Dois pesos pesados nas questões ambientais, França e Alemanha uniram forças para enfrentar a política destrutiva do governo de Jair Bolsonaro nas questões relacionadas à Amazônia, o que deve resultar em pressões comerciais cada vez mais fortes contra o Brasil. O chanceler Olaf Scholz, que irá governar a Alemanha com uma coalizão de sociais-democratas, liberais e “verdes”, será ainda mais cobrado por respostas para conter o desmatamento. Por sua vez, Emmanuel Macron, presidente da França, também é criticado dentro do próprio país, para agir mais efetivamente na proteção das florestas. O acerto entre os dois países vai impossibilitar a retomada das contribuições feitas pelos países europeus para o Fundo Amazônia, que rendia R$ 1 bilhão por ano para serem usados na preservação do bioma. “Essa aliança é benéfica para o Brasil e fortemente preocupante para o governo Bolsonaro”, observa o físico da USP Ricardo Galvão, que por três anos foi diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), até ser exonerado pelo presidente brasileiro em 2019. Segundo ele, o Brasil caiu ainda mais em descrédito depois da COP-26 em novembro, quando o ministro Joaquim Leite, do Meio Ambiente, foi acusado de omitir os dados sobre desmatamento que já estavam em posse do governo desde 27 de outubro, bem antes do evento climático.


DESTRUIÇÃO Operação do Ibama identifica mineração ilegal de ouro em território Yanomami (Crédito: Bruno Kelly)

Um dos resultados dessa ação desastrosa é o aumento dos boicotes comerciais e científicos ao Brasil. Os participantes da COP-26 não acreditam na promessa do governo de reduzir o desmatamento em 15% para 2022, porque suas ações mostram o oposto, com a diminuição da fiscalização e dos investimentos. Na Alemanha, Scholz será permanentemente pressionado a adotar sanções contra o governo brasileiro por causa da destruição florestal, já que ele terá no seu encalço Annalena Baerbock, nova ministra das Relações Exteriores e uma das líderes mais atuantes do Partido Verde alemão, crítica do governo brasileiro e favorável à atuação global em favor da Amazônia. Há também o novo ministro do Clima e da Economia, Robert Habeck, outro ambientalista ferrenho. “Não sei se o Scholz terá facilidade de manobra política para facilitar as coisas para o Brasil. Os verdes estão vindo muito fortes”, afirma Galvão.
As reações contrárias ao desleixo do governo brasileiro em relação à Amazônia começaram assim que Bolsonaro assumiu. Um dos principais pontos de conflito foi a gestão do Fundo Amazônia com o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que conseguiu afugentar apoiadores importantes como a Noruega e a própria Alemanha. Criado em 2008 para captar doações pela preservação ambiental, o fundo está com R$ 3 bilhões congelados e não se vê nenhuma disposição de Scholz para trabalhar pela sua reabertura. Tampouco tem funcionado o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), coordenado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que assistiu a um impressionante aumento de 22% do desmatamento na região entre 2020 e 2021. Mourão admite que os esforços têm sido inúteis. ”Não houve uma verdadeira integração entre o trabalho das Forças Armadas e das agências ambientais”, afirma.
Macron segue como um dos adversários mais renhidos de Bolsonaro, desde as queimadas na região amazônica em 2019. Renova oposição ao acordo União Europeia-Mercosul e garante que não compra mais soja brasileira proveniente de desmatamento. “A França tem 1,4% da Amazônia, com a Guiana Francesa, que é bem preservada. O Macron abriu áreas de mineração de ouro lá, mas teve de voltar atrás”, diz Galvão. “Ele tem interesse em mostrar para os verdes franceses que está atuando na direção certa.” Além da questão política, ao se associar com a França, a Alemanha forma uma aliança comercial fortíssima, capaz de atrapalhar as exportações brasileiras. Os dois países talvez sejam os principais clientes europeus de produtos nacionais e têm enorme poder de compra.
O diretor-executivo do WWF-Brasil (World Wildlife Foundation), Mauricio Voivodic, destaca o papel da sociedade nas lutas climáticas. “A eleição de Scholz na Alemanha e os debates para as eleições francesas à presidência em 2022 mostram a força política e até a popularidade que movimentos sociais estão ganhando no bloco europeu, para conter as mudanças climáticas”, diz Voivodic. “Esses países vão adotar medidas contundentes para eliminar desmatamentos dentro de seus territórios e usar as próprias ações para incidir diplomaticamente sobre outros países.” O fato é que a pressão sobre o Brasil está aumentando muito e vai subir mais, com os debates das eleições francesas. Mais cedo ou mais tarde, o bloco europeu vai tomar medidas para eliminar de suas cadeias comerciais quaisquer produtos que venham de áreas desmatadas e atacadas de forma inclemente, como a Amazônia.