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Fralda, papel, pano: a realidade de quem menstrua e não pode comprar absorventes

“Quando uma fralda do meu filho arrebenta, penso: ‘vai virar absorvente’”. Vanessa Moraes, 39 anos, admite que raramente consegue comprar absorventes, um problema compartilhado por muitas pessoas pobres e que ganhou atenção depois que o presidente Jair Bolsonaro vetou sua distribuição gratuita.


Em meio à correria entre os serviços de garçonete e motorista que realiza para sobreviver, Vanessa, uma mulher negra, alta e de longos cabelos castanhos, cuida dos dois filhos, de 11 e 12 anos. O mais velho, Hugo, tem deficiência. O auxílio que recebe do governo, no valor de um salário mínimo (1.100,00), mal supre as necessidades dele.


Toda a renda desta moradora do Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, é voltada para prioridades que não incluem absorventes.


“Absorvente é caro, então a gente apela para uma fralda, um tecido, uma fronha de travesseiro”, conta.


O preço de um pacote de absorvente, segundo pesquisa realizada pela marca de coletores menstruais Fleurity, é de entre R$ 3 e R$ 10.


O relatório “Livre para Menstruar – Pobreza menstrual e a educação de meninas”, divulgado este ano pelo movimento “Girl Up”, da Fundação das Nações Unidas, revelou que 30% do país menstrua – ou 60 milhões de meninas e mulheres. Sem acesso a absorventes, uma em cada quatro meninas e adolescentes deixa de frequentar a escola quando está menstruada.


Outra pesquisa, da fabricante Sempre Livre, divulgada em setembro, estima que 28% das mulheres de baixa renda sofrem de pobreza menstrual, ou seja, a falta de condições mínimas de higiene neste período.


Com dificuldade de acesso a absorventes, muitas optam por alternativas, como miolo de pão, papéis e o ‘paninho’ – pedaço de tecido que é lavado e reutilizado.


Cercada por adereços do Flamengo na casa de poucos cômodos onde moram seus pais, Vanessa conta sua história enquanto brinca com o filho.


Apesar de morar numa casa separada, encontra suporte onde cresceu com os pais, que não trabalham. Filha única depois de perder um irmão em um acidente de trânsito, se emociona toda vez que fala da família.


Hugo tem paralisia cerebral e precisa de cuidados constantes. Depois que nasceu, a renda de Vanessa passou a ser direcionada ao filho.


“Acabo focando nele e esquecendo de mim”, confessa.


Quando uma fralda de Hugo arrebenta, Vanessa a transforma em absorvente. Com uma peça em mãos, ilustra: arranca os elásticos e abre o produto descartável, adicionando um pedaço de pano para torná-la mais eficiente.


“Por conta da necessidade, a gente vai se virando”, explica.


 “Questão de saúde pública”

Vanessa recebe ajuda da ONG ‘One by One’, que auxilia pessoas com deficiência em situações de vulnerabilidade no Rio de Janeiro.


Além de prover recursos como cadeiras de rodas, a organização fornece cestas básicas para as famílias e absorventes para as mulheres.


Assim como Vanessa, Karla Cristina de Almeida, de 15 anos e também negra, conta com as doações da ONG para conseguir absorventes. Em sua casa no Complexo da Maré, divide o mesmo pacote com a irmã.


“Às vezes temos um pacote só, outras vezes não temos nenhum. Quando não temos, nem saio de casa. Já faltei a escola por causa disso”, confessa.


Durante ação de distribuição de absorventes da ONG, várias mulheres fazem fila. Entre elas Miriam Firmino, de 51 anos e moradora do Engenho da Rainha. Mãe de três meninas, conta que desde pequena sempre usou “paninho”, mas hoje busca doações para que suas filhas não passem o mesmo.


“Para comprar (absorvente), você tem que correr atrás de promoção. Quando não conseguimos comprar, nos viramos com o que temos”, afirma.


A presidente da ‘One by One’, Teresa Stengel, conta que “com a pandemia e a crise econômica, muitas mães que atendemos relatam que voltaram a usar paninhos, papel, algodão e outros materiais quando menstruam”.


“Elas reclamam de machucados e infecções. A pobreza menstrual é uma questão de saúde pública”, destaca.


Veto do governo

Em outubro, o presidente Bolsonaro sancionou o projeto de lei instituindo o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual para promover “saúde e atenção à higiene feminina”.


Porém, os trechos do projeto que previam a distribuição gratuita de absorventes foram vetados pelo presidente “por entender que despesas geradas com a instituição do Programa não apontaram a fonte orçamentária para seu custeio, ou mesmo medidas compensatórias”.


O Congresso pode derrubar o veto apenas por maioria absoluta e não há data marcada para votação.


Após a medida presidencial, governos municipais e estaduais passaram a mobilizar campanhas.


A prefeitura do Rio anunciou o programa “Livres para Estudar”, que visa distribuir mais de 8 milhões de absorventes por ano para cerca de 100 mil estudantes da rede municipal de ensino, contemplando também meninos trans e pessoas não-binárias que menstruam.


Fonte: Correio Braziliense


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