Numa ilha na Lagoa dos Patos, bem ao sul do estado do Rio Grande do Sul, uma senhora guardava um tesouro na geladeira. Há anos uma gaveta abrigava o presente que havia ganhado de casamento: sementes de feijão e de espécies de abóbora. “Ela disse que ia me dar as sementes que ganhou da sogra”, conta Rosa Lía Barbieri. “Eram sementes de uma abóbora que eles chamam de abóbora gila (Cucurbita ficifolia), que se usa muito para fazer doce”, diz a pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que, na época, era responsável pelo banco de germoplasma de cucurbitáceas.
Hoje, as sementes de abóbora doadas pela agricultora e por muitos outros agricultores de todo o Brasil estão preservadas em geladeiras ainda mais especializadas: os bancos de germoplasma da Embrapa. A parceria entre pesquisadores e agricultores é preciosa para alimentar a coleção de 164 bancos espalhados pelas cinco regiões do país, guardando recurso genético ou material reprodutivo de plantas relevantes para a alimentação e a agricultura. A coleção de sementes da Embrapa conta hoje com cerca de 120 mil amostras de quase 700 espécies agrícolas, coletadas ao longo dos 49 anos de existência da estatal. Todas elas conservadas a 20 graus centígrados abaixo de zero. “Em resumo, gente tem três formas de conservar. Conservamos as sementes a baixas temperaturas, em culturas de tecidos [tubos de ensaio com crescimento lento], ou as plantas no campo”, conta Rosa Lía sobre a diversidade dos bancos de germoplasma. O feijão, o arroz, o milho e as abóboras produzem sementes chamadas ortodoxas, que podem ser armazenadas em baixa umidade e temperatura em câmaras frias, durando por séculos. Já a manga, o pêssego e o abacate produzem sementes ditas recalcitrantes, que não suportam o frio e, para germinar, precisam ser usadas logo após colhidas. Nesse caso, o banco de germoplasma se traduz em uma plantação no campo. Em diversas localidades do país, são mantidos os bancos de fruteiras nativas, apelidados afetivamente de arca de Noé das frutas nativas brasileiras.
“O banco de castanha-do-pará [também chamada castanha-do-brasil], por exemplo, fica no Pará, na Embrapa Amazônia Oriental, e as plantas são cultivadas no campo. A gente não consegue conservar a semente da castanha-do-pará por muito tempo, ela perde a viabilidade”, diz Rosa Lía. “Temos vários bancos de germoplasma de frutas da Amazônia, como cupuaçu e camu-camu, mantidos no campo”.
Nos últimos 50 anos a produtividade da agricultura foi afetada mundialmente pelas mudanças climáticas. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em Inglês) sugere que eventos extremos como secas, ondas de calor e enchentes terão impacto sobre a agricultura no Brasil. Num panorama de altas emissões, estudos mostram que a produção de arroz poderia cair 6%, a produção de trigo 21%, e a de milho 10%.
Cajus no Ártico “A questão das mudanças climáticas, com o possível degelo das calotas polares, foi um fator levado em conta. Tanto é que o Banco Mundial de Sementes de Svalbard foi construído a 130 metros acima do mar”, conta Rosa Lía , que também ocupa uma cadeira no Painel Consultivo Internacional na gestão do Banco Global de Sementes de Svalbard, localizado em Longyearbyen, a cidade mais ao norte do planeta, no meio do Oceano Ártico.
também chamado “Cofre de sementes do fim do mundo” já guarda mais de 1 milhão de amostras. Caixas lacradas com a bandeira do Brasil e recheadas de sementes de arroz, feijão, pimenta, cebola, abóbora, melão, melancia e milho integram suas prateleiras. Uma próxima remessa de sementes brasileiras já se aproxima.
“Aqui no nosso banco de sementes ex-situ a gente consegue conservar tudo? Claro que não. Nós temos que ter parcerias com os índios, com os quilombolas”, diz Terezinha. “Os territórios indígenas são arcas de conservação. Se a gente tem um banco de sementes aqui, imagina o que tem dentro dessas comunidades? Uma coisa é a semente que você coleta e que fica parada aqui, congelada. Outra coisa é a semente que está na mão do agricultor, que ele vai adaptando.”
Fonte/EcoaUol.com