Ex-patroa diz que não pagava salário de doméstica resgatada de trabalho análogo à escravidão porque a considerava da família

Sônia Seixas Leal, a ex-patroa de Madalena Santiago da Silva, resgatada em 2021 após trabalhar 54 anos em condições análogas a escravidão, afirmou que não pagava o salário da empregada doméstica porque a considerava uma irmã.


Segundo a auditora fiscal do trabalho Liane Durão, a ex-patroa de Madalena deu essa justificativa em depoimento ao Ministério do Trabalho no final de março de 2022.


Durante as décadas de trabalho na casa da família de Sônia, Madalena sofreu maus -tratos e acumulou dívidas feitas pela patroa. A história de Madalena repercutiu nacionalmente após a empregada afirmar, durante entrevista à TV Bahia, que tem medo de pegar na mão de pessoas brancas.


Segundo a auditora Liane Durão, para cada irregularidade relacionada ao trabalho da doméstica será aberto um auto de infração. Até agora, o Ministério do Trabalho tem entre 10 e 12 autos.


Para o Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia, afirmações como a de Sônia, que diz considerar a doméstica como “da família”, são tidas como crime de assédio moral.


“É uma forma que a pessoa [empregador] usa para poder não garantir os direitos da empregada doméstica. E essa trabalhadora não é da família, ela está vendendo a sua mão de obra para uma pessoa que precisa do serviço“, explica Creuza Oliveira, presidente do sindicato.


“Se ela fosse da família, teria direito a herança, teria direito a usar o elevador social, piscina, fazer faculdade e estudar, como a família faz.”


Além disso, Creuza conta que muitas domésticas prestam serviços como Microempreendedor Individual (MEI), o que pode prejudicar.


“A trabalhadora doméstica que está vendendo o seu trabalho para alguém não é microempreendedora. Ela está fazendo uma prestação de serviço. Isso é prejudicial, pois [como MEI] ela não tem direito ao FGTS, horas extras, adicional noturno e 13º salário.”


 


Presidente do sindicato de Trabalhadores Domésticos da Bahia — Foto: TV Bahia

O Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia distribui 250 cestas básicas por mês e presta assistência jurídica às trabalhadoras. Segundo o sindicato, após a repercussão do caso de Madalena, duas novas denúncias de trabalho análogo a escravidão foram feitas na Bahia em apenas um dia.


Não basta denunciar, precisam ser feitas políticas públicas que garantam a proteção dessas pessoas“, afirma Creuza.


Outras histórias


Novos casos de trabalho análogo à escravidão são registrados na BA


Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), 88,6% das empregadas domésticas brasileiras são negras e 10 a cada sete não têm carteira assinada.


No Nordeste, a média de salário das que têm carteira assinada é de R$ 615. Esse numero é 40% menor.


Maria do Carmo de Jesus, 64 anos, faz parte da estatística. Ela começou a trabalhar como empregada doméstica aos 10 anos de idade. Aos 12, diz que comia as sobras das refeições.


“Quando eu tinha 12 anos já trabalhava em uma casa. A patroa pegava a sobra da comida, raspava e colocava no prato para eu comer. Eu olhava aquela comida diferente e um dia vi que tinha cuspe. No outro dia, fui ver como ela fazia meu prato. Ela esperava todas as pessoas comerem, raspava os pratos e colocava aquela comida para eu comer.”


Há 10 anos, Maria do Carmo conquistou a casa própria, um apartamento em um condomínio de prédios no bairro do Doron, em Salvador. As torres dos edifícios levam os nomes de empregadas domésticas.


Quando recebeu as chaves, Maria do Carmo diz que não conteve as emoções. “Meu coração batia tão forte que parecia que eu ia morrer. Eu abraçava as paredes e dizia ‘meu Deus, não deixa eu ir embora agora não’. Foi tão bom, eu dobrava o joelho no chão e agradecia tanto a Deus por essa moradia”, conta.


Condomínio em Salvador leva nome de empregadas domésticas. — Foto: TV Bahia

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