Dizem que o primeiro romance literário documentado, Genji Monogatari, foi escrito por Lady Murasaki Shikibu por volta do ano 1007. Ele narra histórias de amor de um príncipe com centenas de mulheres ao longo de três gerações e, junto com as obras de Shakespeare, é um dos romances mais estudos do mundo! Tudo isso para dizer que, desde os primórdios das artes catalogadas (e muito provavelmente já bem antes disso), um clichê amoroso abordado incansavelmente em livros, pinturas, poesias, filmes, séries e hoje em postagens nas redes sociais é o de que “love is pain”, ou, em português do Brasil, “amor é dor”. Mas será que é mesmo?
Provavelmente, sim. Quem nunca sofreu por amor, vai sofrer um dia. Ou vários. Uns sentem mais do que outros, mas, no fim, “ninguém vai sofrer sozinho, todo mundo vai sofrer”, como diria a saudosa Marília Mendonça. Só que deveria ser um sofrimento mais Luís Vaz de Camões e menos Blanka Lipińska. Deveria ser um “fogo que arde sem se ver, uma ferida que dói e não se sente(…) Uma dor que desatina sem doer”; não deveria ser um sofrimento romantizado. Afinal, se uma relação faz você sentir medo, tristeza e agonia… Bem, podemos dizer que ela está longe de ser saudável, né?
Recentemente, a gente se deparou com a notícia do noivado de Megan Fox e Machine Gun Kelly. Depois de beberem sangue um do outro após o pedido, uma coisa um tanto quanto vampiresca que foi usada para demonstrar a intensidade do sentimento entre os dois, o cantor fez revelações sobre o anel de noivado feito especialmente para a atriz.
A peça dupla tem dois diamantes, que formam um coração, unidos por um imã. Essas bandas que ligam as duas partes são pontudas, como se fossem espinhos. Ou seja, “se ela [Megan] tentar tirá-lo [o anel], dói”, disse Machine, ao que completou dizendo que “amor é dor”. Mais uma vez, uma atitude um tanto quanto questionável sendo usada para demonstrar a intensidade da relação – e romantizar o clichê de que amor que é amor só é verdadeiro se faz doer, se tem sofrimento envolvido.
É uma coisa bem Vinícius de Moraes mesmo. Um amor que avassala, que dói na alma, que é grande, eterno, demais. Aquele amor que é lindo em músicas, poemas e poesias, em livros e fantasias, mas que na vida real causa muitos danos – especialmente por causa de toda essa romantização em volta da questão. Tem vezes que dói mesmo, que destroça o coração, que faz o peito se rasgar de tanta angústia. Mas não tem que ser sempre assim. Ou não deveria.
Há ainda muita confusão sobre o que é amor e o que é paixão. Dá para ser apaixonado por uma pessoa a vida toda? Há quem acredite que sim, há que acredite que paixão passa. Eu, particularmente, acho que sim. Mas não dá para viver para sempre presa àquela paixão de começo de relacionamento, que não deixa de ser uma espécie de sofrimento, justamente por causa da intensidade. É uma delícia, mas seria enlouquecedor viver presa a ela. E é aí que chega o amor, de fininho, transformador, mostrando que casais podem seguir apaixonados, mas que o amor é tranquilo, sereno, manso. Com altos e baixos, é claro, como em todo relacionamento entre pessoas, mas que faz mais chorar de felicidade do que de tristeza, que não precisa doer, que não precisa ter declarações cinematográficas que marcam dias especiais. Na verdade, é justamente o contrário. O amor mostra que os pequenos gestos diários de dedicação valem mais que uma surpresa que acontece apenas em datas comemorativas. Um grande amor deveria ser medido por isso, não por rituais de sangue ou anéis com espinhos. Assemelha-se demais a um sacrifício, em todos os sentidos, e não deveria ser assim. Apesar de dúvidas e questionamentos, no fim, o amor deveria ser uma escolha fácil.
Deixa a dor romantizada para os romances de cinema.
Fonte: Capricho