O monitoramento eletrônico de funcionários no home office tem crescido, segundo uma pesquisa realizada no Reino Unido – onde o governo tem sido instado a endurecer as regras e banir o uso de webcams.
Quando o primeiro lockdown começou na Inglaterra, ainda em 2020, o engenheiro Chris (nome fictício para proteger sua identidade) despachou a maior parte de sua equipe para casa.
E, para que pudessem continuar a realizar suas operações de alta tecnologia, a ordem foi conectar os laptops e PCs pessoais às máquinas presentes no escritório, que eram mais potentes.
Na época, diz Chris, “não nos importamos”. Até que certo dia ele visitou o escritório e viu a tela de cada um de seus colegas à mostra, ali, enquanto eles trabalhavam de casa.
“Um dos gerentes estava não apenas olhando para o nosso trabalho”, conta Chris. “Ele conseguia ver exatamente o que estávamos fazendo, o tempo todo – ao que assistíamos no YouTube, esse tipo de coisa.”
“Era sinistro”, prossegue. “O gerente estava olhando para (a tela dos) nossos computadores pessoais para monitorar o que fazíamos de casa, e não só quando nós estávamos trabalhando. Era algo bizarro.”
A tecnologia usada pelos chefes de Chris ficava, antes da pandemia, confinada ao ambiente de trabalho, para monitorar as ações de funcionários. São desde câmeras que gravam os empregados em suas baias até sensores de movimento e gravadores que registram toques de mouse e de teclado.
Com o avanço da pandemia e da prática de home office, o sindicato britânico Prospect tem pedido por normas regulatórias mais rígidas em torno do uso de tecnologia de monitoramento de funcionários.
O sindicato também pede ao governo que torne explicitamente ilegal que empregadores usem webcams para monitorar empregados em home office, a não ser que estejam em reuniões ou chamadas virtuais.
Um levantamento do Prospect com 2,4 mil trabalhadores britânicos indica que 32% dos entrevistados no Reino Unido estão atualmente sendo monitorados por suas empresas, um aumento de 8 pontos percentuais em relação a abril. A maior taxa (48%) é entre trabalhadores de 18 a 34 anos.
E proporção de pessoas sendo monitoradas por câmeras dentro de suas próprias casas mais do que dobrou, de 5% para 13% desde abril.
“Estamos acostumados à ideia de empregadores verificando trabalhadores, mas quando as pessoas estão trabalhando de casa, isso ganha uma nova dimensão”, diz o secretário-geral do sindicato, Mike Clancy.
“Novas tecnologias permitem que os empregadores tenham uma constante janela para a casa de seus funcionários, e o uso dessa tecnologia não é regulado pelo governo.”
O Information Commissioner’s Office (ICO), agência encarregada do assunto, recomenda que empregadores deixem claro para suas equipes quando elas forem ser monitoradas – seja em casa ou no escritório- antes de o monitoramento começar. As razões para o monitoramento também devem ser explicitamente informadas.
O ICO pede que empregadores considerem os potenciais efeitos negativos de monitorar seus funcionários e avaliem ferramentas menos intrusivas, pedindo a funcionários que reportem suas atividades por e-mail ou telefone.
Chris, que trocou de emprego depois de saber que suas atividades em casa estavam sendo monitoradas pela empresa, opina que a vigilância “excessiva” é contraproducente.
“Minha produtividade não caiu quando comecei a trabalhar de casa”, ele afirma.
“(Mas) fiquei mais nervoso quando soube o que estava acontecendo (em referência ao monitoramento). Em boa parte do tempo, meu trabalho consiste em projetar coisas em papel, longe da tela, então isso não é registrado por alguém que está simplesmente olhando o que estou fazendo no meu desktop. Provavelmente o cara (que fazia o monitoramento) achou que eu tivesse ido assistir Netflix ou algo do tipo, mas eu não tinha. É um jeito muito obtuso e despersonalizante de tentar garantir que as pessoas se comportem da forma como a empresa deseja.”
Anna Thomas, diretora do centro de estudos Institute for the Future of Work, afirma que o crescimento da vigilância está “aumentando a pressão” sobre funcionários.
Mas as empresas usuárias desse tipo de tecnologia argumentam que estão agindo de modo razoável, em um momento em que tantos funcionários estão longe do olhar de seus supervisores.
Pesquisas oficiais sugerem que, após o relaxamento de algumas medidas anti-Covid-19, menos britânicos estão trabalhando exclusivamente em casa ou em esquemas híbridos em comparação com o início da pandemia. Mas, mesmo assim, muitos seguem em home office.
O governo propôs em novembro que as pessoas tenham o direito ao trabalho flexível assim que comecem em um novo emprego.
“As pessoas têm a expectativa de conseguir manter suas vidas pessoais em privado e que tenham o direito a algum grau de privacidade no ambiente de trabalho”, disse na época um porta-voz do ICO.
“Estamos trabalhando no momento para atualizar nossas práticas empregatícias para endereçar as mudanças em leis de proteção de dados e para refletir novas formas como empregadores usam a tecnologia e interagem com suas equipes.
Fonte: G1