Filho de faxineira que passou em medicina na Ufac e fez surpresa para mãe trabalha de porteiro até início das aulas

André Ramon, de 26 anos, aguarda as aulas da Universidade Federal do Acre começarem. Ele emocionou a internet em agosto ao ir até uma academia em Rio Branco, onde a mãe trabalha como faxineira, e fazer uma surpresa contando que havia passado no curso da faculdade federal. Agora, enquanto espera as aulas começarem, ele está trabalhando como porteiro em uma creche no bairro Mocinha Magalhães.


Ele foi chamado no Sisu 2, mas a Ufac ainda está ajustando o calendário e acredita que as aulas devem começam no meio do ano que vem.


“Estou aguardando ser chamado e estou trabalhando de porteiro para ganhar um dinheiro até começar as aulas. Também estou estudando para quando começar as aulas não ficar muito pesado. Como não tinha muita habilidade em informática, estou focando em aprender a fazer slides, mexer no Word e pretendo começar um curso de inglês”, conta.


Ele iniciou como porte no dia 19 do mês passado. Ele conta que trabalha em regime de plantão das 6h às 18h, sendo que trabalha um dia sim e outro não e nas folgas do trabalho ele estuda.


Logo após o vídeo repercutir, André fez uma campanha para conseguir algumas doações para comprar material e roupas para a faculdade. Ele conta que recebeu dinheiro, notebook e alguns objetos da faculdade.


“Consegui muita coisa e isso vai me ajudar bastante”, diz.


“Mãe, eu vim lhe avisar que não era uma ilusão, era só um sonho difícil e eu passei em medicina na Universidade Federal do Acre”, disse ele antes de um logo abraço emocionado na mãe.


Ela também não contém as lágrimas e agradece. “Esse é o melhor presente da mamãe. Graças a Deus, parabéns mesmo”, fala entre lágrimas.


O abraço sela uma parceria entre os dois. Vilenilde, mesmo sem muito estudo, sempre incentivou que os filhos trilhassem o caminho da educação. Mãe solo de sete filhos, ela sempre trabalhou como doméstica e faxineira e atualmente sustenta a casa sozinha.


Ela conta que não conseguiu terminar os estudos porque teve que trabalhar desde muito cedo. Para ela, ver o filho entrando na faculdade é motivo de orgulho e esperança.


“Tenho certeza que agora começa uma nova etapa nas nossas vidas. Estou com muito orgulho e espero que a gente consiga caminhar para uma vida melhor a partir de agora”, disse a mãe.


Devido à pandemia, Vilenilde contou que passou um dos anos mais difíceis financeiramente. Ela disse que chegou a dizer que, caso o filho não tivesse passado este ano, teria que trabalhar para ajudar em casa.


“Foi um ano muito difícil e eu disse: ‘meu filho, se não der certo este ano acho que é bom você trabalhar’. No início do mês, cobrei e quando foi na terça [10] ele me fez essa surpresa. Na verdade, é comemoração tripla, porque ele passou, a aprovação foi no dia do aniversário dele e no fim do mês, dia 30, é meu aniversário. Foi meu melhor presente.”


André e a mãe comemoraram a aprovação dele no curso de medicina  — Foto: Arquivo pessoal

André e a mãe comemoraram a aprovação dele no curso de medicina — Foto: Arquivo pessoal


‘É minha oportunidade de mudar de vida’

André nasceu em uma comunidade da zona rural de Acrelândia, no interior do Acre, e conta que foi alfabetizado pelo extinto Projeto Poronga, que era um ensino acelerado, usado nas comunidades rurais para tentar evitar a evasão escolar.


Quando mudou para Rio Branco, ele sempre estudou em escola pública e sentia dificuldades em diversas áreas do ensino.


Com ajuda de um vizinho e amigos, ele conseguiu terminar os estudos e começar um cursinho. O primeiro curso que passou foi em engenharia florestal, também na Ufac, mas logo depois teve uma greve e ele, que também estava insatisfeito com o curso, decidiu trancar.


“Conversando com meu vizinho e também com um professor, comecei a cogitar a medicina, foi quando comecei a olhar o curso com outros olhos e comecei a me dedicar para tentar passar no curso”, contou.


Os anos de tentativas não foram fáceis. André teve que lidar com a dificuldade de acesso à internet, materiais e também teve que trabalhar bastante nas áreas em que tinha algum tipo de deficiência no aprendizado. Além disso, em 2017 a mãe se separou do padrasto dele e novamente passou por momentos difíceis.


Mas, durante todo esse percurso, ele teve uma rede de amigos que sempre o apoiaram e, acima de tudo isso, tinha a mãe que acreditava no sonho dele e permitiu que ele se dedicasse aos estudos.


“A ajuda dela foi crucial, de deixar que eu ficasse em casa estudando. Nossa cultura no Acre e no Brasil é que quando uma pessoa pobre faz 19 anos ela tem que sair de casa e procurar trabalho e eu não, fui contra isso e as pessoas não entendem. Muitas vezes, fui chamado de vagabundo, mas continuei estudando e minha mãe entendia. Eu sabia que somente a educação ia poder me fazer virar a chave”, contou.


Estudos

Nada na vida de André foi fácil. Mesmo se dedicando aos estudos, quando a coisa apertava em casa, ele fazia bicos para tentar conseguir dinheiro e ajudar a mãe. Ele limpava piscinas, roçava quintais, pintava casa, entre outras coisas.


“Não era trabalho de carteira assinada, mas pegava às vezes para ajudar minha mãe e de uma forma que não atrapalhasse meus estudos. Isso me ajudava e em 2019 ganhei uma bolsa 100% para fazer um cursinho pré-vestibular”, conta.


Ele chegou a fazer o cursinho por um ano, mas em 2020, com a pandemia, as aulas foram suspensas. Foi aí que o estudante teve que encarar outro desafio: estudar em casa.


A casa de André é de madeira e não tem estrutura para que ele estudasse de forma adequada. Com a pandemia do coronavírus, as bibliotecas também fecharam e foi mais uma vez onde pôde contar com a ajuda dos amigos.


“Eu sempre levantava e ia para a biblioteca da Ufac, mas fechou com a pandemia e aí eu vou ser bem sincero, porque eu não conseguia estudar muito bem em casa. Não tinha internet e lá em casa esquentava muito, porque minha casa é de madeira. Foi aí que um amigo me ofereceu um quarto com ar-condicionado, computador e tive um ambiente mais propício para me dedicar”, conta.


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