Aung San Suu Kyi foi condenada nesta segunda-feira (6) a quatro anos de prisão por incitar a dissidência contra os militares e quebrar as regras sanitárias durante a pandemia da Covid-19.
Ela está detida desde que uma junta militar derrubou seu governo em 1º de fevereiro de 2021, o que acabou com um breve período democrático em Mianmar.
Suu Kyi, de 76 anos, é conhecida por ter recebido o prêmio Nobel da Paz em 1991 e era, na prática, a líder do país desde 2015. Oficialmente, o cargo dela era o de presidente do NDL, o partido civil.
Filha de um herói da independência do país, o general Aung San, durante o regime militar, Suu Kyi foi presa – e assim ficou durante 15 anos (leia mais adiante nesta reportagem).
Ela só saiu da prisão em 2010, e se tornou líder do país. No poder, se aliou aos militares para perseguir uma minoria étnica, os rohingyas, que são muçulmanos (Mianmar é majoritariamente budista).
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Refugiados rohingya saindo de Mianmar em direção a Palang Khali, em Bangladesh, próximo a Cox’s Bazar, no dia 2 de novembro de 2017. — Foto: Hannah McKay/Reuters
Em 2019, ela foi a representante do país em um julgamento em uma Corte Internacional de Justiça. Mianmar é acusada de fazer limpeza étnica.
No país, há quem acredite que Aung San Suu Kyi fez uma concessão aos militares ao cooperar com eles para tentar fortalecer a democracia no país.
No dia do golpe, em fevereiro de 2021, ela pediu que a população não aceitasse a ação liderada pelos militares – e foi detida logo em seguida pela Junta que tomou o poder.
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Cidadãos de Mianmar seguram foto da líder Aung San Suu Kyi durante protesto contra golpe militar no país, do lado de fora de prédio da ONU em Bangcoc, na Tailândia, na terça-feira (2) — Foto: Reuters/Jorge Silva
Prisão durante a ditadura
Nos 15 anos em que permaneceu confinada em sua residência, ela tinha que se limitar a falar para os seguidores que estavam posicionados do outro lado do muro de seu jardim.
Mas agora a situação é radicalmente diferente, pois os militares mantêm em sigilo o local de sua detenção e seus contatos com o exterior se limitam a breves reuniões com os advogados.
Suu Kyi passou boa parte da vida no exílio: primeiro na Índia e, depois, no Reino Unido onde teve uma vida de dona de casa, casada com um professor de Oxford, Michael Aris, especialista em Tibete.
Em 1988, quando viajou a Mianmar para visitar a mãe, ela surpreendeu a todos ao anunciar que se envolveria no destino de seu país, em plena revolta contra a Junta militar.
“Não podia, como filha do meu pai, permanecer indiferente a tudo que acontecia”, afirmou em seu primeiro discurso.
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Aung San Suu Kyi discursa nesta segunda-feira (2) em Yangon — Foto: Reuters
A Junta militar autorizou a formação de seu partido, mas ela foi colocada rapidamente em prisão domiciliar.
Em seu confinamento, Suu Kyi acompanhou a vitória nas eleições de 1990, mas a junta se recusou a reconhecer os resultados.
Em 1991, venceu o Prêmio Nobel da Paz, mas não pôde comparecer à cerimônia em Oslo. Ela teve de esperar mais de 20 anos para receber a premiação.
Em 2010, Aung San Suu Kyi foi libertada, após 15 anos sob prisão domiciliar. Entrou para o Parlamento em 2012, após a dissolução da junta militar um ano antes.
Crise dos rohingya
Sua figura internacional começou a desmoronar uma vez no poder. Alguns a criticaram por uma concepção autocrática de governo.
Além disso, ela teve que estabelecer um equilíbrio para conviver com os militares, que permaneceram à frente de ministérios importantes.
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Refugiados rohingya esperam permissão do exército de Bangladesh para continuar cruzando a fronteira de Mianmar, em Teknaf, na quarta-feira (25) — Foto: Reuters/Hannah McKay
Em 2017, quase 750 mil muçulmanos da minoria rohingya fugiram dos abusos do governo e das milícias budistas para buscar refúgio em acampamentos de Bangladesh.
Após a tragédia, Mianmar foi acusada de “genocídio” na Corte Internacional de Justiça (CIJ).
Suu Kyi não condenou os militares e compareceu pessoalmente ao tribunal para defender seu país. Ela negou “qualquer intenção genocida”.
Eleições de 2020
A vitória do partido de Suu Kyi nas eleições legislativas de 2020 provocou a ira dos militares, o que resultou no golpe de Estado de fevereiro.
Detida e condenada ao silêncio, a “mãe Suu” tem atualmente pouca influência em Mianmar, onde muitas pessoas renunciaram a um de seus princípios fundamentais, a política de não violência, e atualmente há ações de guerrilha contra a junta.
Ela enfrenta ainda quase uma dúzia de acusações e pode pegar uma pena de até 102 anos de prisão.
“O governo de Suu Kyi teve fracassos e gerou frustrações”, resume Sophie Boisseau, analista do Instituto Francês de Relações Internacionais em entrevista à agência France Presse. “Mas ela permitiu um sopro de ar que hoje dá ao povo a força de resistir.”