A pandemia da covid-19 aumentou a incidência de transtornos depressivos e distúrbios de ansiedade a nível mundial, sendo que mulheres e jovens são os mais afetados. A conclusão, feita por pesquisadores da Austrália, foi divulgada na revista The Lancet e tem como base dados de 204 países. Os cientistas observaram que os territórios com altas taxas de infecção pelo Sars-CoV-2 e grandes reduções no movimento de pessoas — uma consequência de medidas de isolamento social — são os que mais registram esse aumento das complicações. O Brasil faz parte desse grupo e, segundo os autores, está na lista das nações mais atingidas pelo fenômeno.
O trabalho é a primeira pesquisa a analisar o impacto global da pandemia da covid-19 sobre a prevalência de distúrbios depressivos e de ansiedade em 2020. “A maioria dos trabalhos passados consistia em análises feitas em locais específicos, durante um curto período de tempo”, afirmam os autores. A análise ampliada revisa pesquisas realizadas entre 1º de janeiro de 2020 e 29 de janeiro de 2021, o que resultou em 5.683 artigos científicos sobre a prevalência de transtornos depressivos ou ansiosos em 204 países.
Antes da pandemia, as estimativas indicavam 193 milhões de casos de transtorno depressivo maior (2.471 casos por 100 mil habitantes) globalmente, antes da crise sanitária. Durante o período pandêmico analisado, o número subiu para 246 milhões de casos (3.153 por 100 mil habitantes), um aumento de 28% (adicional de 53 milhões de casos). Os pesquisadores também observaram que mais de 35 milhões de casos adicionais foram diagnosticados em mulheres, contra 18 milhões em homens.
Em relação à ansiedade, o estudo mostrou 298 milhões de casos de transtornos de ansiedade (3.825 por 100 mil habitantes) globalmente. Com a chegada da pandemia, esse número subiu para 374 milhões de casos (4.802 por 100 mil habitantes), um aumento de 26%. Dos 76 milhões casos adicionais, quase 52 milhões foram de mulheres.
O estudo mostrou, ainda, que os mais jovens foram os mais afetados pelos dois tipos de distúrbio. “A prevalência adicional desses transtornos atingiu o pico entre aqueles com idade entre 20 e 24 anos (1.118 casos adicionais de transtorno depressivo por 100 mil habitantes e 1.331 casos adicionais de transtornos de ansiedade por 100 mil habitantes)”, relatam os autores. A equipe também conseguiu especificar os países em que o fenômeno foi mais crítico: Estados Unidos, Brasil e Reino Unido.
Com base nos dados, os autores pedem uma ação urgente dos governantes para fortalecer os suportes psicológico e psiquiátrico nos próximos anos. “Mesmo antes do período pandêmico, os sistemas de saúde mental, na maioria dos países, apresentavam poucos recursos e eram desorganizados em sua prestação de serviços. Atender à procura adicional, requerida devido à covid-19, será um desafio. É preciso dar atenção a essa necessidade”, enfatiza, em comunicado, Damian Santomauro, pesquisador do Centro de Queensland de Pesquisa em Saúde Mental, na Austrália, e um dos autores do estudo.
OMS
O apelo também é feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que divulgou, ontem, o novo Atlas de Saúde Mental. No documento, que é publicado a cada três anos, os especialistas da instituição avaliaram dados de 171 países e mostram que apenas 25% dos países avaliados preencheram todos os critérios para integrar a saúde mental à atenção primária, uma meta estabelecida pela agência das Nações Unidas.
De acordo com a OMS, embora tenha havido progresso no treinamento e na supervisão na maioria dos países, o fornecimento de medicamentos para doenças psiquiátricas e a atenção psicossocial se mostraram limitados. “É extremamente preocupante que, apesar da necessidade evidente e crescente de serviços de saúde mental, que foi ainda mais exacerbada durante a pandemia da covid, as boas intenções não sejam acompanhadas de investimentos”, afirma, em comunicado, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da agência. “Devemos atender a esse chamado de alerta e agir a respeito, acelerando drasticamente o aumento do investimento. Não há saúde sem saúde mental.”
Crianças têm mesmo risco de infecção
Um estudo feito por pesquisadores do Hospital Infantil do Texas, nos EUA, mostra que as crianças são tão propensas a se infectarem pelo novo coronavírus quanto os adultos, mas apresentam a metade do risco de manifestarem sintomas da doença. No trabalho, que foi publicado na revista Jama Pediatrics, os investigadores acompanharam um grupo de 1.236 adultos e crianças que viviam nas cidades de Utah e Nova York.
“Nossos resultados sugerem que crianças e adultos têm taxas de incidência semelhantes de infecção, ressaltando a necessidade de uma avaliação rápida da eficácia e segurança da vacina em crianças para que, com isso, seja possível expandir essa medida de proteção também a esse grupo”, afirma, em comunicado, Flor Munoz, especialista em doenças infecciosas pediátricas do Hospital Infantil do Texas e uma das autoras do trabalho.
Os cientistas ponderam que o estudo tem limitações, já que alguns sintomas entre crianças pequenas podem ter passado despercebidos. Isso porque os dados sobre as manifestações da infecção foram coletados com os cuidadores dos pequenos voluntários, como pais e mães. Novas investigações, acreditam, poderão sanar essa lacuna. “Devemos entender o papel das crianças na transmissão de infecções virais respiratórias. Estudos feitos nessa área também podem nos ajudar a lidar melhor com futuras pandemias e proteger com mais eficiência essa faixa etária da população”, afirma Fatimah Dawood, pesquisadora do Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e também autora do estudo.