Em crescimento acelerado desde a década de 1970, a obesidade atingirá 1,12 bilhão de pessoas — 20% da população mundial — em 2030 caso a taxa de evolução se mantenha. A projeção, do estudo Global Burden of Obesity (Fardo Global da Obesidade), também aponta para 2,16 bilhões de mulheres e homens com sobrepeso na próxima década. De causa multifatorial e associada a doenças que vão de diabetes a diversos tipos de câncer, essa condição, resumidamente, reflete o desequilíbrio entre a energia consumida e a gasta. Mas não é uma equação simples, facilmente resolvida com o velho conselho de “comer menos e malhar mais”.
Já se sabe que vários fatores contribuem para a sensação de fome e para o metabolismo da gordura. Entre eles, a genética. Embora estejam longe de representar a bala de prata que derrotará a obesidade, os estudos sobre a influência dos genes têm ganhado destaque e espaço nas publicações científicas. A expectativa dos pesquisadores é de que, ao se identificar mutações no DNA que, por exemplo, dificultem a sensação de saciedade ou a queima da energia estocada, seja possível desenvolver abordagens terapêuticas que, aliadas a mudanças no estilo de vida, promovam o emagrecimento saudável.
Os estudos da genética associada à obesidade já renderam importantes frutos. Por exemplo, em 1994, cientistas descobriram o hormônio leptina, envolvido, entre outras coisas, na sensação de saciedade, na absorção de nutrientes e no metabolismo da gordura. Alterações em genes responsáveis pela resposta cerebral à produção dessa substância, especialmente um chamado ob, dificultam o gasto calórico ao mesmo tempo em que promovem a fome exagerada.
Pesquisas demonstraram que, em pessoas com obesidade hereditária, o tipo mais raro da doença, a produção da leptina é normal, mas polimorfismos (alterações na sequência do DNA) impedem que o cérebro compreenda isso. Ele, então, continua mandando instruções para que se adquira mais e mais calorias. Esse conhecimento levou ao desenvolvimento de terapias para um grupo extremamente reduzido de indivíduos com uma forma de obesidade hereditária. O tratamento não funciona para os outros tipos, mas, no mundo todo, estão sendo realizados estudos baseados nesse hormônio e dirigidos a um público mais amplo.
Ao mesmo tempo, equipes de pesquisa se focam em outros genes, na busca de mais uma abordagem aliada às intervenções tradicionais. No mês passado, cientistas da Universidade de Tartu, na Estônia, descobriram que um gene chamado NEGR1 pode levar ao pré-diabetes, especialmente em animais machos, sendo que a ausência da proteína estimula, em ratos, o ganho de peso e a elevação das taxas de açúcar no sangue, mesmo em uma dieta de restrição de gordura.
Alterações nessa mesma proteína também estão associadas a distúrbios mentais, diz Mari-Anne Philips, que liderou o estudo. “Em conclusão, pode-se dizer que afeta o peso corporal, o apetite e a saúde mental. Os hormônios sexuais influenciam o efeito da NEGR1 e, no futuro, vale a pena levar essa proteína em consideração no diagnóstico e na prevenção dos distúrbios associados a esse gene”, diz.
Apetite
Também em um estudo com modelo animal, pesquisadores da Universidade de Pós-Graduação do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa (OIST), no Japão, identificaram uma proteína que desempenha um papel fundamental na forma como o cérebro regula o apetite e o metabolismo. De acordo com o estudo, publicado na revista iScience, a perda da proteína XRN1 resultou em ratos obesos com apetite insaciável.
“Fundamentalmente, a obesidade é causada por um desequilíbrio entre a ingestão de alimentos e o gasto de energia”, diz Akiko Yanagiya, pesquisadora da Unidade de Sinal Celular do OIST. “Mas ainda entendemos muito pouco sobre como o apetite ou o metabolismo são regulados pela comunicação entre o cérebro e partes do corpo, como o pâncreas, o fígado e os tecidos adiposos.”
No estudo, os cientistas criaram ratos que foram incapazes de produzir a proteína XRN1 em um subconjunto de neurônios no prosencéfalo. Essa região do cérebro inclui o hipotálamo, uma estrutura do tamanho de uma amêndoa que libera hormônios no corpo, ajudando a regular a temperatura corporal, o sono, a sede e a fome.
Com seis semanas de idade, os cientistas notaram que os ratos sem XRN1 no cérebro começaram a ganhar peso rapidamente e se tornaram obesos por volta de completarem três meses. Houve acúmulo de gordura no corpo dos camundongos, inclusive no tecido adiposo e no fígado.
Quando os pesquisadores monitoraram o comportamento alimentar, a equipe descobriu que os ratos sem XRN1 comeram quase o dobro por dia que os do grupo controle. “Essa descoberta foi realmente surpreendente”, comenta Shohei Takaoka, aluno de PhD da Unidade de Sinal Celular OIST, que fez parte do estudo. “Quando eliminamos o XRN1 no cérebro pela primeira vez, não sabíamos exatamente o que encontraríamos, mas esse aumento drástico no apetite foi muito inesperado.”
Para investigar o que pode estar fazendo com que os ratos comam demais, os cientistas mediram os níveis de leptina no sangue. Em comparação com os controles, a taxa mostrou-se anormalmente alta, o que, normalmente, faria com que os animais parassem de sentir fome. Mas os camundongos sem XRN1 não responderam à presença do hormônio, ou seja, desenvolveram resistência à leptina.
Diabetes
Os cientistas também descobriram que ratos de cinco semanas eram resistentes à insulina, um hormônio liberado pelas células beta do pâncreas em resposta aos altos níveis de glicose no sangue que ocorrem após a alimentação. Esse tipo de falha em como o corpo responde à glicose e à insulina pode levar ao diabetes. “Achamos que os níveis de glicose e insulina aumentaram devido à falta de resposta à leptina”, explica Yanagiya. “A resistência à leptina significava que eles continuavam comendo, mantendo alto o nível de glicose no sangue e, portanto, aumentando a insulina no sangue.” Outra descoberta importante foi que o metabolismo dos animais não estava sendo capaz de gastar energia.
Os pesquisadores, agora, pretendem identificar exatamente como o XRN1 impacta a atividade dos neurônios no hipotálamo para regular o apetite. “Identificar quais neurônios e proteínas no cérebro estão envolvidos na regulação do apetite e determinar totalmente como a resistência à leptina é causada pode levar a um tratamento direcionado para a obesidade”, acredita Yanagiya.
Três perguntas para Andrea Pereira*
O que já se sabe sobre a interação entre fatores genéticos, ambientais e epigenéticos na obesidade?
As pessoas com um forte componente genético apresentam uma resposta diferente ao ambiente “obesogênico”, podendo ter uma maior propensão à obesidade, que, hoje, corresponde a 25% da população brasileira. Isso aparece em vários estudos com gêmeos, mostrando uma herança da obesidade variando entre 40% e 70%. Entre as obesidades de origem preferencialmente genética, uma vez que essa doença é multifatorial, temos as síndromes de Bardet–Biedl e Prader–Willi. Além da obesidade herdada, que é rara, há a categoria mais comum, da obesidade poligênica. Ela é o resultado de centenas de polimorfismos (variações na sequência de DNA), onde cada um tem um pequeno efeito. Ambos os tipos de obesidade estão ligados a mecanismos cerebrais relacionados à ingestão de alimentos, fome e saciedade. A maioria dos estudos demonstra que os genes relacionados à leptina e à melanocortina são associados à obesidade monogênica.
Como o conhecimento sobre genética e obesidade pode ajudar a rever as abordagens de combate à doença? É possível pensar também em estratégias de prevenção com base genética?
Esse conhecimento cada vez maior sobre a genética da obesidade é fundamental para estratégias de tratamento e prevenção, mas ainda são muito experimentais e vinculados a estudos em animais, tendo ainda um custo muito alto. Por enquanto, a grande maioria desses tratamentos não é reprodutível em seres humanos, além de não ser acessível economicamente a todos.
Testes genéticos poderiam ajudar a escolher o melhor tratamento para o paciente ou ainda é cedo para se pensar nisso?
Ainda é muito cedo. Tanto pelos fatores econômicos, como também pela falta de representatividade em estudos nos seres humanos. É sempre importante frisar que temos vários genes ligados a várias doenças. Portanto, mesmo quando esses testes forem recomendados, precisamos conversar com um médico para discutir para quais genes eu preciso ser testado. Isso dependerá do exame clínico e do histórico familiar. Mesmo os testes genéticos deverão ser individualizados, como qualquer tratamento para obesidade.
*Médica nutróloga do Departamento de Oncologia e Hematologia do Hospital Israelita Albert Einstein, presidente e cofundadora da ONG Obesidade Brasil e autora de diversos livros sobre obesidade
Fonte: Correio Braziliense