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Cientistas se unem na luta contra superbactérias resistentes a antibióticos

Foto: Justus Liebig University Giessen/Katrina Friese/Divulgação

O surgimento da covid-19 chamou a atenção para o quanto a saúde precisa ser levada a sério por todo o mundo e acendeu o alerta sobre a importância de se evitar, ao máximo, novas crises sanitárias. A perda de eficácia de antibióticos diante do avanço de superbactérias é uma das ameaças, segundo pesquisadores da área, que têm buscado atualizar as drogas e aumentar o número de medicamentos dessa classe com o auxílio de novas tecnologias.


Especialistas destacam que o desenvolvimento de antimicrobianos tem ganhado mais espaço na área científica, mas alertam que só com investimento e interesse da indústria farmacêutica será possível evitar um cenário devastador, em que não existam mais armas de combate a infecções bacterianas.


“O surgimento de patógenos resistentes a antibióticos é uma das maiores ameaças que enfrentamos hoje”, alerta Jason Micklefield, professor do Instituto de Biotecnologia da Universidade de Manchester, no Reino Unido. Ele avalia que a edição genética é uma das técnicas que podem ser usadas para desenvolver remédios mais poderosos.


“Temos, em nossas mãos, uma tecnologia muito eficiente e rápida, com recursos suficientes para criar enzimas complexas, que são a base dos antibióticos. Com isso, vamos conseguir alcançar um poder protetor ainda maior do que temos disponível atualmente”, detalha.


Segundo Micklefield, grande parte dos antibióticos é feita de bactérias que vivem no solo e têm enzimas chamadas sintetase de peptídeo não ribossômico (NRPS). Essas moléculas formam blocos de construção de aminoácidos, que são os responsáveis pela proteção a agentes infecciosos. “Muitos dos antibióticos mais importantes, do ponto de vista terapêutico, são derivados dessas enzimas NRPS, como a penicilina, a vancomicina e a daptomicina”, lista Micklefield.


Jason Micklefield e colegas fazem pesquisas com edição genética

Jason Micklefield e colegas fazem pesquisas com edição genética(foto: Universidade de Manchester/Divulgação)

 


Esses medicamentos acabam perdendo a eficácia com o tempo e desfazendo os blocos de construção que funcionam como escudo. Para recuperar o poder de combate dessas drogas, a equipe britânica usou a técnica CRISPR-cas9, método em que se pode retirar genes com uma espécie de tesoura molecular. Com a tecnologia, também chamada de edição genética, foi possível desenvolver novas enzimas NRPS, fazendo uma espécie de reconstrução dos blocos de aminoácidos e recuperando a eficácia de antibióticos.


Os cientistas adiantam que a técnica precisa ser aperfeiçoada, mas acreditam que ela também possa ajudar na criação de medicamentos voltados para patógenos altamente resistentes. “Estamos otimistas de que nossa abordagem pode levar a novas maneiras de fazer antibióticos aprimorados, que são urgentemente necessários para combater patógenos cada dia mais resistentes”, afirma o autor.


Na avaliação de David Urbaez, infectologista do Exame Imagem e Laboratório, em Brasília, o uso de ferramentas tecnológicas pode evitar que a crise da eficácia dos antibióticos se agrave, mas é necessário investimento.


“Essa falta de remédios nós já conseguimos enxergar nos últimos anos, o que já foi até motivo de alerta da OMS. Também sabemos a causa, que é a falta de interesse da indústria farmacêutica nessa área. Quando juntamos esse fator com a utilização desenfreada dessas drogas, sem orientação médica adequada, além do recente uso constante desses medicamentos durante a pandemia, tudo se agrava e temos cada vez mais remédios ineficientes”, detalha.


O médico acredita que os próximos anos prometem o surgimento de mais pesquisas na área. “É possível que a manipulação genética, além de outros métodos mais recentes, possam render novas drogas, até porque esse é um cenário que vimos durante a pandemia. Quando o temor aumenta e temos investimentos, surgem mais possibilidades”, justifica.


Ajuste molecular

Pesquisadores brasileiros também têm buscado formas de desenvolver novos antibióticos e conseguiram resultados iniciais promissores ao mapear um desses medicamentos. Cientistas da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com especialistas chineses e britânicos, escolheram a gentamicina, droga usada para tratar infecções na pele há muito tempo, como objeto de estudo.


“Os aminoglicosídeos foram descobertos em 1950 e são usados para tratar diversas infecções bacterianas sérias. Por serem moléculas mais antigas e já terem sido amplamente utilizadas, as bactérias adquiriram resistência a muitos antibióticos dessa classe”, relata ao Jornal da USP Marcio Vinícius Bertacine Dias, coordenador do estudo e responsável pelo Laboratório de Biologia Estrutural Aplicada do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da universidade.


A equipe se dedicou a encontrar quais eram as enzimas responsáveis por modificações na biossíntese das gentamicinas com o objetivo de evitar a resistência das bactérias ao medicamento. O trabalho foi bem-sucedido: os especialistas identificaram duas moléculas, a GenB3 e a GenB4, e mapearam a forma como cada uma delas realizava suas reações químicas. Com esses dados, a equipe acredita que será possível alterar as moléculas e evitar que a gentamicina perca sua eficácia.


A intenção é repetir o mesmo tipo de análise em outros antibióticos e no desenvolvimento de novas drogas dessa classe. “As bactérias criam resistência aos antibióticos em um período de dois a três anos, enquanto a produção de novas moléculas pode durar até 20 anos. É preciso investimento para acelerar estudos como os nossos e desenvolver fármacos mais eficazes. Se não, os antibióticos podem se tornar obsoletos e, assim, voltaríamos a ter mortes por infecções que hoje são facilmente tratadas”, alerta Vinícius Dias ao periódico da USP.


Amouni Mourad, professora dos cursos de farmácia, fisioterapia e ciências biológicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, explica que a pesquisa brasileira se concentra em uma característica específica das gentamicinas e demonstra possibilidades de modificações em outros antibióticos da mesma classe, o que amplia o leque de drogas que podem ser tornar menos sensíveis à resistência. “Certamente, isso é um avanço e uma grande esperança, pois a corrida contra o relógio já foi disparada, precisamos de algum medicamento que consiga surpreender as bactérias, as quais estão se defendendo bem contra as drogas disponíveis”, afirma.


Couraças enfraquecidas

Para manter os antibióticos eficientes, pesquisadores americanos apostam no uso de um medicamento que combate a hepatite C. Os investigadores examinaram cerca de 25 mil compostos, incluindo 1.300 medicamentos aprovados, em busca de drogas que contivessem moléculas capazes de inibir as chaperonas de micobactérias, estruturas que funcionam como um escudo para os agentes infecciosos.


Uma forte candidata surgiu com a triagem. “Telaprevir é o primeiro composto previamente aprovado clinicamente que demonstrou inibir a função da chaperona em bactérias”, relata, em comunicado, Tania Lupoli, professora-assistente do Departamento de Química da Universidade de Nova York e principal autora do estudo.


Por meio de testes laboratoriais, os especialistas observaram que, ao acrescentar o Telaprevir em antibióticos, a droga conseguiu se ligar às chaperonas e enfraquecê-las. Com a perda da proteção, os agentes invasores se tornaram mais sensíveis aos antibióticos, o que auxiliou na destruição dos micro-organismos. “Nossa pesquisa marca uma etapa vital na busca por ferramentas que consigam aumentar o poder dos antibióticos e desacelerar a sua resistência”, frisa Lupoli. “No futuro, prevemos que inibidores de chaperonas possam ser usados em combinação com antibióticos para aumentar a potência do tratamento e diminuir a resistência.”


O próximo passo dos cientistas é encontrar outras drogas com ação semelhante ao Telaprevir. “A busca por antibióticos novos e mais eficientes é algo que vai ser priorizado em todo o mundo, nos próximos anos. Queremos fazer parte dessa busca. Acreditamos que nossa estratégia de pesquisa poderá contribuir na luta contra bactérias altamente resistentes”, afirma a autora do estudo.


10 milhões de mortes

A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem demonstrado preocupação quanto à resistência de antibióticos e alertado que a falta de eficácia das drogas pode colocar todo o mundo em perigo. A instituição estima que bactérias superresistentes podem provocar a morte de mais de 10 milhões de pessoas ao ano em 2050, o que corresponderia a um óbito a cada três segundos. Nesse cenário, as bactérias resistentes aos antibióticos se tornariam a principal causa de morte no planeta.


Fonte: Correio Braziliense


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