Esse é o alerta dado pela Expedição Silent Amazon, empreendida em 2019, que percorreu 1,5 mil km de rios, entre o Amazonas e seus afluentes, coletando amostras para identificar tais contaminantes. A expedição, que apresentou os resultados em artigos científicos em junho de 2021, prepara para breve a análise sobre a presença do microplástico nas águas amazônicas.
O nome da expedição é inspirado no emblemático livro Primavera silenciosa, de Rachel Carson, (Silent spring, em inglês). Na obra, dos anos 1960, foi dado o alerta sobre a contaminação e a poluição química, e como isso poderia afetar o solo e os seres vivos.
Águas contaminadas
Especialista no estudo de contaminação em sistemas aquáticos, Andreu Rico detalha que foram coletadas 40 amostras de diferentes partes do Rio Amazonas, incluindo os afluentes, focando principalmente em áreas de grande impacto urbano. A maioria da coleta das amostras foi feita a bordo de diferentes tipos de barcos – de passageiros a barcos menores alugados – e de acordo com o tipo de trajeto.
Houve coleta em terra também, próximo a áreas de lançamento de esgoto e águas mais contaminadas de cidades, e em rios menores e urbanos. Os resultados começaram a aparecer em junho de 2021 com a publicação de dois artigos científicos que alertam para os altos níveis e a variedade de contaminantes nas águas da bacia do rio Amazonas.
“As grandes cidades que estão às margens do Amazonas e seus afluentes estão crescendo de forma descontrolada e lançando uma grande quantidade de quase todos os tipos de contaminantes que se conhece, como microplásticos, defensivos agrícolas, fármacos, metais pesados e outros compostos usados pelas indústrias”, avalia Rico.
Foram encontrados contaminantes até nos pequenos rios que cruzam as áreas urbanas de Manaus, Macapá e Belém, com algumas amostras contendo de 30 a 40 compostos. A maioria dos compostos identificados em áreas com significativo impacto urbano pertencia às categorias de analgésicos e anti-hipertensivos, seguidos de estimulantes e antibióticos.
“Estão se formando coquetéis de contaminação muito importantes em áreas de alta biodiversidade aquática e terrestre.”
Uma segunda etapa de dados, mais focada em defensivos agrícolas (agrotóxicos) e microplásticos, com dados preliminares publicados pela Universidade de Valencia e o IMDEA, aponta que as maiores concentrações de microplásticos estão em córregos urbanos das grandes capitais, sem tratamento de água e esgoto. A predominância é de partículas e fibras de poliéster e fragmentos de polipropileno, polietileno e poliestireno, em valores perigosos para vida aquática. Mais trabalhos de pesquisa devem ser feitos para entender melhor a distribuição destes materiais. Até o final do ano os pesquisadores esperam concluir a publicação científica.
Os dados que a expedição coletou mostram como os altos níveis de emissão de poluentes em áreas urbanas na maior floresta tropical do planeta podem alterar e impactar um número grande de espécies amazônicas, o funcionamento de ecossistemas e até a migração e o deslocamento de algumas espécies. Rico observa que alguns peixes, por exemplo, migram de algumas áreas do rio Amazonas e encontram estas nuvens de contaminação próximo às cidades.
Impacto do plástico e desafios para um futuro sustentável
Existe outro tipo de contaminação não tão silenciosa: os resíduos sólidos que atingem todos os córregos, igarapés e rios das cidades amazônicas. De acordo com informações da Secretaria Municipal de Limpeza Urbana de Manaus, uma média de 27 toneladas de lixo são retiradas das águas todos os dias. Grande parte deste material é plástico descartável, como garrafas pets e outras embalagens. Até julho de 2021, haviam sido recolhidas mais de cinco mil toneladas de resíduos da orla e rios – uma média de quase 700 toneladas por mês.
“Mais de 80% dos resíduos que chegam a Manaus são plásticos. Em primeiro lugar está a garrafa pet, depois embalagens pós-consumo”, nota Muller. Outros tipos de embalagens chegam em menor escala para as cooperativas.
“Mais de 80% dos resíduos que chegam a Manaus são plásticos, principalmente garrafas pet e embalagens pós-consumo.”
Nas comunidades e pequenas cidades no interior da bacia do rio Amazonas, a realidade que preocupa com relação ao plástico é que o material não é reutilizado, mas sim aterrado. Elisa Muller ressalta a importância de trabalhar a questão dos resíduos, especialmente o plástico, em sala de aula, com professores e professoras que possam passar a mensagem correta e fazê-la chegar aos domicílios.
Experiências vêm sendo realizadas entre cooperativas, prefeituras e ONGs. Um projeto-piloto em São Gabriel da Cachoeira, a 850 km de Manaus, indica alguns caminhos. Atualmente, as balsas que chegam com os produtos da cidade, na maioria em embalagens plásticas, retornam com o material coletado e vão direto para a cooperativa Aliança, em Manaus, para triagem. “Estamos tentando criar um eixo de vai-e-volta”, diz Muller.