Dificuldade para lembrar de eventos recentes, lapsos repentinos, problemas para manter o foco, inventar nomes ou palavras, guardar e manipular informações além de um processamento mais lento do aprendizado. Esses são alguns dos sintomas neurológicos de longo prazo relatados por pacientes que tiveram covid-19. Desde o início da pandemia, cientistas buscam entender como esses transtornos acontecem e de que forma eles podem ser revertidos.
Agora, um grupo de cientistas da Universidade da Califórnia, em São Francisco, em parceria com a Weill Cornell Medicine, de Nova York, parece ter encontrado mais uma peça do quebra-cabeça. Chamada de névoa cerebral, essa síndrome pós-covid parece não ser causada pelo ataque do coronavírus em si, mas por uma hiperestimulação do sistema imunológico.
Os pesquisadores chegaram à conclusão depois de analisar um pequeno grupo de 17 pacientes adultos que testaram positivo, mas não precisaram de internação. Desses, 13 tiveram manifestações dos sintomas cognitivos e 10 tinham alterações em um fluido corporal chamado líquido cefalorraquidiano. Enquanto isso, as quatro amostras dos pacientes que não tiveram sintomas neurológicos estavam normais.
Ao analisar este líquido, eles encontraram níveis muito acima dos padrões de uma determinada proteína o que indica um quadro inflamatório generalizado. Além disso, eles detectaram um nível de anticorpos muito alto para um sistema imune ativado, alguns deles presentes no sangue e outros presentes apenas no líquido cefalorraquidiano, o que indica uma inflamação específica no tecido cerebral.
Para os pesquisadores, o nevoeiro cerebral acontece porque o sistema imunológico ‘enlouquece’ meses depois da infecção. Quando compararam as mudanças com as vistas em pessoas afetadas por outras infecções, os cientistas viram um padrão muito similar. Isso significa que alguns dos anticorpos surgidos depois da infecção por covid podem ser “vira-casacas” e atacar os neurônios.
“É possível que o sistema imunológico, estimulado pelo vírus, esteja funcionando de maneira patológica não intencional”, explicou uma das autoras da pesquisa, Joanna Hellmuth, do Centro de Memória e Envelhecimento da Universidade da Califórnia. De acordo com os pesquisadores, os pacientes que apresentaram esses efeitos de longo prazo tinham mais fatores de risco que a média.
Entre os problemas pré-existentes mais comuns estão diabetes, hipertensão, histórico de TDAH, ansiedade, depressão, alcoolismo ou dificuldades de aprendizagem. Esses fatores podem deixar o cérebro mais vulnerável a um ataque autoimune, concluíram os cientistas, e a névoa cerebral poderia se desenvolver a partir de outras infecções graves, mesmo não sendo covid-19.
Uma das dificuldades da pesquisa na área é como mensurar as perdas neurológicas pós-covid, já que testes cognitivos podem não ser suficientes para notar a diferença. Isso porque, de acordo com alguns cientistas, muitas pessoas apresentavam um alto desempenho nesses testes antes da infecção e podem continuar acima da média depois dela, mesmo que, para padrões individuais, o nível tenha sofrido uma grande queda.
“Se as pessoas nos dizem que têm novos problemas de pensamento e memória, acho que devemos acreditar nelas em vez de exigir que atendam a certos critérios de gravidade”, ressaltou a pesquisadora. O desafio agora é reproduzir o estudo em grupos maiores. O artigo foi publicado nesta terça-feira (18/1) pela revista científica Annals of Clinical and Translational Neurology.
Fonte: Correio Braziliense