O registro de ao menos 130 casos de varíola do macaco, entre confirmados e suspeitos, fora do continente africano — onde a doença é mais incidente — levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a convocar, ontem, uma reunião de emergência. Em menos de 15 dias, oito países europeus — Bélgica, França, Alemanha, Itália, Portugal, Espanha, Suécia e Reino Unido —, além de Estados Unidos, Canadá e Austrália, notificaram casos de pessoas infectadas, o que tem intensificado a preocupação quanto a uma disseminação descontrolada do vírus. Um dos pacientes é um brasileiro de 26 anos que se recupera, isolado, em uma clínica em Munique, na Alemanha.
Segundo a agência das Nações Unidas, os surtos relatados nos 11 países são considerados “atípicos”, pois ocorrem em regiões não endêmicas (Leia Para saber mais). Há 80 casos confirmados e a expectativa de que novos sejam relatados nos próximos dias, considerando que o monitoramento está sendo fortalecido. “A OMS está trabalhando com os países afetados e outros para expandir a vigilância da doença e para encontrar e apoiar as pessoas que podem ser afetadas, além de fornecer orientações sobre como gerenciar a doença”, informa a nota divulgada depois da reunião.
A agência avalia que são baixos os riscos de que ocorra uma disseminação parecida com a do novo coronavírus, o causador da atual pandemia de covid-19. Isso porque a contaminação pelo vírus da varíola do macaco se dá principalmente a partir do contato com sangue, fluidos corporais, lesões na pele ou membranas mucosas de animais infectados. A transmissão de um ser humano para outro é baixa, assim como a taxa de mortalidade nos países mais acometidos pela doença.
Segundo Simon Clarke, professor de microbiologia celular da Universidade de Reading, no Reino Unido, a cepa da África Ocidental que afeta os casos britânicos tem uma taxa de mortalidade em torno de 1%. “Há também uma cepa encontrada na região do Congo que pode ser fatal em 10% dos casos, mas os casos britânicos não têm essa variante”, diferencia.
Transmissão local
O primeiro caso do surto atípico da varíola do macaco foi comunicado pelo Reino Unido em 7 de maio. Tratava-se de uma pessoa que havia viajado para a Nigéria. Os 19 registros subsequentes, porém, foram possivelmente por transmissão comunitária, segundo a Agência de Segurança Sanitária (UKHSA). “Os casos mais recentes, juntamente com relatos de países da Europa, confirmam nossa preocupação inicial de que a varíola do macaco possa estar se espalhando em nossas comunidades”, comentou Susan Hopkins, consultora médica do governo britânico.
O primeiro registro da doença na Alemanha — um brasileiro de 26 anos — fortalece a suspeita. O homem esteve em Portugal e na Espanha, passou por Düsseldorf e Frankfurt e chegou a Munique, onde estava por uma semana até ser diagnosticado com o vírus, na última quinta-feira. Relatos fora da Europa também sinalizam para transmissões que não envolvem passagem pelo continente africano. Os Estados Unidos reportaram na quarta-feira o primeiro caso: o de um homem de Massachusetts que testou positivo para o vírus depois de visitar o Canadá. O país vizinho está investigando mais de uma dezena de infecções suspeitas.
Espanha e Portugal somam mais de 40 casos possíveis e verificados. “Precisamos entender melhor a extensão da varíola do macaco nos países endêmicos para entender a verdade sobre como está circulando e o risco que significa para as pessoas, bem como o risco de exportação”, disse, na terça-feira, a epidemiologista da OMS Maria Van Kerkhove.
Risco de estigma
O surgimento de erupções cutâneas é um dos sinais característicos da doença. Febre, dores musculares e de cabeça, cansaço e inchaço dos gânglios linfáticos também fazem parte dos sintomas da enfermidade, que costumam aparecer entre 10 e 14 dias depois da infecção. Não há tratamento, e, na maioria dos casos, o próprio sistema de defesa do paciente elimina o vírus.
Também não existe uma vacina específica para a varíola do macaco. Porém, estudos mostram que as imunizações contra a varíola comum são até 85% eficazes contra essa versão atípica, segundo a OMS. Na nota divulgada ontem, a agência incentiva as pessoas a buscarem fontes confiáveis, como autoridades nacionais de saúde, para se informar “sobre a extensão do surto da doença em sua comunidade, os sintomas e a prevenção”.
A agência está preocupada com uma possível estigmatização acerca do surto, considerando que, dos sete casos registrados até o momento no Reino Unido, quatro são pessoas que se identificam como “homossexuais, bissexuais ou homens que têm relações sexuais com outros homens”, segundo a UKHSA. “Estigmatizar grupos de pessoas por causa de uma doença nunca é aceitável. Pode ser uma barreira para acabar com um surto, pois pode impedir que as pessoas procurem atendimento e levar à disseminação não detectada”, enfatizou a OMS.
Para saber mais
Primeiro caso há 52 anos
O primeiro registro de varíola do macaco em humanos ocorreu na República Democrática do Congo, em 1970 — 12 anos depois de o vírus ter sido identificado em macacos mantidos em um laboratório para pesquisa. O país segue sendo um dos mais atingidos pela doença. Ontem, a Organização Mundial da Saúde (OMS) relatou que investiga 1.284 casos de pacientes infectados no Congo, sendo que 58 morreram devido a complicações da enfermidade.
Os casos dessa zoonose — transmitida de animais para humanos — são mais incidentes em áreas de floresta tropical da África Central e Ocidental. Desde 1970, foram registrados casos em 10 países do continente, mas já houve registros em outras regiões do planeta. Em 2003, por exemplo, um surto nos Estados Unidos acometeu 47 pessoas. O Reino Unido tem feito diagnósticos mais recentes: em 2018, 2019, 2021 e 2022 — o país foi o primeiro fora do continente africano a relatar a enfermidade neste ano.