O Ministério da Saúde investiga, desde a última sexta-feira (6/5), 16 casos suspeitos de hepatite aguda grave em crianças no país, sendo nove notificados somente nessa segunda-feira (9/5). Os casos sendo acompanhados pelas secretarias estaduais de Saúde.
Até o momento, seis estão no Rio de Janeiro, seis em São Paulo e dois no Paraná. Outros três casos estão sendo analisados no Espírito Santo, Pernambuco e Santa Catarina. A causa ainda é desconhecida, e está sendo investigada.
Doença é rara em crianças
Segundo a infectologista Luana Araújo, ao contrário da hepatite crônica, a aguda tem curta duração. “A hepatite é uma inflamação no fígado. No caso da aguda, a doença pode durar semanas ou até seis meses. Diferentemente da crônica, que, em muitos casos, o tempo é indeterminado“, explica.
Ela explica ainda que a doença é rara em crianças, pois, geralmente, os vírus responsáveis por infectá-las costumam acometer o sistema respiratório, e não o fígado.
“Em poucos casos, como o de crianças imunossuprimidas, alguns vírus podem atacar outros órgãos, incluindo o fígado. Porém, normalmente, este órgão não é a predileção desses agentes infecciosos durante a infância”, detalha a médica.
Além disso, Luana ressalta que, até mesmo, as causas das hepatites, que costumam ocorrer em adultos — como as A, B, C, D e E —, não são comuns na população pediátrica.
“As hepatites A e B são prevenidas pela vacinação, e isso reverbera na proteção das crianças, pois é muito raro vê-las com doenças dessa natureza. Já a C, transmitida, majoritariamente, por compartilhamento de seringas ou outra forma de contato com o sangue contaminado, também é uma causa incomum na população pediátrica”, explica.
Tendo em vista a situação atual, a infectologista alerta que, mesmo que os números sejam baixos em relação à escala global, os quadros que estão se agravando, o que gera uma preocupação aos órgãos de saúde. “A característica que mais está chamando a atenção é o crescimento dos casos, pois, nos últimos 20 dias, houve um aumento de cinco vezes”, alerta.
Conforme Luana, como a maioria dos casos são leves, alguns sintomas podem estar despercebidos. “Porém, um fator que chama a atenção da comunidade internacional é a proporção da gravidade, que é muito maior do que o esperado. Isso porque, 90% das crianças com suspeitas de hepatite aguda grave precisaram ser internadas, e, dentro dessas internações, de 10% a 14% necessitam de transplante do fígado”, completa.
Ela afirma que, nesse grupo, também há uma preocupação na mortalidade. “A mortalidade é muito alta, podendo chegar a 3,1%. Então, há uma sensibilidade em perceber essas notificações, já que existe uma proporção grande de casos graves, que necessitam de implantes ou podem levar a óbito”, ressalta a infectologista.
Entre os sintomas estão, assim como os casos comuns de hepatite, problemas gastrointestinais, como vômito, diarreia e dores abdominais, e a mudança da esclera do olho, que costuma ficar amarelada. Já no âmbito laboratorial, há uma alteração na quantidade de enzimas do fígado.
Luana explica que, até o momento, não existe um tratamento específico. “Há uma busca permanente em realizar os sintomas do paciente e estabilizá-lo. Assim, evita-se que o quadro avance para um estado mais grave, e caso precise de um transplante hepático, o ecossistema da rede de transplantes esteja alerta e funcionante”, contou.
Quadro pode estar relacionado à COVID-19, e não a vacina
Mesmo sem a identificação da causa, a infectologista afirma que já existem alguns direcionamentos.
“Inicialmente, houve uma prevalência muito grande de crianças contaminadas pelo Adenovírus 41. Porém, nos casos em que foi possível fazer uma biópsia hepática, não havia nada relacionado ao vírus nesses fígados. Além disso, se trata de um agente bastante comum, responsável por provocar resfriado, e, por isso, não associado à causa de hepatite em crianças saudáveis”, contou.
Luana explica que uma das hipóteses poderia ser complicações provocadas pela COVID-19, já que, segundo a literatura clínica, a doença pode alterar as enzimas hepáticas. Por isso, a hepatite aguda grave poderia ser uma manifestação tardia do novo coronavírus nessas crianças.
“Algumas dessas crianças tinham COVID aguda e história de contato com pacientes, não necessariamente confirmados, com a doença. Então, estamos falando de uma população vulnerável e que tem muito contato com o vírus”, disse.
Em relação ao que estava sendo circulado nas redes sociais, associando à vacinação contra à COVID-19 os casos de hepatite aguda na população pediátrica, a infectologista descarta a hipótese, já que praticamente a sua totalidade não recebeu o imunizante.
“A vacina não tem absolutamente nada a ver com os casos, pois essas crianças não foram vacinadas. E o adenovírus 41 não tem nenhuma ligação com o adenovírus símil usado no imunizante contra à COVID-19, usado na maior parte dos lugares”, ressaltou.
Luana informa que, se a hepatite aguda grave pode ser provocada pelo novo coronavírus, a forma de prevenir a população pediátrica é a vacinação.
“As crianças que são elegíveis à vacinação precisam ser vacinadas, já que o imunizante reduz a chance de manifestação grave ligada à COVID, independentemente da faixa etária. Não podemos condenar as crianças por conta da irresponsabilidade dos adultos. ”, afirmou.
Conforme a infectologista, é muito importante que os pais entendam os benefícios da vacinação. “É dever dos responsáveis zelar pela vida e proteção da criança. Todo o entorno dela deve ser seguro, então, em casos de interações sociais, caso ela possa, é importante usar máscara. Além disso, para proteger esse grupo vulnerável, os adultos devem estar imunizados”, disse.
Entenda o caso
A Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu em 15 de abril alerta sobre os casos de hepatite fulminante em crianças no Reino Unido. Desde então, vários casos começaram a ser notificados em mais de 20 países, como Espanha, Dinamarca, Argentina, Israel, França, Itália, Noruega, Romênia e Bélgica.
Segundo o último balanço divulgado pela OMS, no dia 1° deste mês, pelo menos 17 crianças precisavam de um transplante de fígado desde o início do surto. Além disso, há, ao menos, 288 registros de hepatite misteriosa e uma morte.
A instituição investiga a ligação do acontecimento ao adenovírus, que causa doenças respiratórias e gastrointestinais. O subtipo 41 da doença pode causar gastroenterites, o que desencadearia a hepatite.
Entretanto, a OMS também apura substâncias tóxicas, agentes ambientais, medicamentos para analisar se poderia ter alguma relação. Há também suspeitas de que a doença seria provocada por consequências da COVID-19.