Decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), tomada no início da semana e divulgada nesta quarta-feira, 27, estabelece que o ato de Revista Policial no país, de agora em diante, não pode ser tomada apenas baseados em “ações suspeita ou aparência”.
Este tipo de abordagem, a partir desse entendimento, é considerado ilegal e só poderá ser realizado com mandado judicial.
O STJ chegou a decisão ao analisar um caso concreto vindo do Estado da Bahia. Ao analisar o caso, a Sexta Turma decidiu que revistas pessoais ou veiculares com base em critérios “subjetivos”, como impressões sobre a aparência ou “atitudes suspeitas” de alguém, configuram ação ilegal das autoridades quando ocorrem sem mandado judicial. Isso significa que a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou ilegal a busca pessoal ou veicular, sem mandado judicial, motivada apenas pela impressão subjetiva da polícia sobre a aparência ou atitude suspeita do indivíduo.
Na análise do caso proveniente da Bahia, o colegiado concedeu habeas corpus para trancar a ação penal contra um réu acusado de tráfico de drogas porque os policiais que o abordaram, disseram ter encontrado drogas na revista pessoal. Na ocorrência, disseram que o preso estava em “atitude suspeita”, sem apresentar nenhuma outra justificativa para o procedimento.
Por unanimidade, os ministros consideraram que, para a realização de busca pessoal – conhecida popularmente como “baculejo”, “enquadro” ou “geral” –, é necessário que a fundada suspeita a que se refere o artigo 244 do Código de Processo Penal seja descrita de modo objetivo e justificada por indícios de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou outros objetos ilícitos, evidenciando-se a urgência para a diligência.
De acordo com o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do caso, a suspeita assim justificada deve se relacionar, necessariamente, à probabilidade de posse de objetos ilícitos, pois a busca pessoal tem uma finalidade legal de produção de provas.
De outro modo, seria dado aos agentes de segurança um “salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias baseadas em suspeição genérica”, sem relação específica com a posse de itens ilícitos.
Diante da total ausência de descrição sobre o que teria motivado a suspeita no momento da abordagem, o ministro afirmou que não é possível acolher a justificativa para a conduta policial – o que tem reflexo direto na validade das provas. Para ele, o fato de terem sido encontradas drogas durante a revista não convalida a ilegalidade prévia, pois a “fundada suspeita” que justificaria a busca deve ser aferida “com base no que se tinha antes da diligência”.
A violação das regras legais para a busca pessoal, concluiu o relator, “resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida”, dando margem ainda à possível responsabilização penal dos policiais envolvidos.
Daí a importância, segundo o magistrado, do uso de câmeras pelos agentes de segurança, defendido pela Sexta Turma no julgamento do HC 598.051 e também pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que, em fevereiro, determinou essa providência ao Estado do Rio de Janeiro. Na avaliação de Schietti, as câmeras coibem abusos por parte da polícia e preservam os bons agentes de acusações levianas.
Uma das razões para se exigir que a busca pessoal seja justificada em elementos sólidos – disse o ministro – é “evitar a repetição de práticas que reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural”.
“Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados potenciais criminosos ou usuais suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos como idade, cor da pele, gênero, classe social, local da residência, vestimentas etc.”, declarou o magistrado em seu voto, informou a assessoria de imprensa do STJ.
Passado mais de um século desde o fim da escravatura, apontou o magistrado, é inevitável constatar que a circulação dos negros no espaço público continua a ser controlada sob o viés da suspeição racial, por meio de abordagens policiais a pretexto de averiguação.
“Infelizmente, ter pele preta ou parda, no Brasil, é estar permanentemente sob suspeita”, acrescentou.
O ministro mencionou estatísticas oficiais das Secretarias de Segurança Pública de todo o país, segundo as quais só são encontrados objetos ilícitos em 1% dessas abordagens policiais – ou seja, a cada 100 pessoas revistadas pela polícia no Brasil, apenas uma é autuada por alguma ilegalidade.
Além de ineficientes, comentou Schietti, tais práticas da polícia contribuem para a piora de sua imagem perante a sociedade, que passa a enxergá-la como uma instituição autoritária e discriminatória.
O relator enfatizou, por fim, a necessidade de que todos os integrantes do sistema de Justiça criminal – incluindo delegados, membros do Ministério Público e magistrados – reflitam sobre seu papel na manutenção da seletividade racial, ao validarem, muitas vezes, medidas ilegais e abusivas cometidas pelos agentes de segurança.