Celebrado nacionalmente em 15 de outubro, o Dia do Professor é mais do que uma data comemorativa; é o resultado da luta de uma mulher, filha de ex-escravos, que acreditava que a educação era o caminho para o futuro. Antonieta de Barros (1901-1952), a primeira mulher negra a ser eleita no país, instituiu o marco para que os educadores passassem a ser vistos como importantes agentes de mudanças na sociedade.
Pela Lei nº 145, de 12 de outubro de 1948, Antonieta criou o Dia do Professor e o feriado escolar em Santa Catarina. Vinte anos depois, em outubro de 1963, o então presidente João Goulart tornou a lei nacional.
História de luta
Para chegar até a Assembleia Legislativa, em 1934, ostentando o grande feito de ser a primeira deputada mulher de Santa Catarina, Antonieta travou uma história de rompimento de barreiras racial, de gênero e de classe.
Natural de Florianópolis, ela nasceu em 11 de junho de 1901, pouco antes do pai falecer. A mãe, Catarina Waltrick, assumiu o desafio de cuidar dela e dos irmãos e usou o ofício de lavadeira para garantir um sustento para a família – na época, Catarina já que era escrava liberta.
Foi em um dos empregos da mãe, na casa do político Vidal Ramos, em Lages (SC), que a paixão de Antonieta pela educação começou. Com a ajuda da família empregadora, a quem os historiadores afirmam que tinham carinho por Antonieta e a mãe, ela foi alfabetizada em uma escola particular em 1906, quando tinha cinco anos. Quatro anos depois foi para a escola pública e aos 16 anos, em 1917, preparava-se para fazer as provas da Escola Normal Catarinense – formação que a daria possibilidade de seguir o sonho de ser professora.
O sonho individual se tornou coletivo quando, antes de se formar, Antonieta decidiu passar o conhecimento obtido para outras pessoas à margem da sociedade. Em maio de 1922, aos 17 anos, ela inaugurou o Curso Particular de Alfabetização Antonieta de Barros, cujo objetivo era preparar alunos para os exames de admissão do chamado Ginásio do Instituto de Educação e da Politécnica, além de alfabetizar adultos. A educadora acreditava que o ensino libertaria as pessoas dos postos de marginalização.
“Educar é ensinar os outros a viver; é iluminar caminhos alheios; é amparar debilitados, transformando-os em fortes; é mostrar as veredas, apontar as escaladas, possibilitando avançar, sem muletas e sem tropeços; é transportar às almas que o Senhor nos confiar à força insuperável da Fé”, frisou em um dos discursos feitos no Congresso.
Nas redações e movimentos políticos
Para ampliar os ideais educacionais pelos quais lutava, Antonieta começou a participar, em 1922, de movimentos políticos, ainda enquanto estudava na Escola Normal, com a atuação na militância Liga do Magistério, na qual se tornou a primeira secretária. Três anos depois, ela passou a participar da formação do Centro Catarinense de Letras (CCL), do qual tornou-se membro da diretoria.
Em 1926, assumiu o posto de escritora e jornalista, tornando-se uma das poucas mulheres que o faziam, principalmente no estado catarinense. A intenção de Antonieta era levar a mais pessoas as mudanças necessárias no Estado, como questões sociais, a necessidade de ações para crescimento educacional e redução do analfabetismo, e as definições dos papéis sexuais. Foi nessa época que ela, com o pseudônimo de Maria da Ilha, fundou o jornal A semana; além de contribuir para a Folha Acadêmica, O Idealista, Correio do Estado e O Estado.
Em um artigo publicado em outro veículo, o Jornal República, em julho de 1932, Antonieta fez duras críticas à falta de oportunidades de mulheres continuarem a formação estudantil em faculdades. “Há uma grande lacuna na matéria de ensino: a falta dum ginásio onde a mulher possa conquistar os preparatórios para ingressar no ensino superior. O elemento feminino vê, assim, fechados diante de si, todos os grandes horizontes”, frisou na publicação.
A educadora criticava a gestão de Irineu Bornhausen, que governava o Estado na época, ao afirmar que ele não estava preocupado em tornar a educação acessível a todas as pessoas. Foi para mudar o cenário educacional e de pequeno acesso que Antonieta se candidatou a uma cadeira na Assembleia Legislativa em 1934, pelo Partido Liberal Catarinense. Ela foi a primeira deputada estadual a ser eleita no estado após ter sido concedido o direito de voto às mulheres.
Incansável
De acordo com a doutora em letras Luciene Fontão, Antonieta de Barros “foi uma mulher engajada com as lutas do tempo dela”: na Assembleia, atuou pela melhoria da educação popular e fez parte da Comissão de Educação e Justiça, onde propôs projetos de lei para ampliar a carreira do magistério de Santa Catarina. Na época, foi aprovada a lei para a realização de concursos para o magistério, além de legislações para conceder bolsas de cursos superiores, o que contribuiu para a amplificação da alfabetização e da profissionalização local.
Incansável, a educadora continuava a dar aulas e a escrever nos jornais do estado. Em 1937, reuniu os principais artigos no livro Farrapos de ideias, cujo lucro da primeira edição foi doado para a construção de uma escola para abrigar filhos de pessoas afastadas da sociedade por terem lepra – a maioria internados no leprosário Colônia Santa Tereza.
Reeleita e criticada
Com tantas ações positivas, o eleitorado a elegeu deputada mais uma vez em 1948. No entanto, apesar de ser reconhecida e apreciada por uma parte da população, a postura combativa de Antonieta fez com que ela fosse atacada por diversas personalidades da época, inclusive com falas racistas.
Historiadores afirmam que Antonieta não se abatia com as críticas e permanecia firme nos cargos em que ocupou. Quando possível, ela chegava a responder publicamente aos ataques. Um deles foi Oswaldo Rodrigues Cabral, político, jornalista e professor de história catarinense, que afirmou que as publicações da escritora nos jornais eram “intriga de senzala”.
Na ocasião, Antonieta respondeu o comentário em uma publicação no jornal O Estado e afirmou que era um benefício à população o distanciamento de Oswaldo das salas de aula para realizar outros afazeres, como a política. “Sua Excelência, para a felicidade de todos quantos são arianos – apesar de portador de um diploma de jornalista – não milita no ensino público. Dizemos felicidade porque, à sua Excelência, falta uma das qualidades de professor: não distinguir raças, nem castas, nem classes”, frisou, em maio de 1951.
Menos de um ano depois, Antonieta faleceu por complicações de um quadro de diabetes, em 28 de março de 1952. No entanto, o legado da educadora e escritora permanece vivo até hoje. Em homenagem a ela, foi criada a Medalha de Mérito Antonieta de Barros, que homenageia pessoas físicas e jurídicas que criam trabalhos relevantes, ou, ainda, destacam-se na luta na defesa do direito das mulheres.
Também leva o nome da heróina brasileira negra da educação o Prêmio Antonieta de Barros, criado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial direcionado a reconhecer jovens comunicadores negros do país.
Legado permanente
A historiadora Karla Leonora Nunes, na tese de doutorado sobre a educadora, afirma que Antonieta “é uma personagem feminina que inaugura o cenário político catarinense por ter sido eleita a primeira deputada na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina em um tempo e em um espaço onde tal fato ainda estava muito distante da maioria das mulheres negras de nossa terra”.
De fato, ainda hoje, Antonieta é uma das exceções inaceitáveis em um país democrático: desde 1948, apenas outras 15 mulheres ocuparam igual cadeira da Assembleia de Santa Catarina – e mais nenhuma delas negra.