, em que fala sobre relacionamentos abusivos. Embora dividam a autoria do livro, ela não se considera escritora.


Cleo e a escritora Tatiana Maciel (Foto: Felipe Gomes)

“Decidi conceber o livro após fazer um desabafo em minhas redes sociais e perceber que a quantidade pessoas que vivem relacionamentos tóxicos é maior do que eu pensava. Os vários relatos de seguidores comentando que já passaram por situações semelhantes fez nascer o desejo de escrever sobre isso. Mas eu não conseguia passar para o papel o que estava sentindo. Existia um bloqueio. Então convidei a Tati para criar essa história comigo, porque eu já conhecia o seu trabalho há um tempo e ela tem a capacidade de escrever sensações e sentimentos que parecem que são meus”, contou em entrevista para Quem.


Em um longo bate-papo, Cleo analisa que o tema tem sido mais debatido, mas percebe que nem sempre há abertura. “Existe muito tabu ao se falar sobre relacionamentos tóxicos. Porque falar sobre esse assunto é falar também sobre saúde mental. As pessoas que se encontram em relacionamentos tóxicos são pessoas que estão fragilizadas de alguma forma, vulneráveis. Ainda existe um enorme preconceito quando o assunto é saúde mental.”


Multiartista, Cleo é atriz, cantora, produtora e coautora de livro (Foto: Leo Fagherazzi)

De acordo com a atriz, a figura de “mãe” dos contos não é associada a de Gloria Pires porque as histórias do livro não são autobiográficas. “A individualidade da filha é algo que temos sempre que conquistar. E isso em uma relação entre mãe e filha com vidas públicas ou não. Não tive esse receio de ligarem isso à minha mãe porque é uma situação que sempre fazem, sempre existiu essa comparação entre nós duas e depois de muito tempo e trabalho consegui fazer com que algumas pessoas entendessem que somos indivíduos diferentes, com histórias e objetivos de vida diferentes. O livro é um compilado fictício de histórias nossas e de pessoas próxima a nós.”


Quem: Atriz, cantora, compositora e agora escritora. Como decidiu escrever o livro? E como foi o trabalho em conjunto com a Tatiana Maciel?
Cleo: 
Eu amo exercer diferentes formas de arte. Não diria nem que tenho o título de escritora (risos), porque a minha contribuição foi mais com os lábios, ao contar e criar os contos com a Tatiana, ela quem de fato escreveu o livro. Decidi conceber o livro após fazer um desabafo em minhas redes sociais e perceber que a quantidade pessoas que vivem relacionamentos tóxicos é maior do que eu pensava. Os vários relatos de seguidores comentando que já passaram por situações semelhantes fez nascer o desejo de escrever sobre isso. Mas eu não conseguia passar para o papel o que estava sentindo. Existia um bloqueio. Então convidei a Tati para criar essa história comigo, porque eu já conhecia o seu trabalho há um tempo e ela tem a capacidade de escrever sensações e sentimentos que parecem que são meus. Ela topou e aí a gente  desenvolveu um processo que era muito de trocar áudios, de se falar pelo telefone, pelo FaceTime, mandando textos, questionamentos, vontades de temas específicos dentro do tema maior, que são relações tóxicas.


Cleo e Gloria Pires (Foto: Reprodução Instagram)

Os contos são sobre relações tóxicas que acabam tendo espaço para serem abusivas. Qual a importância de falar sobre o assunto?
Muita gente vive relacionamentos tóxicos. É um tema que permeia a vida de muitas pessoas e que existe em diferentes tipos de relações. Pode ser na amorosa, em família, amizade ou no trabalho. Apesar de ser algo tão comum de ser ver, não é fácil sair de um relacionamento tóxico. Muitas vezes é difícil até identificarmos que estamos em um. Então para mim é de extrema importância falar sobre isso, porque acredito que através de um conto, de uma história narrada ali, pessoas que estejam passando por situações semelhantes possam se ver nele. É um livro de acolhimento, de reflexão que se tornou uma forma de cura para mim. Pode ser para quem está se sentindo sem saída, sufocada, para pessoas que estão em situações mais frágeis. Esse projeto é uma inspiração para recomeços. Eu vejo recomeços nele.


Embora sempre presente socialmente, a discussão começou a ter mais espaço em pautas há cerca de cinco anos. Percebe um movimento mais aberto ao debate?
Percebo, sim, porém existe muito tabu ao se falar sobre relacionamentos tóxicos. Porque falar sobre esse assunto é falar também sobre saúde mental. As pessoas que se encontram em relacionamentos tóxicos são pessoas que estão fragilizadas de alguma forma, vulneráveis. E ainda existe um enorme preconceito quando o assunto é saúde mental. Um dos principais fatores para identificar que está em um relacionamento tóxico é o autoconhecimento, é ter forças e estruturas para se posicionar contra o que te faz mal. Isso só é possível quando temos apoio e estamos abertos para receber esse apoio também. Mas é nítido que a geração atual é mais aberta para esta questão.


Uma das personagens do livro, a Rosa, se questiona por ter feito um post e acabar expondo o parceiro. Essa questão é muito atual entre mulheres, sendo pessoas públicas ou não. Você já viu em questionamentos similares?
Já vi, sim. Aliás, muito do que temos nos contos foram situações que, quando eu postei a respeito de relacionamento tóxico, recebi várias histórias ou posicionamentos sobre essa questão da exposição do parceiro. O ponto aqui – e em outros casos similares – é que a Rosa postou sobre ela, o que estava sentindo naquele momento, sem citar nomes e ainda assim estava preocupada com o que o seu ex e família dele iriam achar com toda aquela exposição. Mas, na verdade, a única pessoa exposta era ela mesma e a Rosa não conseguia enxergar isso. É comum em relacionamentos tóxicos você se diminuir para caber em algo ou se culpar por um erro que nem é seu.


Foto: reprodução

Em outro conto, a personagem diz que gostaria de ser homem para não ter certas preocupações, como andar na rua à noite. Acredita que caminhamos para uma sociedade em que a mulher vai deixar de ter receios como este exemplificado ou ainda estamos a passos lentos de uma sociedade com mais igualdade?
Eu gostaria de dizer que sim, que estamos próximos de uma sociedade menos machista, mas a verdade é que estamos ainda longe de conquistar essa equidade e segurança que buscamos. Acredito que estamos caminhando nessa luta, mas muito ainda precisa ser feito. Nesse caso é ainda mais complexo, pois estamos falando de um privilégio masculino que está enraizado nos homens, que se sentem no direito de assediar mulheres na rua ou fazer pior. Entrar na cabeça desse homem é o grande desafio e pode ser algo impossível. Então entramos no quesito políticas públicas para solucionar isso, mas essa resolução só pode ser feita de forma assertiva se esse perigo de fato for reconhecido. Mas quem estão nos poderes são homens e esses homens nunca vão saber o que é sentir esse medo, e por não saberem o que é sentir isso, eles dificilmente olham essa problemática.


São curiosas as histórias em que as personagens falam da relação com os brinquedos — uma pintava veias vermelhas no rosto da boneca, outra colocava o boneco Ken no saco de doação. Alguma dessas situações com os brinquedos é inspirada em fatos vivenciados por você? Quais eram suas brincadeiras favoritas?
Eu era uma criança muito ativa, então as brincadeiras eram mais de correr, se esconder, pular…


Foto: reprodução

Ainda criança, você questionava limites de “por que pode, por que não pode?”
Sempre fui de perguntar! As crianças são muito sinceronas e isso faz parte da magia da infância. Não existe esse filtro de preocupação. Então, acredito que é natural questionar. É através disso e das respostas que fornecemos às crianças que desenvolvemos o senso do que é certo e errado. Minha família sempre me deixou muito livre para descobrir o mundo, sempre me incentivaram a isso. Acabou formando a base que eu tenho hoje.


As mães das personagens são presentes em diferentes contos, inclusive nas comparações mãe filha. Por que quis abordar isso? Existiu algum receio em imaginarem sua mãe, que também é uma figura pública, como a mãe retratada nas histórias?
Eu quis abordar isso, pois é uma realidade que muitas pessoas vivem — essa comparação com a mãe ou como a mãe faria em determinadas situações. A individualidade da filha é algo que temos sempre que conquistar. E isso em uma relação entre mãe e filha com vidas públicas ou não. Não tive esse receio de ligarem isso à minha mãe porque é uma situação que sempre fazem, sempre existiu essa comparação entre nós duas e depois de muito tempo e trabalho consegui fazer com que algumas pessoas entendessem que somos indivíduos diferentes, com histórias e objetivos de vida diferentes. O livro é um compilado fictício de histórias nossas e de pessoas próxima a nós.


Foto: reprodução

Outro tema interessante é o de mulheres intimidadas em ambiente profissional. Você já se sentiu “sem voz” diante de homens em posições de liderança? Isso te estimulou a trabalhar também como produtora?
Com certeza, sim. Nós mulheres já somos inseridas em uma sociedade que quer nos diminuir, nos controlar e nos colocar em caixas assim que nascemos. No meio artístico não seria diferente. Quebrar esse ciclo, dar um basta é um momento que, às vezes, custa a chegar. Mas quando ele chega, nós nunca mais queremos voltar a esse diminutivo que designam para nós. Todos os obstáculos que já passei na vida me estimularam a mostrar que eu posso, consigo e vou ocupar o lugar que eu quero, seja como atriz, cantora, produtora de cinema e o que mais eu sentir vontade de realizar.


“O amor é água fervente e a gente é rã” é uma das frases mais emblemáticas do livro. Como pensaram nesta metáfora?
Não fui eu que criei a metáfora, mas ela foi baseada em assuntos que eu e a Tati conversamos e fez sentido pra gente.


Fonte: Quem


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