Nos últimos quatro anos, 75 pessoas se tornaram órfãs de vítimas de feminicídio no Acre

Aos 6 meses de idade, o filho de Adriana Paulichen, de 23 anos, viu o pai matando a mãe em um ponto comercial aonde o casal vivia temporariamente no bairro Estação Experimental, em Rio Branco. Naquele dia, o menino passou a vivenciar o luto que impacta 75 órfãos que o feminicídio deixou nos últimos quatro anos no Acre, segundo dados da Segurança Pública.


De 2018 a 2022 foram registrados 54 feminicídios e 125 homicídios contra mulheres no Acre. No total, são 179 mulheres assassinadas em quase quatro anos. Os dados apontam que a maioria das vítimas era mulheres em idade reprodutiva.


Assassinato de mulheres no Acre deixou 75 órfãos nos últimos anos


Em 2021, a jovem Adriana Paulichen foi morta a golpes de faca e por estrangulamento por Hítalo Marinho Gouveia, que era seu marido, na frente do filho deles. A irmã de Adriana, Andréia Paulichen descobriu que estava grávida do segundo filho dois dias após a morte da irmã e precisou ficar com a guarda do sobrinho após a tragédia.


“Foi muito turbulento pra mim, assimilar tudo isso. Eu descobri a gravidez e já fiquei com ele, o Kaleozinho, mas foi uma adaptação muito dolorida, porque ele mamava, então ele teve que acostumar na mamadeira, ele chorava à noite, acho que sentia a falta da mãe dele, do mamar. Mas, agora a gente tá bem, já se acostumou, mas eu procuro sempre falar da mãe dele, mostro fotos pra ele quando ele me chama de mamãe mostro foto da mãe dele e falo pra ele que ela que é a mãe dele”, relata, emocionada.


Andréia conta que o pai do sobrinho, mesmo preso, pediu a guarda da criança que agora tem 1 ano e quatro meses. E, para ela, isso aumenta o sofrimento da família.


“Pra nós, é muito doloroso saber disso porque foi a única coisa que sobrou da minha irmã pra gente, um pedacinho dela pra nós e ele fez o que fez e sem chance de defesa pra ela e ainda quer tirar a única coisa que nos resta dela que é o filho dela. É a herança dela e é onde a gente encontra consolo, porque até hoje a gente não superou, eu não superei a perda dela, não sei se isso se supera”, disse.


Adrianna Paulichen foi morta pelo marido em Rio Branco — Foto: Arquivo pessoal

O feminicídio é o homicídio praticado contra uma mulher pelo simples fato de ela ser mulher. O Acre é o estado que, proporcionalmente, mais mata mulheres no país.


De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública no Brasil, a taxa média de vítimas do feminicídio no país é de 1,2 para cada 100 mil mulheres. Já no Acre, essa média é de 2,9 para cada 100 mil mulheres, ou seja, o dobro da taxa nacional.


Conforme a procuradora do Ministério Público, Patrícia Rêgo, um estudo foi feito no Acre para conhecer o perfil dessas vítimas para que possam ser traçadas ações.


“Nós não podemos, enquanto Ministério Público, conviver com uma estatística dessa, de há cinco anos estar no topo do ranking, no estado que mais mata mulheres. Então, quando decidimos colocar na nossa prioridade e traçar essa estratégia, nós partimos de um diagnóstico, nós precisamos conhecer a realidade do feminicídio, como ele se dá, quem é esse feminicida, quem é essa vítima, para poder traçar as nossas ações”, afirmou.


No estado que proporcionalmente mais mata mulheres no país foram deixados 75 órfãos do feminicídio.


“E essas crianças e adolescentes ficam completamente desamparadas, sem assistência psicológica, sem assistência mínima, e no estado, na União e no município não há qualquer política voltada para os órfãos do feminicídio, há uma ausência, uma lacuna de política pública. Em março, o procurador-geral se reuniu com o governador e presidente da Aleac e nós apresentamos um projeto de lei que institui uma política estadual para os órfãos do feminicídio, para que essas crianças tenham assistência do estado e a gente está na expectativa que isso seja aprovado”, contou a procuradora.


O pequeno Kaleo não vai ter a oportunidade de crescer com a mãe e família sofre com a saudade. “Tem dias que eu me pego e começo a chorar e olhar pra ele e me questiono porque que ele fez isso com a gente, com o filho dele, com ela. Por mais que a gente faça por ele, nunca vamos poder dar o colo, o carinho, o amor e o carinho da mãe dele. O carinho da mãe dele é insubstituível”, lamentou a irmã.


Perfil das vítimas


O levantamento feito pelo MP-AC mostra que 68% dos crimes de feminicídio ocorrem dentro de casa, mais de 60% no horário da noite ou madrugada. Além disso, 81,2% das mulheres sofreram violência de companheiro/namorado, 65% das mortes foram com arma branca.


Os dados apontam que 86% dessas mulheres são pretas ou pardas, de baixa escolaridade e baixa renda, e que, em sua maioria, têm entre 20 e 34 anos, ou seja, idade reprodutiva.


“Nós estamos falhando muito, precisamos trabalhar na prevenção e todos temos um papel nisso”, concluiu Patrícia.


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