O imigrante haitiano Jacquenue Bosquet, de 36 anos, que ficou paraplégico após ser obrigado a se jogar da Ponte da Integração, que liga a cidade de Iñapari, no Peru, a Assis Brasil, no Acre, continua no abrigo de imigrantes em Rio Branco, capital acreana, em recuperação. Ele foi para o local em agosto, quando recebeu alta do hospital em agosto deste ano.
E o g1 teve acesso a um vídeo em que ele aparece em uma espécie de andador e consegue dar alguns passos durante o tratamento de recuperação.
Porém, há uma semana o imigrante tem se negado a continuar com o tratamento porque, segundo a assistente social do abrigo, Adriana Ferreira, ele quer voltar para o país dele e está pressionando por essa viagem. Mas, Adriana explicou que somente com alta médica ele pode viajar e que uma nova consulta deve ocorrer nos próximos dias.
“Ele está sendo atendido por um neurologista e fisioterapeuta e agora acionamos o Creas [Centro de Referência Especializado de Assistência Social] para que ele possa ser acompanhado por psicólogos. Ele estava evoluindo muito bem, mas há uma semana ele se recusa a fazer o tratamento, vamos na clínica, explicar a situação para eles e ver como podemos fazer”, explica.
‘Está com saudade de casa’
Ela diz que a situação tem sido complicada devido a todo o trauma que o imigrante passou. “É uma situação delicada. Vamos encaminhar o caso para a Saúde Mental. Ele já lava a roupa sozinho, toma banho só e não gosta de depender de ninguém. Ele está com muita saudade de casa”, conta.
A Secretaria de Assistência Social, dos Direitos Humanos e de Políticas para Mulheres do estado (Seadhm) também acompanha o caso. Maria da Luz, do Departamento de Direitos Humanos, conta que é preciso mobilizar uma equipe para fazer uma avaliação psicológica dele e que vai reunir esforços para que ele continue o tratamento.
“Tem uma equipe técnica que vai fazer o procedimento de reintegração. Orientei que chamem profissionais para fazer um estudo da saúde mental, fazer um estudo para que a gente possa ajudá-lo melhor. A gente entende, pela situação que ele passou, que isso seja complicado. É compreensível que esteja impaciente”, destaca.
Maria da Luz diz ainda que a recuperação de Jacquenue Bosquet é quase um milagre quando lembra como ele foi encontrado em julho deste ano.
“Vamos procurar focar na saúde mental, com atendimento psicológico, psiquiátrico e passar os contatos para dar mais esse passo na tentativa da gente ir organizando as coisas e acalmando ele. Foi um trauma muito grande”, destaca.
Resgate
O haitiano foi transferido para a capital acreana no dia 26 de julho deste ano devido à gravidade dos ferimentos. Ele foi socorrido pelo Corpo de Bombeiros no dia 24 daquele mês, quando foi avistado por moradores da região. Após seis dias no Pronto-socorro da capital, onde passou por uma cirurgia, ele foi levado para a Fundação Hospitalar do Acre (Fundhacre) no dia 1º de agosto, onde ficou internado até o dia 16 de agosto.
A informação da unidade é que ele fraturou a segunda vértebra lombar e passou por uma cirurgia para conseguir voltar a sentar, mas não vai mais conseguir andar. Além da situação delicada no quadro de saúde de Bosquet, a Seasdhm ainda tinha outra preocupação, que era de encontrar os familiares dele, que foram achados no dia 5 de agosto.
“Encontramos três pessoas da família. Uma prima a quem já informei que ele fez a cirurgia e está estabilizado. Como fraturou a coluna, a cirurgia foi para estabilizar e ele conseguir ficar sentado. Infelizmente, as assistentes sociais falaram que ele não vai ter mais o movimento das pernas. Mas, a família dele já está ciente e quando tiver condições, a gente poder organizar a forma de ele retornar para a família”, disse Maria da Luz na época.
Agora, as equipes tentam entrar em contato com o consulado para tentar negociar a volta do imigrante ao Haiti, porém, o tratamento de saúde é uma preocupação, já que o país não tem SUS, como o Brasil.
Imigrante haitiano de 36 anos cai de ponte que liga o Acre ao Peru e fica 10 dias na mata
Pressionado a pular da ponte
Segundo o secretário de Assistência Social de Assis Brasil naquela época, Quedinei Correia, o imigrante relatou que chegou à cidade do interior do Acre no último dia 10 de julho com três companheiros para passar para o lado peruano e seguir viagem até o Chile. E, assim como tantos outros imigrantes, eles tentaram fazer o percurso por rotas alternativas por meio de coiotes, já que a ponte está fechada pelo Peru.
Já na cidade peruana de Iñapari, ele se desencontrou dos companheiros e acabou perdendo o táxi. “Disse que foi várias vezes enganado por outras pessoas, por outros coiotes, e depois foi levado até a polícia peruana, que teria colocado ele em cárcere”, informou o secretário.
Imigrante foi socorrido por equipe do Corpo de Bombeiros nesse sábado (24) — Foto: Reprodução
O imigrante relatou ainda que na noite do dia 14 de julho, os policias o teriam levado até a ponte e após muita pressão, ele pulou e caiu em uma área de mata.
“Na queda, ele ficou muito machucado e até agora está sem os movimentos das pernas, então, por isso teve dificuldade de se locomover pela mata. Ele foi se arrastando e conseguiu chegar até a praia e no sábado, dia 24, foi avistado por moradores que chamaram os bombeiros que estavam fazendo um treinamento nas proximidades e fizeram o resgate. Foi levado ao hospital, recebeu o atendimento necessário, mas precisou ser encaminhado para Rio Branco devido aos ferimentos graves”, disse Correia na época.
Assis Brasil recebe constantemente imigrantes que querem entrar no Peru — Foto: Arquivo/Prefeitura
Fluxo migratório
Em fevereiro deste ano, a Ponte da Integração foi ocupada por mais de 300 imigrantes. Na época, o município chegou a ter mais de 600 imigrantes, sendo que alguns ficavam nos dois abrigos montados pela prefeitura e outros acampados na ponte.
Por estar na fronteira do Brasil com o Peru, o município de Assis Brasil continua registrando um fluxo migratório considerável. Os grupos têm encontrado rotas alternativas para passar para o Peru, mesmo com a fronteira fechada e, por isso, não ficam mais retidos no abrigo da cidade.
O movimento na cidade é tanto de imigrantes que chegam pelo Peru com destino às cidades brasileiras como aqueles que querem deixar o Brasil e encontram meios alternativos para passar.
Com a Ponte da Integração fechada, muitos conseguem atravessar de barco e depois pagam os chamados coiotes para seguir viagem pelo Peru até chegar em outros países.
Em fevereiro, imigrantes chegaram a ficar acampados na ponte que liga o Acre ao Peru — Foto: Raylanderson Frota/Arquivo pessoal
Crise migratória
A situação dos imigrantes começou a ficar tensa no interior do Acre no dia 14 de fevereiro, quando eles deixaram os abrigos que ocupavam e se concentraram na Ponte da Integração. No dia 16, os estrangeiros enfrentaram a polícia peruana e invadiram a cidade de Iñapari, no lado peruano da fronteira. Depois de confronto, o grupo foi mandado de volta para Assis Brasil.
Os estrangeiros tentavam sair do Brasil usando o Acre como rota. A ponte já chegou a ser ocupada por pelo menos 300 imigrantes, na maioria haitianos. Mais de 130 caminhões chegaram a ficar retidos tanto do lado brasileiro como no peruano e o prejuízo foi calculado em mais de R$ 600 mil.
A crise migratória resultou na visita do secretário Nacional de Assistência Social, do Ministério da Cidadania, Miguel Ângelo Gomes, que esteve no dia 19 de março em Assis Brasil para ver a situação.
Gomes se reuniu com o governador da Província de Madre De Dios, Luis Guillermo Hidalgo Okimura, e o prefeito de Iñapari, Abraão Cardoso. Na conversa, segundo a Agência do Governo do Acre, as autoridades peruanas informaram que o país avaliava uma forma de abrir a fronteira para liberar a passagem dos imigrantes.
Foi então que a União pediu a reintegração de posse contra os imigrantes que estavam acampados na ponte e a Justiça Federal deferiu o pedido no início de março. Desde então, o número de imigrantes na cidade do interior do Acre reduziu muito e a prefeitura desativou os abrigos montados em escolas. Um novo abrigo, com capacidade para 50 pessoas, foi instalado para receber os imigrantes que chegam ao município.
Rotas
São duas situações que fizeram com que o número de imigrantes crescesse na cidade de Assis Brasil; a primeira, a de imigrantes que entraram no Brasil entre 2010 e 2016 em busca de uma vida melhor e, com a crise da pandemia, tentam sair do país para seguir viagem até México, Canadá, Estados Unidos e outros países.
A segunda é que o Peru, mesmo fechando a passagem para a entrada de imigrantes, libera a saída deles para o lado brasileiro, então, é uma porta de entrada para venezuelanos que buscam melhores em estados brasileiros.
Alguns dos imigrantes retidos no Acre também tentam uma rota alternativa para chegar na Bolívia e de lá seguir viagem.