O mercado financeiro passou a prever que a inflação oficial do país, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ficará acima de 5% em 2022, o que, caso se confirme, representará o estouro da meta pelo segundo ano consecutivo.
A informação consta do relatório “Focus”, divulgado nesta segunda-feira (6) pelo Banco Central (BC). As projeções foram colhidas na semana passada com mais de 100 instituições financeiras.
A meta central de inflação para o ano que vem, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), é de 3,5% e será considerada formalmente cumprida se ficar entre 2% e 5%.O mercado financeiro, porém, já projeta 5,02%.
Para 2021, o centro da meta de inflação em 2021 é de 3,75%. Pelo sistema vigente no país, será considerada cumprida se ficar entre 2,25% e 5,25%.
Mas, com a inflação superando 10,7% em 12 meses a prévia de novembro, o próprio BC já admitiu oficialmente que a meta não será cumprida neste ano.
Instrumentos para conter inflação
O principal instrumento utilizado pelo Banco Central para conter a alta dos preços é a taxa básica de juros, a Selic, definida com base no sistema de metas de inflação.
Quando a inflação está alta, o BC eleva a Selic. Quando as estimativas para a inflação estão em linha com as metas, reduz a Selic.
A instituição também pode atuar no mercado de câmbio, vendendo dólares nos mercados à vista e futuro para impedir uma contaminação dos preços pela alta da moeda. Entretanto, o BC tem informado que as atuações no mercado de câmbio visam somente corrigir distorções e prover liquidez, não tendo como objetivo oficial conter a inflação.
Autoridades do BC afirmaram em diversas ocasiões, nos últimos meses, que seguem mirando na meta de inflação de 2022, ou seja, calibrando a taxa Selic para atingir o objetivo fixado para o próximo ano.
E, para isso, o Comitê de Política Monetária (Copom), que se reúne a cada 45 dias, tem optado por uma estratégia de gradualismo: aumento sucessivo dos juros em doses menores, ao invés de uma puxada maior de uma vez na taxa Selic.
O Copom começou a subir os juros em março de 2021, quando a taxa avançou para 2,75% ao ano (a primeira elevação em quase seis anos). Em outubro, na sexta alta seguida, a taxa avançou para 7,75% ao ano. O mercado prevê, até o momento, que a taxa avançará para 9,25% ao ano em dezembro, na última reunião do Copom em 2021, e para 11,25% ao ano até o fim de 2022.
Cenário difícil
Analistas consultados pelo g1 avaliam que o cenário para a inflação está mais complicado desde o início da pandemia da Covid-19, com a alta de preços de “commodities”, como alimentos e petróleo (combustíveis), além da falta de insumos e dificuldades de transporte.
Outro fator que tem pressionado a inflação é a crise energética, com reflexo de alta no preço da energia elétrica.
Fatores políticos, por sua vez, também têm impulsionado os preços, pois pressionam o dólar. Nesse caso, os economistas citam a proposta em discussão no Congresso Nacional de rompimento do teto de gastos por meio da PEC dos Precatórios, que viabiliza o Auxílio Brasil e outros gastos. O texto passou no Senado na semana passada, retornando à Câmara dos Deputados.
Segundo o economista-chefe da Necton, André Perfeito, esse é um “péssimo início” para um mandato independente do BC, que possui espaço para ser “bastante incisivo na politica monetária [definição de juros]”. Ele avaliou que o corte dos juros para 2% no ano passado foi um “experimento que talvez tenha sido ousado demais”.
Perfeito admitiu que elevações na taxa de juros, o principal instrumento do BC, não tem efeito sobre a alta dos preços dos alimentos, dos combustíveis e da energia, principal peso neste ano, e que a inflação também se ressente das tensões políticas para se gastar em um ano eleitoral – envolvendo o novo programa social, entre eles.
Mas avaliou que o BC poderia ser mais claro e direto em seus comunicados com as indicações sobre próximos passos da taxa de juros. “Talvez o instrumento não seja a taxa de juros, mas sim o comunicado. Passou o fiscal [gastos públicos] daqui, vou ter de reagir desse jeito. Se você governo fizer tal coisa, vou ter fazer tal coisa. Passou nessa linha vai ser tiro, porrada e bomba”, concluiu ele.
Para ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, será uma derrota para equipe econômica como um todo se a inflação ficar acima do teto de 5% em 2022, como projeta o mercado financeiro. Ele avaliou que isso também mostra que a credibilidade do BC “foi muito afetada”.
“Me parece muito claro que essa deterioração [das expectativas de inflação] acompanhou as perspectivas de piora do lado fiscal [contas públicas] (…) O problema não é o ano [de 2021], mas a perspectiva que vamos ter um quadro fiscal pior daqui pra frente. A gente não aprovou nenhuma reforma importante desde a previdenciária. Isso acaba levando a percepção que teremos problema com inflação à frente e os mercados antecipam, até na remarcação de preços”, disse.
Para o economista, os últimos indicadores inflacionários — como a alta no chamado índice de difusão (quantidade de itens afetados pela alta de preços), dos núcleos de inflação (que buscam captar tendência de preços, desconsiderando alguns itens, como alimentos e energia) e da inflação de serviços —, mostram que o período caracterizado principalmente por um choque de oferta (ausência de produtos por conta da Covid-19) passou e que a ideia de que uma alta de juros não pode trazer a inflação para baixo está equivocada.
“Olhando em retrospecto, o BC errou sim. Mas eu tive o mesmo erro. Minha leitura do processo inflacionário no final do ano passado e começo desse ano, e que foi a do BC, é que era um choque de oferta que seria transitório e que morreria em algum momento. Bastaria que os preços parassem de subir. É sempre mais fácil falar em retrocesso. Houve um erro, e o BC saiu correndo atrás [subindo o juros básico]. A ver se consegue entregar a inflação dentro do intervalo [das metas]”, disse Schwartsman.