Após dois anos com medidas para segurar aumentos, os reajustes da conta de luz serão elevados em 2022. Os brasileiros vão pagar ao menos 12% mais na tarifa residencial na média do país, quase 4 pontos percentuais acima do reajuste do ano passado, que foi de 8%.
O cálculo, feito pela TR Soluções -empresa de tecnologia especializada em tarifas de energia-, não leva em conta impostos (que variam de estado para estado) nem a bandeira tarifária -que, se subir, pode elevar ainda mais o custo da eletricidade.
O maior peso será sentido pelos moradores da região Nordeste: a tarifa residencial ficará 17% mais cara no ano em média, praticamente dez pontos percentuais acima do reajuste médio no ano passado, que foi de 6,9%.
Nos reajustes já divulgados, entre janeiro e abril, as distribuidoras da região são destaque em aumentos. Neoenergia Cosern, no Rio Grande do Norte, teve alta acima de 20%. A Coelba, na Bahia, 21%.
Alta de 24% no Ceará provocou reação no Congresso A recordista foi a Enel Ceará, com reajuste acima de 24%. O baque foi tão forte no estado que deflagrou uma reação extrema na bancada do Ceará na Câmara e levantou uma discussão no Congresso e no governo, sobre a necessidade de mudar a estrutura da conta de luz no Brasil.
Para forçar o debate, o deputado Domingos Neto (PSD-CE) propôs, e conseguiu aprovar, a urgência na tramitação de um PLD (projeto de decreto legislativo) para suspender na caneta o reajuste no Ceará. Foram 410 votos a favor e 11 contra. Na ocasião, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), disse que o projeto ainda poderia incluir outros estados com reajustes elevados.
Posto o bode na sala, a reação das associações empresariais foi imediata: a suspensão seria quebra de contrato, elevaria o risco Brasil e afastaria investidores. Uma audiência publica na Comissão de Minas e Energia da Câmara, na quinta-feria (12), reuniu representes de todos os segmentos para debater soluções estruturais.
“Se a gente levar a plenário, o PLD passa, porque ninguém vai ter coragem de votar contra no meio dessa crise e em um ano eleitoral”, diz o deputado Vaidon Oliveira (União-CE), relator do decreto.
“Mas analisamos as justificativas para o aumento no Ceará, estão muito bem explicadas em quase mil páginas de um relatório. A gente até pode derrubar com duas folhas de papel, mas é importante conversar com a bancada de outros estados antes.”
Segundo Oliveira, existe uma certa expectativa em relação aos reajustes em São Paulo e Minas Gerais, que tendem a vir igualmente elevados e sensibilizar os deputados desses estados. Para Minas Gerais, por exemplo, fontes do setor que preferem não ter o nome divulgado projetam alta de 20%; São Paulo deve ter patamar semelhante.
No levantamento da TR Soluções, Sudeste é o segundo no ranking de altas na conta de luz, com aumento médio de 13%. A região também teve um repique, uma vez que o aumento foi de 7,5% no ano passado.
No Norte, a alta será de 10% na média, após aumentar 8,8% em 2021.
As demais regiões seguem outra tendência. Os aumentos no Centro Oeste se mantêm elevados, mas com um pequeno alívio. Depois de assimilar uma alta de 11% no ano passado, o consumidor dessa região vai pagar 9,5% de reajuste na média neste ano.
Já no Sul a retração é expressiva. A conta de luz, na média, vai subir 3% neste ano, depois de uma alta de 8,5% em 2021. São reajustes bem abaixo da inflação.
No levantamento, a TR considera as suas projeções para o ano e o valor de tarifas já homologadas pela Aneel, a agência do setor. “Detalhes do contrato, a data em que ocorre o reajuste e a variação do peso de encargos setoriais explicam a diferença”, afirma Helder Sousa, diretor de Regulação da TR Soluções.
No caso do Sul, por exemplo, os reajustes ocorrem no fim do ano: assim, a conta da seca foi contabilizada antes. Três das quatro distribuidoras na região têm contratos novos, que fizeram alterações como mudar o indexador de IGPM para IPCA. Das 53 distribuidoras do país, 18 ainda usam o IGPM, que sofre um forte impacto quando há aumento no dólar. Boa parte delas está no Nordeste.
Também pressionam os reajustes deste ano itens excepcionais. Entre eles está o pagamento de parcelas do empréstimo bilionário para pagar a energia mais cara das térmicas, na crise hídrica do ano passado. Também há repasses da chamada conta Covid, outro empréstimo que bancou as perdas das empresas com a queda no consumo no auge da pandemia.
Entenda como os congressistas querem reduzir o preço da luz “Mas o que pesa mesmo na conta de luz são os encargos e impostos”, afirma o presidente da Abradee, entidade que representa as distribuidoras, Marcos Madureira. Esses dois itens respondem por praticamente metade da conta de luz.
E é para cima desses dois itens que o debate avança.
Já se cogita colocar em discussão um projeto de Paulo Ganime (NOVO-RJ) que propõe tirar da conta de luz e transferir para o Orçamento a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). Esse fundo setorial foi criado em 2002, para bancar políticas públicas na área de energia e abriga benesses criadas pelo próprio Congresso.
“Tem muita coisa na conta de energia que não deveria estar lá”, afirma o diretor-presidente da consultoria PSR, Luiz Augusto Barroso, que também comandou a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), vinculada ao Ministério de Minas e Energia.
Ele argumenta que a CDE banca energias ultrapassadas. É o caso das térmicas a carvão e das usinas de óleo combustível instaladas em áreas que não estão ligadas ao sistema nacional, em parte porque os próprios governadores não têm interesse em abrir mão do ICMS cobrado sobre o combustível.
Também dá subsídio a quem não precisa. Na lista estão descontos para área rural, que incluem ajudar na conta de irrigação de grandes produtores e exportadores de grãos, e dos parques de energia renovável, que já se tornaram negócios estabelecidos e não precisam de ajuda financeira.
“A CDE é um amontoado de políticas públicas, sobre o qual até se cobram impostos, elevando ainda mais um custo que já se mostra insustentável”, diz o diretor de Energia Elétrica na Abrace, que representa grandes consumidores, Victor Iocca.
Neste ano, está distribuindo R$ 32 bilhões em subsídios, 34% mais que no ano passado. Cerca de R$ 30 bilhões são pagos pelo consumidor final. “Para se ter uma ideia do que é isso, o valor equivale a 10% de todo o faturamento do setor”, diz ele.
Segundo a própria Aneel, a CDE elevou a conta de luz do Brasil em 3,4% neste ano. Sudeste, Sul e Centro Oeste receberam o maior impacto, uma alta de 4,7%.
Mas 2,4% do aumento no Norte e no Nordeste também vem daí. Essas regiões não pagavam CDE e estão agora na fase de transição, em que a parcela do repasse aumenta ano a ano.
No que se refere aos tributos, os cogressistas colocaram o ICMS na discussão. Durante a audiência na Comissão de Minas e Energia da Câmara, foi defendido que o estados avaliem reduzir o ICMS na conta de luz.
Segundo o superintendente de Gestão Tarifária da Aneel, Davi Antunes Lima, o ICMS responde por 21% da tarifa total. “Uma flexibilização da alíquota poderia reduzir o custo ao consumidor em até 5%”, disse Lima.
Também está em discussão ampliar o uso dos créditos tributários gerados por cobranças indevidas de PIS/Cofins já garantidos judicialmente. Cerca de R$ 12 bilhões foram utilizados para abater tarifas em várias distribuidoras, mas há mais de R$ 40 bilhões que ainda podem ser utilizados, de forma escalonada, para segurar os reajustes.
O tema será debatido na Comissão de Infraestrutura do Senado, nesta terça-feira (17) por iniciativa do senador Fábio Garcia (União-MT). O senador quer garantir a integralidade dos créditos para abater a conta de luz. Como eles foram conseguidos judicialmente pelas distribuidoras, atualmente, as empresas tentam ficar com parte dos recursos.
Em paralelo, entidades privadas tentam evitar mais aumentos. O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) protocolou denúncia no TCU (Tribunal de Contas da União), na quinta-feira (11), para pedir a suspensão do contrato das 14 térmicas a gás selecionadas por um sistema emergencial, a preços elevados, durante a seca em 2021.
Pelas estimativas, elas vão elevar a conta de luz em 4,5%. Pelo contrato, devem operar de 2022 a 2025 para atender a demanda do Sudeste, Centro-Oeste e Sul, a custo estimado de cerca de R$ 40 bilhões.
Muitas estão com o cronograma atrasados, mas parte de seus custos já começou a ser incluído nas tarifas de energia deste ano e já ajudam a puxar para cima o aumento em 2022.
Fonte: Folha de São Paulo