Como engravidar: as recomendações de médicos para aumentar as chances

Tomar chás, ingerir cápsulas de vitaminas, calcular o período fértil na tabelinha, pesquisar as melhores posições sexuais, os dias e horários mais promissores. Esses são alguns dos caminhos tentados por mulheres ou casais que pretendem aumentar as chances de engravidar no Brasil.


Mas o que de fato pode aumentar as chances de gestação, segundo especialistas e estudos científicos? Quais são os métodos de concepção e quando o diagnóstico de infertilidade é de fato concluído? E por fim: o que há disponível em relação à reprodução assistida na rede privada e no Sistema Único de Saúde (SUS)?


Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a idade, o estado de saúde e os hábitos da mulher têm muito mais a ver com a fertilidade e a gravidez bem-sucedida do que eventuais métodos adotados.


Ou seja, de modo simplificado, trata-se muito mais de retirar obstáculos, de não diminuir as chances elevadas de engravidar que as mulheres têm até os 35 anos do que de ampliar a probabilidade existente com pílulas, chás, frequências ou posições sexuais sem comprovação científica sólida.


Os especialistas em reprodução humana entrevistados enfatizam que a gravidez raramente acontece na primeira tentativa.


“85% dos casais vão conseguir engravidar em até um ano”, afirma o médico Rui Ferriani, presidente da comissão nacional especializada em reprodução humana da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).


Para que isso ocorra, há diversas variáveis, com importâncias distintas na mulher e no homem. A principal delas é a idade ao tentar engravidar, com dificuldades crescentes depois dos 35 anos. Mas há outros obstáculos para quem tenta engravidar, mas não consegue, como doenças pré-existentes, alimentação, uso de medicamentos, consumo de álcool e outras drogas, saúde mental, histórico de abortos, fatores genéticos, entre outros.


Barriga com gravidez

É comum que mulheres mais velhas usem óvulos doados por mulheres mais jovens em fertilização in vitro. Foto: Secretaria de Saúde de SP

Tudo isso será avaliado em uma consulta pré-concepcional com um ginecologista, que pode recomendar mudanças que costumam levar meses até surtirem efeito, como parar de fumar, reduzir o consumo de café e alterações de peso, por exemplo.


Um em cada 10 casais é afetado pela infertilidade, algo geral e historicamente atribuído à mulher. Mas esse problema pode ser tanto feminino quanto masculino. Segundo a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), cerca de 35% dos casos de infertilidade são relacionados à mulher, 35% ao homem, 20% aos dois e 10% a razões desconhecidas.


A infertilidade, no entanto, quase sempre pode ser prevenida, afirma a Organização Mundial da Saúde (OMS). Entenda mais abaixo.


O peso da idade

A idade é considerado o fator mais relevante nas chances de se engravidar por vias naturais ou reprodução assistida.


Com o passar dos anos, explica a Associação Brasileira de Reprodução Assistida, no caso das mulheres, os óvulos vão perdendo a qualidade, os ciclos menstruais vão ficando mais irregulares e a reserva ovariana cai.


No caso dos homens, a produção de espermatozoides perde a qualidade com o tempo em meio a fatores como doenças, medicamentos, maior exposição a agentes poluentes, afetando a capacidade de fertilização.


“Os óvulos que ficam mais para o final da vida reprodutiva têm mais defeitos de número de cromossomos. Geralmente, cerca de 80% dos embriões formados de óvulos de mulheres com menos de 30 anos são normais. Em mulheres de 43 e 44 anos, 90% deles têm alterações, têm um número errado de cromossomos, e por isso o embrião não se desenvolve”, explica Wellington Martins, ginecologista e especialista em fertilização in vitro, em entrevista à BBC News Brasil.


Em linhas gerais, a infertilidade se caracteriza quando pessoas com menos de 35 anos tentam, sem sucesso, engravidar por vias naturais ao longo de um ano, ou por 6 meses para aquelas com mais de 35 anos.


Gestante com máscara segura e acaricia a barriga

Médicos dizem que maioria das pessoas que tenta engravidar consegue ao longo de um ano. Foto: Getty Images

Nas últimas décadas, muitas mulheres ou casais têm decidido adiar os planos de gravidez e acabam se frustrando ao descobrirem que o procedimento de fertilização in vitro não pode contornar as dificuldades de se engravidar com óvulos próprios depois dos 40 anos.


E por isso recorrem à doação de óvulos de mulheres mais jovens, ainda que isso não costume ser divulgado por elas, afirmam especialistas ouvidos pela reportagem. Eles dizem que é falsa a impressão de que é fácil engravidar nessa idade com a fertilização in vitro de óvulos próprios.


Nessa modalidade, a fecundação ocorre fora do corpo da mãe. O óvulo da mulher e o esperma do homem são fertilizados em laboratório, e posteriormente implantados no útero feminino.


Uma mulher de 42 anos, por exemplo, tem menos de 5% de chances de engravidar com seus próprios óvulos por meio desse procedimento. Essas chances aumentam para 50% com óvulos doados. No caso de mulheres com menos de 30 anos, a fertilização in vitro em seus próprios óvulos tem mais de 90% de chance de sucesso.


Essa probabilidade varia por causa da quantidade de óvulos disponíveis para a fertilização (menor com o passar dos anos) e, depois, de óvulos fertilizados saudáveis para resultar uma gravidez bem-sucedida.


O homem, por sua vez, também pode ter uma incapacidade natural de produzir espermatozoides em quantidade suficiente para a fertilização ou pode produzir espermatozoides malformados, embora isso seja menos comum.


Como se previne a infertilidade?

“No aconselhamento médico durante a consulta pré-concepcional, sempre deverá ser abordada a história de não postergar demais a gravidez, que é uma tendência da sociedade atual. Esse é o principal fator hoje relacionado à infertilidade. Tem jeito de prevenir a infertilidade? Tem. Não engravidando tarde. Não pegando doenças sexualmente transmissíveis. Não sendo obesa. Não fumando”, resume Ferriani, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia.


A Organização Mundial da Saúde afirma que é fundamental que se evitem infecções sexualmente transmissíveis e que, no caso delas e de outras infecções, haja pronto tratamento do aparelho reprodutivo.


Segundo a OMS, umas das consequências é a formação de cicatrizes que podem impedir o deslocamento dos óvulos e o encontro com o espermatozoide. No caso dos homens, uma infecção sexualmente transmissível, quando não tratada, pode deixar cicatrizes e bloquear o ducto espermático.


Além disso, outras das principais causas da infertilidade incluem, segundo a OMS: ausência de alimentação saudável; problemas anatômicos, endocrinológicos, genéticos ou do sistema imunológico; procedimentos médicos que implicam em infecção no trato reprodutivo da mulher, como as decorrentes de parto ou aborto; caxumba que se desenvolve após a puberdade no caso dos homens.


Segundo a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, a endometriose (crescimento anormal do endométrio) pode ser encontrada em cerca de 25% a 40% das mulheres consideradas inférteis.


Mas ainda não foi totalmente esclarecido e estabelecido quais são os mecanismos responsáveis pela infertilidade, a não ser quando existe distorção da anatomia pélvica e obstrução tubária.


Há obstáculos não apenas para a fecundação em si, mas para a continuidade da gravidez. Segundo Martins, estima-se que de 15% a 20% das mulheres podem sofrer um aborto na vida, 5%, dois abortos e 1%, três ou mais. “As causas podem ser genéticas, imunológicas, malformações uterinas, trombofilias, ou até mesmo do próprio espermatozoide.


Mas a causa número 1 identificável é ter muitos embriões com número de cromossomos alterado.”


Barriga de grávida, que segura dois sapatinhos de bebê

Método da tabelinha é um dos mais populares e simples para tentativa de engravidar. Foto: Getty Images

Esse risco de interrupção indesejada da gravidez também varia com a idade. Martins explica que uma mulher de 20 anos tem 10% de risco de abortar e uma de 45 anos enfrenta um risco de 40% a 50%.


Mas essas faixas etárias não são estáticas, e problemas de saúde podem fazer com que as funções reprodutivas de uma mulher de 32 anos façam com que elas reajam como as de uma mulher de 42 anos, afirma o especialista.


Por onde se deve começar quando se planeja engravidar?

A sugestão dos especialistas é que idealmente se comece pelo planejamento familiar natural, que é a via natural onde é feito o registro e monitoramento dos sinais de fertilidade, análise da duração do ciclo menstrual, acompanhamento da temperatura corporal diária e alterações nas secreções cervicais.


Segundo especialistas e estudos científicos, esse método (que pode ser ensinado por médicos especializados) pode ser usado tanto para aumentar as chances de se engravidar quanto para diminuir a quantidade de gestações não desejadas. Ele possibilita tratar ou acompanhar da melhor forma as condições antes e durante a gravidez, sem efeitos colaterais ou riscos à saúde associados ao método.


Esse planejamento familiar natural se baseia em dois indicadores, conhecidos como percepção da fertilidade e temperatura corporal basal.


No primeiro, o Ministério da Saúde explica que o período fértil é a fase do ciclo reprodutivo da mulher (do primeiro dia da menstruação até o dia anterior à próxima menstruação) em que ela tem maior probabilidade de engravidar.


Um dos ovários libera um óvulo nesse período e, se ele se encontrar com um espermatozoide no interior das trompas (dois “tubos” que ligam o útero aos ovários), a gravidez tem início. A partir dali, se tudo correr bem, o ovo fecundado se fixa ao útero e se desenvolve até o parto.


Assim, a percepção da fertilidade envolve a famosa “tabelinha”, em que se registram os dias do ciclo menstrual a fim de identificar início e fim do período fértil. Mas não só. Há também a percepção baseada em sintoma (ou método de Billings), no qual o sinal do período fértil é a presença de muco cervical.


Como nem todas as mulheres conseguem perceber esse muco, elas podem recorrer a testes de ovulação disponíveis em farmácias, que apontam o período fértil por meio da urina, ou equipamentos como uma pulseira da ovulação, também vendida em farmácias, com sensores que identificam os dias férteis.


O segundo indicador usado no método de planejamento familiar natural é a temperatura corporal basal. Nessa abordagem, usa-se um termômetro basal (mais preciso que o tradicional) logo depois de acordar a fim de detectar um leve aumento da temperatura corporal da mulher que indica ovulação.


A recomendação do Ministério da Saúde é que aqueles que tentam engravidar por meio desses métodos e sinais devem praticar a relação sexual nos dias férteis identificados. E ao longo desse período, que se pratiquem hábitos saudáveis, como exercícios físicos regulares, alimentação equilibrada e prevenção contra doenças infecciosas.


Um dos principais pontos negativos do planejamento familiar natural, segundo médicos ouvidos pela reportagem, é que o envolvimento sexual do casal tende a perder espaço para uma prática mecânica voltada exclusivamente à reprodução, com possíveis efeitos negativos para o relacionamento afetivo em si.


Além disso, como dito anteriormente, há muitas variáveis envolvidas no processo de engravidar, nem sempre a gravidez ocorrerá nas primeiras tentativas e métodos como planejamento familiar natural não são sinônimos de gravidez bem-sucedida. Aliás, nenhum deles, nem os mais caros e modernos, oferece 100% de garantia de sucesso.


E se as tentativas naturais não “derem certo”?

Especialistas explicam que se o casal não conseguir engravidar após um ano de tentativas, é possível iniciar uma investigação básica da saúde do casal, envolvendo, por exemplo, avaliação da ovulação, exame das trompas, ultrassom do útero e espermograma (condições físicas e composição do sêmen).


A Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida recomenda que os pacientes procurem médicos especializados para realizar exames e fazer uma investigação detalhada do problema a fim de confirmar ou não um eventual diagnóstico de infertilidade, identificar possíveis causas para as dificuldades de engravidar e indicar o tratamento mais adequado para cada caso.


Em geral, a chamada reprodução assistida é indicada a casais que tiveram alguma dificuldade de engravidar, mulheres com contra indicação de engravidar naturalmente ou que pretendem gestação de produção independente e casais homossexuais que desejam ter filhos.


Mas, nos dois últimos casos, será necessário recorrer a doadores de sêmen, em casais com duas mulheres, ou de óvulo e gestação por substituição, no caso de casais compostos por dois homens. Há também, por exemplo, adoção de reprodução assistida e preservação da fertilidade em mulheres com câncer.


Duas das principais técnicas de reprodução assistida são a fertilização in vitro, descrita acima, e a inseminação artificial, que é menos complexa e consiste no depósito do sêmen diretamente na cavidade uterina de uma mulher durante o período fértil e, em alguns casos, com estimulação hormonal para ampliar a ovulação. Ambos os procedimentos são realizados em clínicas ou laboratórios especializados.


Wellington Martins, ginecologista e especialista em fertilização in vitro, fala em uma terceira abordagem que pode ampliar as chances de se engravidar por meio de reprodução assistida, mas demanda antecedência e dinheiro: o congelamento de óvulos (ou criopreservação de oócitos).


Gestante faz exame de ultrassom

Cerca de 95% dos ciclos de reprodução assistida ocorrem em instituições privadas. Foto: Getty Images

Funciona como uma espécie de apólice de seguro para o futuro. Nesse método, nos ovários, as mulheres também recebem estimulação hormonal para o desenvolvimento de múltiplos óvulos, como ocorre nos métodos descritos acima, e depois esses óvulos são coletados para congelamento.


No futuro, elas podem utilizá-los, a depender das circunstâncias, em um processo de reprodução assistida.


Mas como ocorre com muitos dos aspectos ligados à gravidez, o congelamento de óvulos pode ser mais um peso que recai sobre as mulheres. Afinal, nem sempre elas estarão envolvidas em relacionamentos ao longo do período que se recomenda congelar os óvulos (em geral até os 34 anos) e pode caber a elas arcar com esse procedimento (que pode chegar a custar R$ 18 mil no Brasil e não é coberto pelo SUS).


Martins ressalta também que muitas mulheres que teriam condições financeiras de se submeter a esse congelamento não o fazem enquanto são jovens porque acham erroneamente que podem engravidar facilmente aos 40 anos com auxílio de alguma técnica de reprodução assistida.


Segundo ele, muitas vezes isso ocorre porque elas tiveram contato com relatos de casos de mulheres com essa idade que engravidaram sem saber que muitas vezes foram utilizados óvulos doados de mulheres mais jovens.


Para Martins, se a realidade fosse divulgada, muitos casais que fazem questão de “transmitir a própria carga genética para os filhos” talvez se antecipassem e congelassem óvulos e sêmen.


“A melhor doadora seria você mesma mais jovem. Se você congela o seu óvulo com 28, 30 anos e não quer ter filho na vida, mas com 42 anos bateu aquela vontade, teve dificuldade para ter filho naturalmente, tentou fertilização in vitro e não conseguiu… Se você não tem o seu óvulo previamente congelado, e você quer muito ter um filho, vai acabar recorrendo a óvulos doados de outras pessoas”, diz Martins.


O que está disponível no SUS e na rede privada?

Cerca de 95% dos ciclos de reprodução assistida são realizados em clínicas privadas, e apenas 5% em unidades de saúde do sistema público.


Nas clínicas privadas, os custos de tratamentos de fertilidade podem variar bastante. Uma inseminação artificial, por exemplo, pode custar de R$ 3 mil a R$ 5 mil (não incluindo banco de sêmen). A fertilização in vitro, por outro lado, vai de R$ 10 mil a R$ 30 mil.


O SUS oferece tratamentos de reprodução assistida como indução da ovulação, inseminação artificial, fertilização in vitro, injeção intracitoplasmática de espermatozoide, entre outros. Mas o caminho pode ser bastante longo e desgastante.


Primeiro, a paciente precisa ir a um posto de saúde, onde, após consulta com um médico ginecologista, será encaminhada a um hospital público que oferece esse tipo de atendimento ou a um centro de tratamento de infertilidade da rede pública.


A fertilização in vitro pelo SUS é fornecida de forma totalmente gratuita em três hospitais públicos brasileiros: o Centro de Reprodução Assistida do Hospital Regional da Asa Sul, em Brasília, a Maternidade Escola Januário Cicco da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal, e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo.


O tempo estimado de espera para consulta costuma variar de um a três anos.


Outros hospitais públicos prestam o tratamento, mas podem cobrar por medicamentos ou materiais de laboratório, como o Hospital Fêmina de Porto Alegre, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP e o Centro de Reprodução Humana do Hospital Pérola Byington, em São Paulo.


Entre os critérios desses hospitais estão a faixa etária (alguns só admitem mulheres com até 37 anos), a ausência de doença infecciosa ou crônica grave e não ter se submetido a mais de 3 cesáreas.


O Ministério da Saúde divulga a lista completa neste link aqui.


No caso dos pacientes com plano de saúde, a Lei dos Planos de Saúde (n. 9.656/98) não exige a cobertura de inseminação artificial nem de fertilização in vitro. A depender do plano de saúde, isso pode ser oferecido ou não. Além disso, algumas pessoas recorrem à Justiça e assim conseguem obter esse tratamento por meio do plano de saúde.


Fonte: Correio Braziliense


Compartilhar

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
192882c8aaa53f9b4e234a4553bdad21

Últimas Notícias