Vaga no STF provoca guerra aberta na base do governo

Malafaia num encontro com Bolsonaro em abril: pastor, aliado próximo do presidente, trabalha pela aprovação de ex-AGU ao STF - (crédito: Isac Nóbrega/PR)

A demora da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em sabatinar o ex-advogado-geral da União e pastor presbiteriano André Mendonça — indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) — provoca um cabo de guerra entre setores de sustentação do governo: evangélicos e Centrão.


Ontem, o pastor Silas Malafaia, aliado próximo do presidente, partiu para cima dos ministros Ciro Nogueira, da Casa Civil; Flávia Arruda, da Secretaria de Governo; e Fábio Faria, das Comunicações. O líder evangélico divulgou vídeo nas redes sociais no qual cobrou o trio a fazer a defesa veemente de Mendonça ao Supremo. “É inacreditável que ministros de Bolsonaro, cujos gabinetes ficam no palácio do governo e são ministros políticos, são contra a indicação de André Mendonça para o STF”, reprovou, em tom agressivo. “Vou repetir aqui. Os ministros Ciro Nogueira, Fábio Faria e Flávia Arruda, que são políticos e ministros do palácio, são obrigados a defender a indicação do presidente Bolsonaro e a trabalhar em favor de Mendonça. Não querem? Saiam daí. Não podem estar aí”, disparou.


As declarações de Malafaia ocorreram um dia depois de reportagem do jornal Folha de S. Paulo apontar que políticos do Centrão — grupo do qual fazem parte Ciro, Flávia e Fábio — articularam, durante um jantar, para que a indicação de Mendonça ao STF seja retirada e substituída pela do presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Alexandre Cordeiro, apadrinhado pelo ministro da Casa Civil.


“Se o senhor Ciro Nogueira é a favor da indicação de André Mendonça, convoque a imprensa. Não é para mim, não. O senhor é obrigado a vir a público dar uma satisfação”, declarou o pastor. Os evangélicos são o principal pilar de sustentação da indicação de Mendonça ao STF e têm se esforçado mais do que o governo para que a escolha seja concretizada.


Após a repercussão, Fábio Faria ligou para Malafaia e desmentiu a notícia. Ao Correio, Flávia Arruda afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que foi pega de surpresa com o vídeo do pastor e ressaltou que não esteve em nenhum jantar de articulação sobre a sabatina de Mendonça. Ciro Nogueira não retornou os contatos feitos pela reportagem.


No vídeo, Malafaia negou que os líderes evangélicos tenham indicado o nome de Mendonça para a vaga no Supremo e afirmou que a “indicação é do presidente Jair Bolsonaro”. “Isso é uma vergonha. Onde é que nós vamos parar? Não somos nós, os pastores, que indicamos. Se o presidente quer nomear alguém terrivelmente católico, ele vai perguntar a deputados e senadores? Ou vai perguntar aos bispos?” O religioso disse que as críticas ao indicado são “preconceito” contra os evangélicos.
A primeira vez em que Bolsonaro afirmou que ia indicar um ministro “terrivelmente evangélico” foi em 2019. No entanto, na primeira oportunidade que teve para nomear alguém, com a aposentadoria de Celso de Mello, em 2020, o mandatário apresentou o nome de Kassio Nunes Marques — até então, um desembargador desconhecido do Piauí, que chegou ao Supremo com o apoio de parlamentares do Centrão e que vota reiteradamente alinhado com o governo.


A indicação de um nome ao STF nunca demorou tanto para ser avaliada pelo Senado: Mendonça foi escolhido por Bolsonaro em julho. A demora fez com que o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM-AP), fosse pressionado por seus pares para marcar a data da sabatina.
Fontes ouvidas pela reportagem acreditam que, se sabatinado, Mendonça deve ser aprovado. O obstáculo está sendo a marcação da sabatina.


Influência

Na avaliação do advogado constitucionalista e cientista político Nauê Bernardo de Azevedo, o descontentamento de Silas Malafaia e da bancada evangélica é por conta de pautas que são de interesse da igreja. “Parece uma disputa por espaços e influência. Ciro Nogueira, Flávia Arruda e Fábio Faria exercem cargos-chave no governo, com grande contato perante parlamentares federais. Logo, são cargos muito importantes para o avanço de pautas de interesse no Congresso”, apontou.
O cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, destacou que o impasse pela sabatina gera ainda mais desgaste ao governo. “Não está gerando mal-estar apenas aos evangélicos, mas também um certo incômodo em vários outros setores. No próprio Supremo, entre alguns senadores e no Planalto”, observou. “Talvez, essa pressão fragilize Davi Alcolumbre e pode ser que, a partir da próxima semana, essa pressão aumente.”


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