“Consegui sustentar meus cinco filhos com esse bar”. Foi assim que, em 2015, Francisco Pompeu, mais conhecido como Cabeleira, resumiu sua trajetória à frente de um dos bares mais tradicionais de Rio Branco, que durou quase 4 décadas. Nesse sábado (21), Rio Branco se despediu dele, uma das personalidades mais conhecidas da capital. Ele ficou conhecido pelo jeito mal humorado, mas que arrancava muitos risos de quem passa por ali.
Francisco Pompeu morreu aos 87 anos após duas paradas cardíacas. O velório foi na casa dele no bairro Aeroporto Velho e depois, às 1h30, ele vai ser enterrado no Cemitério São João Batista.
Uma das filhas, Damiana Nogueira, de 45 anos, conta que o pai teve o primeiro enfarto em 2020, quando precisou se afastar do bar.
Nesse período, ela chegou a cuidar do bar que levava o nome de Cabeleira, que ficava no bairro do Bosque, mas, devido ao agravamento da pandemia e também pelo fato de o pai não poder ir mais ao bar, decidiu fechar o ponto e alugar. Hoje, onde funcionava o Bar do Cabeleira, existe uma distribuidora.
“Ele estava internado há oito dias, com água no pulmão, agravou, entubaram, levaram ele para a UTI do pronto-socorro, porque ele estava na UPA até então. Então, ele teve dois infartos, um durando 10 minutos e outro 15 minutos e ele não resistiu”,contou.
Nesses dois anos afastado do bar, Damiana diz que o pai tinha uma rotina mais tranquila em casa. Não podia mais trabalhar, por questão de segurança, porque quando teve o primeiro infarto estava trabalhando no bar, pois ia todos os dias, mesmo com mais de 80 anos.
“A primeira vez que ele teve o infarto foi no bar. Foi socorrido pelos clientes, desde então ele não pôde mais voltar porque a visão dele também já estava bem comprometida”, relembra a filha.
‘Não sirvo ninguém’
O g1 entrevistou o famoso Cabeleira em 2015 em uma série de reportagens que contava a história de pessoas que eram populares em Rio Branco. A escolha de Cabeleira não foi só por manter um bar desde a década de 80, com poucas mudanças na estrutura e também com uma clientela fiel, mas também porque era conhecido como “Seu Lunga” devido à sua casca dura.
Naquele ano, ele contou que, independente de quem fosse, ele não servia ninguém. A pessoa que chegava no bar dele é que se servia e que fechava a conta para ele.
Mesmo linha dura, contou que tinha clientes desde a abertura do bar e que ainda frequentava o local – o chamado bar raiz. Muitos haviam até parado de beber, mas sempre frequentavam para jogar conversa fora enquanto ele sentava na tradicional cadeira de balanço do lado externo do bar.
“Aqui vem juiz, advogado, ladrão, garota de programa. E não tem problema, vai todo mundo se servir. Quem pensar que vai chegar aqui e ficar gritando para eu pegar as coisas está enganado. Alguns gostam, outros não. Tem muita mulher e homem enjoado. Mas se quiser pegar e beber, bom, se não quiser, mando ir embora. Não vou me estressar por causa de R$ 5, não é verdade?”, contava em meio a risadas.
Mesmo com esse jeitão, ele fazia questão de dizer que não tratava ninguém mal. E, no fundo, foi isso que deixou o bar tão conhecido e com tantas histórias.
‘Protetor, amigo e confidente’
Foi com o dinheiro do bar que Cabeleira criou os cinco filhos e ainda conseguiu formar dois dos três netos. Mesmo com mais de 80 anos nunca deixou de trabalhar. E a filha revela que a casca dura era só no trabalho, porque em casa o cuidado com os filhos mostrava o coração gigante que tinha.
“Ele era aborrecido no bar e continou assim. Tinha um outro homem que estava do lado dele no hospital e ele fez o médico mudar o paciente porque fazia muito barulho, continuou do mesmo jeito até no hospital. Mas, em casa ele era aquele pai que cuidava, amava, levantava para cobrir os filhos de madrugada e nos últimos anos, mesmo afastado do bar, só dormia depois de ligar para todos os filhos e saber se todos estavam em casa”, conta emocionada.
Damiana diz ainda que o pai sentiu que ao ser internado não voltaria mais para casa e chegou a dizer isso para a esposa. Ainda internado, ele pediu que a filha entregasse a um velho amigo, que trabalha em uma distribuidora de bebidas, o abridor que o acompanhou durante todos os anos no bar.
“Era um pai protetor, amigo, confidente. Ele sempre falou que tinha orgulho dos filhos, falou isso no hospital também, pediu que eu continuasse como esse sistema bruto, como ele sempre dizia. Quando ele se internou na sexta retrasada ele disse para minha mãe que não voltava mais e realmente não voltou.”
Damiana diz que herdou todo o jeito do pai e isso era reconhecido por ele; durona e casca grossa, ela diz que era uma gêmea do pai. Agora, ela abriu uma distribuidora de bebidas e pretende seguir os passos do pai e continuar trabalhando nesse segmento.
“Vou continuar a história do meu pai, com muito orgulho. Ele vai na frente e eu vou seguindo a mesma estrada que ele trilhou”, finaliza.