Líder Ashaninka propõe bancada indígena no Congresso Nacional

Foto: reprodução vídeo

O líder do povo Ashaninka do rio Amonea, habitantes de uma Terra Indígena no município de Marechal Taumathurgo, no Alto Juruá, fronteira com o Peru, Francisco Pianko, encerrou sua participação na 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília (DF), conclamando o movimento indígena do país e todo o povo brasileiro à reformar o Congresso Nacional, para Pianko, a maioria dos deputados e senadores com assento no Congresso não tem compromisso com a causa indígena – muito pelo contrário, destaca o líder indígena.


“No entanto, somos nós, povos indígenas, que protegemos a floresta e todo o meio ambiente.


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Nosso povo é um exemplo disso”, disse Pianko.


O acampamento em Brasília teve como tema “Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”, e reuniu pelo menos 8 mil indígenas durante o mesmo período em que o Congresso Nacional e o governo federal pautam a votação de projetos que violam os direitos dos povos originários, como o Projeto de Lei de autoria do Executivo que regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas, e tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados.


Temas como demarcação dos territórios tradicionais, projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, o Recurso Extraordinário com Repercussão Geral aos territórios indígenas foram discutidos durante todo período do Acampamento.


Também foi realizado o debate “Aldear a Política: nós pelas que nos antecederam, nós por nós e nós pelas que virão”, que pretende fortalecer indígenas mulheres para as Eleições 2022.


Francisco Pianko disse ainda que , os indígenas reforçam que o Congresso Nacional é um dos principais espaços de tomadas de decisões em relação às suas vidas e, por isso, essa parcela da população deve estar representada no parlamento
“2022 é um ano histórico. Vamos ter vários candidatos indígenas em busca de uma bancada de homens e mulheres índios para também entrar na disputa eleitoral e desbancar, de vez, a bancada ruralista do Congresso Nacional.


Quando falamos em aldear a política, estamos querendo garantir que nós tenhamos representatividades indígenas nestes espaços na política institucional”, destacou.


Os povos estão se preparando para voltar à Brasília em junho, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará o marco temporal, que determina que os povos originários só teriam direito às terras ocupadas na data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988. O julgamento irá definir o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil.


Em 2019, o STF reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário, caso que discute uma reintegração de posse movida contra o povo Xokleng, em Santa Catarina. Isso significa que a decisão tomada neste julgamento terá consequências para todos os povos indígenas do Brasil. O julgamento foi suspenso em setembro do ano passado, com o pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes, após o ministro Kassio Nunes Marques proferir voto favorável à tese do marco temporal.


Desde o início da análise da ação no STF, o julgamento foi suspenso diversas vezes.


Indígenas de todo o país organizaram no ano passado mobilizações, em Brasília e nos estados, para acompanhar a votação e pressionar as ministras e os ministros a se manifestarem em defesa do direito dos povos originários.


“Esse ano, com eleições, temos um desafio ainda maior na luta pela garantia dos nossos territórios, que é aldear a política. Nós queremos ocupar esses espaços nos municípios, estados e a nível nacional”, disse Pianko, em vídeo postado em suas redes sociais.


Os Ashaninka têm uma longa história de luta, repelindo os invasores desde a época do Império Incaico até a economia extrativista da borracha do século XIX e, particularmente entre os habitantes do lado brasileiro da fronteira, combatendo a exploração madeireira desde 1980 até hoje.


Povo orgulhoso de sua cultura, movido por um sentimento agudo de liberdade, prontos a morrer para defender seu território, os Ashaninka não são simples objetos da história ocidental.


É admirável sua capacidade de conciliar costumes e valores tradicionais com ideias e práticas do mundo dos brancos, tais como aquelas ligadas à sustentabilidade socioambiental.


A área de ocupação dos Ashaninka estende-se por um vasto território, desde a região do Alto Juruá e da margem direita do rio Envira, em terras brasileiras, até as vertentes da cordilheira andina no Peru, ocupando parte das bacias dos rios Urubamba, Ene, Tambo, Alto Perene, Pachitea, Pichis, Alto Ucayali, e as regiões de Montaña e do Gran Pajonal.


A grande maioria dos Ashaninka vive no Peru. Os grupos situados hoje em território brasileiro são também provenientes do Peru, tendo iniciado a maior parte de suas migrações para o Brasil pressionados pelos caucheiros peruanos no final do século XIX.


Aqui os Ashaninka estão em Terras Indígenas distintas e descontínuas, todas situadas na região do Alto Juruá
Afluente da margem direita do rio Juruá, o Amônia nasce em território peruano e garante em seu curso brasileiro condições de navegação relativamente favoráveis.


Na época das chuvas, uma viagem, da fronteira internacional à confluência com o Juruá, situada no município de Marechal Thaumaturgo, leva mais ou menos dez horas de navegação em canoa motorizada.


Hoje, nas terras baixas do rio Amônia, encontramos a Reserva Extrativista do Alto Juruá (margem direita) e um assentamento do Incra (margem esquerda), enquanto a parte alta abriga em ambos os lados a Terra Indígena Kampa do Rio Amônia.


Os dados censitários realizados por antropólogos que trabalharam com esse povo apresentam uma grande variação segundo os autores, que salientam a dificuldade de estabelecer um total populacional.


No Peru, os dados variam, segundo as fontes e as datas das pesquisas, de 10 mil a mais de 50 mil indivíduos.


Não obstante essas estimativas hipotéticas, todos os autores destacam a importância dos Ashaninka em termos demográficos e apresentam o grupo como um dos maiores contingentes populacionais nativos da Amazônia peruana e mesmo da bacia amazônica em geral.


De acordo com o censo de 1993 do Instituto Nacional de Estatística e Informatica (INEI), o povo ashaninka, no Peru, soma 51.063 indivíduos distribuídos em 359 comunidades, constituindo a população nativa mais numerosa da Amazônia peruana (Zolezzi 1994: 15).


No Brasil, os levantamentos realizados por antropólogos, organizações indigenistas e Funai revelam também grandes variações devidas à falta de registros.


A essas dificuldades técnicas acrescenta-se uma forte tendência à migração, característica da sociedade tradicional ashaninka, que dificulta a realização de levantamentos mais precisos.


Apesar das dificuldades, a ONG CPI-AC (Comissão Pró-Índio Acre) estimou a população Ashaninka vivendo em território brasileiro em cerca de 869 pessoas.


Segundo a CPI-AC, a população Ashaninka do rio Amônia representava em 2004 um total de 472 indivíduos – ou seja, mais ou menos metade dos Ashaninka vivendo no Brasil. Mais de 80% dessa população vive hoje na aldeia Apiwtxa ou nas suas proximidades (menos de trinta minutos de canoa motorizada).


Por via fluvial, a aldeia Apiwtxa situa-se a aproximadamente 80 quilômetros de Marechal Thaumaturgo e 350 de Cruzeiro do Sul. Em linha reta, a distância é, respectivamente, de 30 e 180 quilômetros. Essa aldeia foi criada em 1995, na parte baixa da TI, nas proximidades do limite com a Reserva Extrativista do Alto Juruá e o assentamento do Incra.


Ainda de acordo com dados da CPI-AC, a TI do Rio Breu possuía em 2004 uma população de 114 Ashaninka. Na TI Igarapé Primavera havia nessa data 21 pessoas e na TI Kampa do Rio Envira 262 indivíduos.


Os Ashaninka pertencem a família lingüística Aruak (ou Arawak). Eles são o principal componente do conjunto dos Aruak sub-andinos, também composto pelos Matsiguenga, Nomatsiguenga e Yanesha (ou Amuesha).


Apesar de existirem diferenças dialectais, os Ashaninka apresentam uma grande homogeneidade cultural e lingüística.


Ao longo da história, os Ashaninka foram identificados sob vários nomes: Ande, Anti, Chuncho, Pilcozone, Tamba, Campari. Todavia, são mais conhecidos pelo termo Campa ou Kampa, nome freqüentemente utilizado por antropólogos e missionários para designar os Ashaninka de maneira exclusiva ou os Aruak sub-andinos de forma genérica – com exceção dos Piro e dos Amuesha.


Ashenĩka é a autodenominação do povo e pode ser traduzida como ‘meus parentes’, ‘minha gente’, ‘meu povo’. O termo também designa a categoria de espíritos bons que habitam “no alto” (henoki).


A partir de meados da década de 1980, a crescente mobilização do povo Ashaninka do rio Amônia integra-se ao contexto do indigenismo acreano e caracteriza-se por uma intensificação dos conflitos entre índios e brancos, que atingiram seu auge no final dos anos 1980 e no início de 90.


Ao longo do século XX, os Ashaninka do rio Amônia viveram uma situação histórica diferente do grupo localizado no rio Envira. Por exemplo, a ameaça dos Amahuaka foi progressivamente vencida na época da borracha e a exploração madeireira em grande escala levou o contato com os brancos a um grau de intensidade desconhecido entre os Ashaninka do rio Envira, cujo território se encontra mais distante da pressão da sociedade nacional.


O indigenismo oficial começa realmente a atuar no Amônia a partir de meados da década de 1980, no auge da exploração madeireira.


Nesse contexto, a intervenção da Funai é vista como o início de uma nova era: “o tempo dos direitos”, marcado pela conscientização política, a luta territorial e a expulsão dos brancos.


No início de 1985, uma equipe do órgão indigenista, vinda de Brasília, é enviada à área para dar prosseguimento ao trabalho de delimitação e demarcação da Terra Indígena, iniciado em 1978.


Por coincidência, o Grupo de Trabalho (GT) chega ao local no momento da segunda invasão madeireira.


Na volta da equipe, a Funai encaminha uma denúncia ao IBDF, predecessor do Ibama, e à Polícia Federal, que enviam representantes à área, apreendendo as 530 árvores abatidas ilegalmente e multando os responsáveis.


Segundo os Ashaninka, o período de 1987 a 1992 representou uma época de grandes inseguranças, ao mesmo tempo caracterizada pela organização progressiva dos índios em defesa de seus direitos, principalmente à terra, e pela multiplicação dos confrontos com os posseiros brancos.


Para romper a dependência econômica em relação aos patrões madeireiros, os Ashaninka inauguraram, a partir de 1986, uma cooperativa. Uma série de proibições é então estabelecida: corte de madeira, caçadas com fins comerciais e com uso de cachorros, presença de brancos no ritual do piyarentsi.


Isso intensifica a hostilidade dos posseiros, que passam a veicular boatos infundados sobre a família Pianko, principal liderança na cooperativa, procurando vinculá-la à guerrilhas de esquerda e ao tráfico de cocaína.


Os Ashaninka do rio Amônia sempre rejeitaram o tráfico de cocaína em suas terras. As lideranças indígenas afirmam que receberam várias ofertas para incentivar a comunidade a realizar plantios em grande escala ou simplesmente a liberar a passagem da droga pela área.


Em 1990 e 1991, os Ashaninka multiplicaram as denúncias às autoridades. Várias cartas foram encaminhadas à Funai, ao Ibama, ao Incra, à Polícia Federal e à Procuradoria Geral da República .


Nelas, os índios pedem providências para agilizar o processo de demarcação, indenizar e assentar os posseiros fora dos limites da reserva.


Denunciaram as invasões da Terra Indígena, o corte ilegal de madeira, as caçadas com uso de cachorros e com objetivos comerciais, o tráfico de droga, as ameaças de morte contra as lideranças e seus aliados.


As cartas salientavam também a situação de emergência e o risco iminente de graves conflitos entre os Ashaninka e os posseiros brancos.


Em agosto de 1991, em viagem realizada a Brasília, as lideranças ashaninka foram acompanhadas pela antropóloga Margarete Mendes e a advogada Ana Valeria Araújo Leitão, assessora jurídica do Núcleo de Direitos Indígenas (NDI, uma das instituições que deram origem ao ISA).


Na capital federal, o grupo teve audiência com os mais altos funcionários da Funai, Ibama, Secretaria do Meio Ambiente, Procuradoria Geral da República e Polícia Federal.


A viagem a Brasília foi decisiva para acelerar o processo de demarcação e teve um grande impacto no Alto Juruá.


As ameaças de morte intensificaram-se, geralmente feitas pelos posseiros e seus familiares mais revoltados contra os índios.


Em Brasília, o NDI agilizou as formalidades para a demarcação da área. Essa ONG entrou em contato, através de um diplomata inglês e com o auxílio da GAIA Foundation, com a Overseas Development Agency (ODA), agência financiadora do governo britânico, e conseguiu o financiamento necessário para realizar a demarcação da TI.


O trabalho foi realizado de 3 a 23 de junho de 1992, com uma participação importante dos Ashaninka. Após os trabalhos de demarcação, a Terra Indígena Kampa do rio Amônia, com 87.205 ha, foi homologada pelo Vice-Presidente da Republica, Itamar Franco, no dia 23 de novembro de 1992.


Para os Ashaninka do rio Amônia, Pawa é apresentado como o Deus criador de todo o universo.


Às vezes, os Ashaninka se referem a ele como Paapa (pai). Direta ou indiretamente apoiado pelos seus filhos, ele criou a Terra, a floresta, os rios, os animais, os homens, o céu, as estrelas, o vento, a chuva.


Na mitologia nativa, muitas dessas criações são, na realidade, transformações de pessoas ashaninka, filhos de Pawa, em outra coisa e foram realizadas através do sopro.


Assim, nos tempos da criação do mundo, os animais, as plantas, os astros ou certos lugares ou fenômenos tinham uma aparência humana e eram, de uma maneira geral, filhos de Pawa.


Em função do comportamento desses primeiros Ashaninka na Terra, o Deus e/ou os Tasorentsi transformaram-nos em outra coisa, ruim ou boa.


Na mitologia ashaninka, o gênero de Sol e Lua são opostos ao português, sendo o primeiro feminino e o segundo masculino. Pawa teria nascido de uma relação sexual de Lua com uma mulher ashaninka que morreu queimada ao dar à luz a Sol.


Desse modo, Lua é considerado o pai de Pawa. Antes de subirem ao céu, durante muito tempo Sol e Lua viveram na terra.


Lua ofereceu a mandioca (kaniri) aos Ashaninka que, até aquele momento, só se alimentavam de térmitas. Todavia, apesar de ser o pai de Sol e também considerado como Deus, Lua ocupa um status inferior a Sol em razão de suas atividades que o afastam da vida e o aproximam da morte.


Ser canibal, Lua alimenta-se dos mortos e o destino dos Ashaninka é serem devorados por ele.
Segundo os Ashaninka do rio Amônia, após a vida na Terra, os mortos (kamikari) vão, num primeiro momento, para o mundo “embaixo” (isawiki), onde permanecem por um tempo.


Nas fases de lua nova, Kashiri ingere-os e leva-os para Pitsitsiroyki, onde os entrega a uma estrela.


Esta é encarregada de lavá-los, perfumá-los e guardá-los até a visita de Pawa que, periodicamente, vem escolher entre os mortos os Ashaninka que ele reconhece como filhos legítimos e deseja guardar perto de si.


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